Os impactos trazidos pela pandemia de Covid-19 colocaram em evidência os processos de ensino e aprendizado. Especialistas em educação ao redor do mundo se debruçam sobre os assuntos para traçar os caminhos e possibilidades a serem adotados neste momento e no futuro pós-pandêmico.

Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), estão sendo desenvolvidas mais de cem pesquisas relacionadas ao combate à Covid-19 e aos impactos que a pandemia traz para os diversos setores da sociedade. 

As significações do trabalho docente

Um dos trabalhos, intitulado “As significações de trabalho docente nos discursos produzidos em tempos de pandemia”, é coordenado pela professora Andreia Rezende Garcia-Reis, da Faculdade de Educação (Faced). A pesquisa, que está inserida nas ações do Grupo de Pesquisa Interação, Sociedade e Educação, visa investigar as significações de trabalho docente em postagens do grupo “Academia Pandêmica”, no Facebook, e analisar as significações no contexto de isolamento social.

Segundo a pesquisadora, neste momento de pandemia e isolamento social, em que as escolas estão fisicamente fechadas e as aulas estão em formato remoto, o trabalho dos professores tem passado por mudanças consideráveis. “Eles precisaram aprender e desenvolver outras configurações para suas aulas, sobretudo para manter a interação e promover a aprendizagem de seus alunos. A sociedade, como um todo, tem lançado seus olhares para esse trabalho e produzido discursos variados sobre as escolhas e modos de trabalhar desses profissionais”, argumenta.

Andreia pondera que a compreensão dos discursos em torno do trabalho docente produzidos em contexto de pandemia e isolamento social pode contribuir com as práticas formativas de profissionalização docente, inicial e continuada, “além de promover a reflexão sobre as dimensões que constituem esse trabalho, considerado tão importante e vital numa sociedade democrática”.

Os resultados da pesquisa têm revelado uma necessidade contínua de aprendizagem por parte dos professores, que precisam ter uma formação inicial e continuada densa e com diversidade de experiências formativas; “além de uma grande valorização do trabalho docente nos discursos produzidos pelos participantes desse grupo de Facebook; e uma avaliação dos próprios professores de que têm se dedicado muito e que ampliaram sua carga-horária de trabalho nas condições de ensino remoto”.

Exercício da docência em Juiz de Fora

“O exercício da docência no contexto de pandemia de Covid-19: as vozes dos professores” é o título de outra pesquisa acadêmica sobre o tema. A iniciativa é capitaneada pela professora Elita Betania de Andrade Martins, também da Faced, e conta com docentes da rede municipal de ensino de Juiz de Fora e do Colégio de Aplicação João XXIII.

“A partir das informações obtidas nos noticiários e de situações vivenciadas, entendemos a importância de conhecer um pouco da realidade dos professores que atuam na educação básica, no município de Juiz de Fora, quanto ao trabalho desenvolvido de forma remota – em especial as suas condições de trabalho”, conta a pesquisadora.  

Para atingir o objetivo, a pesquisa buscou ouvir professores que estavam atuando de maneira remota, entre os meses de maio a agosto de 2020, por meio de um questionário on-line, que foi respondido por 110 docentes. Também foram feitas entrevistas telefônicas ao longo de cinco dias (uma semana escolar) com sete professores, que relataram como haviam sido seus dias de trabalho. Representantes do Sindicato de Professores de Juiz de Fora (Sinpro-JF) e do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino de Minas Gerais – Região Sudeste (Sinepe/Sudeste) também foram entrevistados. Elita relata que “foi possível perceber que os professores queriam ser ouvidos, inclusive indicando outros colegas que gostariam de participar da pesquisa”. 

Mesmo com a pesquisa ainda em andamento, alguns pontos chamaram a atenção dos entrevistadores. Em Juiz de Fora, as atividades remotas foram iniciadas em períodos diferentes. Enquanto as escolas particulares começaram pouco tempo após a suspensão das aulas presenciais – o que aconteceu em março de 2020 – a rede estadual iniciou os trabalhos remotos em maio daquele ano; já a rede municipal de ensino, por sua vez, instaurou o ensino remoto, de forma sistematizada, apenas em agosto do ano passado.

Por esta razão, apesar de 60% dos professores trabalharem em duas ou mais escolas, no momento da pesquisa, 54,5% estavam atuando em apenas uma delas e, mesmo assim, os depoimentos revelaram cansaço decorrente do novo modelo de trabalho, além da preocupação sobre o que aconteceria quando tivessem que desenvolver sua carga horária de trabalho completa. “Um dos entrevistados disse: ‘eu trabalho no meu computador de mesa dentro do meu quarto; então, o meu quarto, que era meu local de descanso, virou meu local de trabalho’”, relata a coordenadora da pesquisa.

Mesmo não exercendo completamente sua jornada de trabalho, 41,8% dos professores afirmaram ter mais de seis turmas sob sua responsabilidade. “A necessidade de se adaptar à nova realidade do ensino remoto e de passar a dominar novas tecnologias e arranjos pedagógicos pode se complexificar quando o professor tem um maior número de turmas e intensificar o trabalho docente”, pondera.

Todos os professores participantes da pesquisa são graduados, sendo que 52,7% possuem especialização e 26,4%, mestrado. Entretanto, 60,9% não concluiu nenhum curso sobre educação on-line e 54,5% afirmou não ter recebido, por parte da escola, nenhuma formação que os auxiliasse a trabalhar de maneira remota.

Os respondentes indicaram, ainda, que para trabalhar com o Ensino Remoto Emergencial (ERE) utilizaram seus próprios recursos tecnológicos (94,5%), sendo que, destes, 71,8% são recursos que já possuíam antes da pandemia, ao passo que 22,7% precisaram adquiri-los em decorrência do momento pandêmico.

Quando questionados sobre sua maior preocupação no momento, além do preparo de aulas on-line, os professores indicaram a prevenção da doença (55,5%); a preocupação com a família (19,1%); e com a manutenção da renda (17,3%).

Para a pesquisadora, devido ao fato de as escolas estarem fechadas como forma de diminuir o contágio pelo coronavírus, muitas vezes, se desconsidera que os professores não pararam suas atividades. “Desde março de 2020, os professores têm se esforçado para continuarem a contribuir para o processo de aprendizagem das crianças e adolescentes”, reitera. 

Elita acredita que as informações obtidas podem ajudar na formulação de políticas locais para melhoraria das condições de trabalho docente e a efetivação do direito à educação, finaliza.