Texto por: Andréia Alvim
Muito se tem especulado sobre como a nova pandemia que assola o mundo – o coronavírus – aconteceu. O que se sabe até agora é que a COVID-19 é uma doença altamente infecciosa causada por um novo vírus de origem animal, ou seja, é uma zoonose. As zoonoses são doenças que têm a capacidade de serem transmitidas tanto de animais para humanos (antropozoonoses) ou de humanos para animais (zooantroponoses), e podem ser causadas por vírus, bactérias ou parasitos. Algumas zoonoses muito conhecidas além do coronavírus são: raiva, sarna, leishmaniose, hantavirose e a giardíase, SARS (Síndrome respiratória aguda grave) e o precursor do HIV. Estima-se que existam 1 bilhão de casos de zoonoses pelo mundo, e milhares de pessoas morrem devido a elas a todos os anos. Mas, afinal, como tudo chegou a um ponto tão crítico? A resposta relaciona-se com a facilidade de translocação, tanto de humanos quanto de patógenos (os causadores da doença), mas não se engane: a resposta não é simples.
As zoonoses começaram a ser um problema a partir do momento em que o ser humano começou a praticar a domesticação animal em larga escala, a limpeza da terra para agricultura e pastagem e a caça de animais silvestres. Isso resultou, primeiramente, em infecções como a raiva, a equinococose, o sarampo e a varíola – doenças antes encontradas apenas em animais. Depois de um crescimento acelerado da população e a sua consequente expansão pela terra, os patógenos começaram a se adaptar – junto com a nossa espécie – a novos ambientes. Ou seja, tiveram que encontrar outros hospedeiros para sobreviverem.
Muitas zoonoses podem estar ligadas a mudanças em larga escala no uso da terra, o que afeta a biodiversidade e as relações entre hospedeiros de animais, pessoas e patógenos. A transmissão de doenças entre humanos e outras espécies é natural, mas a taxa com que isso acontece é mediada por ação humana, como por exemplo: uso indiscriminado da terra, produção animal em larga escala, extração de recursos naturais, o transporte de cargas e pessoas ao redor do mundo e, no caso da COVID-19, mercados de vida silvestre. Além do coronavírus, outras doenças surgiram recentemente por origem animal e se estabeleceram em população humanas: O HIV (que teve origem no vírus SIV em chimpanzés), o virus Ebola, o vírus Nipah (de origem em morcegos ou porcos) e o hantavírus (origem nos roedores).
Porém, vamos dar mais enfoque ao COVID-19: Em 2002, em Guangzhou, na China, houve um tipo de coronavírus que se espalhou por 29 países e matou aproximadamente 800 pessoas. Enquanto o novo coronavírus já se espalhou por pelo menos 133 países e já matou mais de 73000 pessoas. Afinal, por que essa mudança ocorreu e por que ocorreu na China? Acredita-se que a COVID-19 tenha se originado em um mercado em Wuhan, na China (Figura 1), onde é vendido carne de animais silvestres, por vezes ilegalmente, sem que haja higienização adequada. O abate dos animais muitas vezes ocorre no próprio local. Portanto, há um contato direto entre espécies que não ocorreriam em ambiente natural, resultando na mutação do Vírus SARS-COV-2 de morcegos através de um vetor – o pangolim. A hipótese é que, em algum momento, o pangolim (Manis javanica; Figura 2) tenha ingerido parte ou sangue de um morcego-ferradura (Rhinolophus affinis; Figura 3); dentro deste animal, o vírus apresentou diversas modificações no seu genoma, até que sua carne foi ingerida por um ser humano e o vírus conseguiu se multiplicar. O estudo se baseia na similaridade dos genomas do PangolinCov (vírus do pangolim) e o BatCov (vírus do morcego) com a COVID-19, tendo 91% e 90% de compatibilidade, respectivamente.
Além do mercado de vida selvagem, podemos citar outros fatores relacionados ao ser humano que levam a zoonoses. A doença de Lyme, que teve origem no nordeste dos EUA, surgiu a partir de um ciclo histórico de desmatamento, reflorestamento e a fragmentação de habitat alterando populações predador-presa e levou ao surgimento de doença mediada por carrapatos. A hidatidose, que tem como vetor o cão, tem um ciclo baseado no consumo de carne silvestre por canídeos que eventualmente passam os ovos do parasito para os seres humanos, e é muito comum na região norte do Brasil, onde algumas pessoas se alimentam de pacas (Cuniculus paca). Em várias regiões tropicais, mudanças no uso da terra foram relacionadas à ocorrência da doença de Chagas, febre amarela e leishmaniose, e a incidência dessas doenças se dá principalmente em áreas de floresta aberta para mineração, exploração madeireira, plantação, e extração de petróleo e gás.
Em resumo, podemos perceber que as zoonoses são um fenômeno natural, mas a taxa com que acontecem e a sua complexidade se dá, na maioria das vezes, completamente por ação humana. Atualmente, todos somos suscetíveis a contrair alguma zoonose em algum período de nossas vidas. Por isso, o controle dessas doenças tem que ser feito de forma multissetorial. No caso do coronavírus e de outras SARS, é necessário o controle do mercado de animais selvagens para alimentação (Figura 4), o que foi realizado em Wuhan após a pandemia atual. Em outros casos, é necessário uma melhor administração do governo, principalmente em saneamento básico e na exploração da terra para agropecuária, além do incentivo da cooperação entre saúde pública e a universidade, para conduzirem estudos sobre prevenção de zoonoses conhecidas e/ou do aparecimento de outras. Sobretudo, é mais do que essencial programas de educação ambiental que facilitem o acesso de toda a população sobre o que são essas doenças, como prevenir e como tratá-las, evitando assim proliferação e, consequentemente, o surgimento de estados críticos como o atual causado pelo COVID-19.
Referências bibliográficas
- World Health Organization. Coronavirus disease COVID-19 situation report. Acesso em 08/04/2020 < https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200407-sitrep-78-covid-19.pdf?sfvrsn=bc43e1b_2>.
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- Zhang T, Qunfu WU, Zhang Z. 2020. Probable pangolin origin of SARS-CoV-2 associated with the COVID-19 outbreak. Current Biology 30: 1346-1351.