Neste mês de abril, trazemos mais uma edição do nosso “Quem estuda bicho?”. Gustavo Martins Stroppa é biólogo pelo CES/JF, tendo cursado a licenciatura. É mestre em Comportamento e Biologia Animal e atualmente doutorando na área de Biodiversidade e Conservação da Natureza, ambos na UFJF. Atualmente é professor da rede municipal de ensino. Adoramos nossa conversa cheia de reviravoltas! Tem alguma pergunta? É só ir até nosso post do Instagram para colocar seu comentário. Confira tudinho abaixo!
CIZ: Poderia nos contar um pouco da sua trajetória acadêmica? Começando lá no início mesmo, quando percebeu que queria cursar Biologia?
Gustavo: Durante o Ensino Médio eu tinha em mente que nunca faria Biologia. Não gostava de insetos, répteis, moluscos, não compreendia a reprodução nos musgos e nas samambaias… Sempre estive envolvido com esportes no colégio e fora dele. Era natural que fosse para outra área, como Educação Física. Mas tive uma professora no 3º ano que fez as coisas mudarem um pouco. Ela subia em sua mesa e desenhava os ciclos e esquemas na parede, era debochada e falava de forma muito engraçada (obrigado, professora Graça!). Cogitei, então, que poderia cursar Biologia. Fiz cursinho por um ano e, com a chegada do período de inscrições no vestibular, eu tinha que me decidir. O martelo só foi batido no último momento, quando tive a certeza de que estava fazendo a melhor escolha.
CIZ: Sua intenção inicial já era se tornar Zoólogo ou foi um processo ao longo da graduação?
Gustavo: No cursinho pré-vestibular havia uma disciplina de Zoologia, e eu não gostava nem um pouco. Não me interessava por todos aqueles nomes e grupos. Mas, por ironia, durante a graduação fui me interessando cada vez mais pela área. No 2º período tive um professor de zoologia que me incentivou muito. Meu primeiro contato com a pesquisa foi nessa disciplina, quando construímos uma coleção de insetos.
A partir do 4º período da graduação, iniciei minha participação em programas de estágios, os quais me deram base e muita experiência no campo profissional e na pesquisa. Mas nenhum deles ligados à Zoologia. E, por influência de colegas e professores, passei a dedicar minhas leituras aos temas zoológicos. Os assuntos iam de parasitos de serpentes até as próprias hospedeiras rastejantes. Resultado: terminei meu curso totalmente imerso na herpetologia (estudo dos répteis e anfíbios). Segui com a herpetologia no mestrado, sob orientação da professora Bernadete Sousa (que já se aposentou).
Durante o curso, dentre as várias disciplinas que fiz, uma seria determinante na direção que eu tomaria dali em diante: “Ecologia de formigas cortadeiras”. As aulas, conduzidas pela professora Juliane Lopes (veja sua entrevista aqui) (Ju) me deixaram com a “pulga atrás da orelha” e, como ela mesma disse, “fui conquistado pela Mirmecologia (estudo das formigas) em pouco tempo”. Assim, migrei de vez da Herpetologia para a Mirmecologia e, com o apoio da minha orientadora, Juliane, e muita dedicação, a transição entre as áreas foi mais uma etapa na minha vida acadêmica.
CIZ: Conte um pouco sobre o grupo que estuda e qual o tema das pesquisas que já participou/desenvolveu…
Gustavo: As formigas são insetos sociais pertencentes ao mesmo grupo das vespas e das abelhas (Hymenoptera). Elas vivem em colônias das mais diversas formas e tamanhos, podendo ter uma ou mais rainhas. As formigas cortadeiras cultivam um fungo no interior de suas colônias e utilizam essencialmente partes frescas de plantas para nutri-lo. Elas não são consideradas somente pragas agrícolas de grande interesse econômico, mas também organismos muito importantes na dinâmica do solo. Daí a relevância em compreender o processo de organização de suas colônias.
No laboratório de Mirmecologia (MirmecoLab – UFJF) realizamos diversos estudos relacionados à ecologia e organização das formigas cortadeiras. Utilizamos vários tipos de técnicas e equipamentos para chegar aos resultados esperados.
No doutorado eu estudo aspectos comportamentais e ecológicos relacionados ao processo de fundação dos ninhos de rainhas de formigas cortadeiras
da espécie Acromyrmex subterraneus (conhecida popularmente como quenquém). Sabemos que para essa espécie, após o voo nupcial, a rainha inicia a fundação da nova colônia sozinha. Isso sugere que, nesse grupo, a presença de mais de uma rainha na colônia após a fundação, é uma condição secundária (ocorre depois da fundação). Tentamos compreender, então, quais são os fatores que determinam a formação desses ninhos poligínicos, já que a presença de várias rainhas garante o aumento do número de formigas e, consequentemente, o sucesso da colônia.
CIZ: Houve muitas expectativas quebradas ou já tinha ideia do que iria enfrentar na sua área de pesquisa e estudos?
Gustavo: A frustração é algo inevitável na nossa área, né?! Cada etapa da carreira acadêmica tem um desafio a ser vencido, mas os imprevistos, às vezes, nos deixam sem o que fazer (literalmente). A pandemia da COVID-19 foi, em todos os aspectos, o pior momento que poderia enfrentar. Inicialmente, a expectativa era de contar com a colaboração de outros pesquisadores e laboratórios, mas por conta da paralisação de todas as atividades, foi necessário alterar todo o projeto inicial para algo que já tínhamos mais familiaridade. Minha orientadora me propôs a mudança e eu aceitei na hora, claro. De fato, é um trabalho magnífico, mas tudo tinha que ser feito do zero, novamente. Apesar dos contratempos, hoje me sinto realizado com meus estudos.
CIZ: Você faz trabalhos de campo? Conta um pouco sobre como é feito, os processos de coleta de dados e também de alguma história engraçada ou inusitada!
Gustavo: Realizo trabalhos de campo desde a graduação e esse é o momento em que mais me realizo. Comecei com trabalhos simples para aprender as técnicas de coleta. No doutorado, minhas coletas são realizadas sempre nos meses mais chuvosos e quentes. As rainhas realizam seus voos nupciais apenas uma vez no ano e, por isso, temos que ficar muito atentos quando esse período chega. Após coletá-las, elas são levadas imediatamente ao laboratório e pesadas para que possamos garantir dados confiáveis. Cada uma recebe sua identificação e damos continuidade aos experimentos.
Durante o mestrado, como fiz levantamento de fauna, vivia em campo. Todos diziam que “os campos da herpeto são os mais pesados”. Bom (risos), não me lembro de ter carregado tanto peso em distâncias tão grandes e cavado tanto buraco debaixo do sol, chuva… Mas insisto, não há experiência melhor.
Nessa época passamos por experiências que jamais imaginaria… como sempre, andávamos em pelo menos 3 pessoas para ter mais segurança e o trabalho render mais. Já andamos em círculos por um bom tempo e chegamos a achar que estávamos sendo seguidos (risos), já fomos seguidos de verdade, já fomos atacados por vespas depois de um longo dia de trabalho, já fomos infestados por centenas de carrapatos (normal), já presenciamos grandes felinos defendendo seu território… cada ida ao campo é uma história diferente que, no final, sempre conta como um grande aprendizado.
CIZ: Qual o maior desafio que já enfrentou na ciência até hoje?
Gustavo: Acredito que divulgar a ciência de forma responsável, levando o conhecimento acadêmico/científico para fora dos limites da universidade de forma acessível é um dos grandes desafios a serem superados. E como se não bastasse esses e outros tantos problemas, somos bombardeados diariamente por notícias falsas e, muitas vezes, descredibilizados. Por isso, considero de extrema importância a divulgação responsável e sistemática da ciência que fazemos.
CIZ: Teria um recado pros futuros biólogos e zoólogos?
Gustavo: Antes de qualquer coisa, seja ético e respeite todas as formas de vida, sejam elas quais forem. Não tenha vergonha em dizer que não sabe algo, pois todos nós temos pontos fracos e estamos em constante aprendizado. Estejam abertos a conhecer novas áreas e invistam no crescimento pessoal e profissional. Mesmo com todos os desafios e frustrações, devemos permanecer firmes e prontos para enfrentar, com muita criatividade, os obstáculos que aparecem. As formigas não retornam ao encontrar um obstáculo. Elas contornam ou passam por cima dele.