Texto por: Vinícius Delpenho
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O descaso com a fauna brasileira é, infelizmente, algo extremamente comum. Um dos mais recentes casos é o de uma onça negra, uma variação genética rara da onça-pintada (Pantera onca), que, após ser caçada e morta na reserva indígena Arariboia, tem seu corpo exibido como prêmio pelos caçadores em um vídeo postado na internet. O vídeo e a foto podem ser acessados neste blog (cenas podem ser impactantes para algumas pessoas).
Cada indivíduo do maior felino das américas vive em um território de aproximadamente 200 km2 (pouco menos da metade da área urbana de Juiz de Fora), o que por si só, já é uma ameaça, já que uma área tão ampla é muito difícil de ser encontrada com a vegetação e fauna nativa intactas, devido à imensa expansão humana. Atrelado à prática de caças ilegais, essa espécie acabou se tornando ameaçada de extinção. O problema aumenta ao considerarmos que espécies carnívoras de grande porte geralmente atuam como espécie-chave, servindo de controle populacional de grandes presas, sendo assim, sua perda tem impacto negativo para toda a teia alimentar (relações alimentares entre espécies de um ambiente).
O caso exemplifica que nem mesmo em reservas indígenas, onde se há o costume de preservar a vida, esses animais estão seguros. No vídeo em que o homem segura a onça abatida em seus braços, ele também fala: “Se não quiser morrer, não pisa na frente, não. Ele arrisca com um bicho desse aqui, imagine um guardião”. O termo “Guardião”, dito pelo homem, refere-se a grupos indígenas que buscam combater e expulsar grileiros de suas reservas. Isso nos mostra então, que, além de um caçador, esse homem é provavelmente um funcionário de grileiros, o que põe em risco não apenas a vida dos animais que vivem na região, mas também a dos povos indígenas.
Em cerca de 60 anos, estima-se que foram mortos pela caça um total de 13,9 milhões de mamíferos brasileiros, muitas vezes em decorrência do uso dos produtos desses animais para a venda, como por exemplo o couro para fabricação de roupas e acessórios. O homem que caçou e matou a onça foi preso não por isso, mas sim por ser pego em flagrante com porte ilegal de arma. A punição decorrente da caça foi apenas uma multa, o que indica a fragilidade do bem-estar desses animais. Sem medidas de punição e nem maneiras de prevenção adequadas, parece não haver muita esperança para o futuro de espécies ameaçadas.
Portanto, em meio a este cenário, a educação ambiental é de extrema importância desde os primeiros níveis básicos de ensino. Contudo, ela sozinha não é capaz de desbancar o lucrativo negócio da venda de produtos animais derivados da caça ilegal. Uma sociedade desmoralizada, com cidadãos passando fome, recorre aos mais diversos meios para que possa sobreviver, e a culpa passa a não ser exclusivamente daquele que cometeu o crime, mas também do governo que negligencia as necessidades do povo, e que acaba, assim, garantindo a sua própria falência.
Algo animador sobre isso é a repercussão tomada por essa notícia. Perceber o impacto dela sobre a sociedade nos mostra que existe, sim, algum lampejo de bom senso em nossa sociedade. O repúdio a esse ato criminoso revela que, com luta, podemos alterar o atual estado em que nos encontramos. Também traz uma grande esperança o crescente número de divulgadores científicos nas redes sociais, que são uma saída da desinformação. Por isso, abraçar causas protetoras do meio ambiente se mostra cada vez mais crucial.
Fontes bibliográficas:
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Lei de Crimes Ambientais – Lei 9605/98 | Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, Presidência da Republica. Jusbrasil. Disponível em: <https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/104091/lei-de-crimes-ambientais-lei-9605-98>. Acesso em: 26 Oct. 2021.
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