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CIZ entrevista: Dr. Fabiano Fernandes, autor do livro infantil “Mamíferos em Perigo!”

capamamiferosemperigoHoje nossa entrevista é com o Dr. Fabiano Fernandes, biólogo pela UERJ, mestre pelo Museu Nacional – UFRJ, doutor pela UFRGS, e com experiência pós-doutoral na Alemanha, USP e Fiocruz. No ano passado, lançou o livro infantil “Mamíferos em Perigo!”, com ilustrações de Luana Chinaglia, e fotos de Ana Lazar e Camila Lúcio. Conversamos sobre o processo de construção do livro, a importância da leitura, como o estudo com os tuco-tucos (mamíferos roedores com hábitos subterrâneos) e o nascimento de sua própria filha influenciaram em sua decisão de adentrar o mundo da literatura infantil, e muito mais!

A entrevista completa em vídeo pode ser vista AQUI, e abaixo você confere a transcrição.

 Clique na capa do livro e baixem o livro completo em PDF. Não deixe também de conferir nosso post no Instagram para deixar sua pergunta ou comentário!

 

 

 

 

 

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Renato: Fabiano, muito obrigado por se dispor a participar do nosso projeto. Gostaria de começar perguntando de onde que veio a ideia de escrever um livro voltado para as crianças sobre os mamíferos brasileiros ameaçados de extinção. Isso é muito interessante, por ser um livro que traz os mamíferos brasileiros, que muitas vezes são desconhecidos. Se isso surgiu desde que você começou a estudar os tuco-tucos, se você já tinha essa pulguinha atrás da orelha… Ou se surgiu agora depois do nascimento da sua filha. Conta pra gente!

 

Fabiano: Claro que o nascimento da minha filha foi fundamental para isso tudo. Mas podemos pensar lá do início, quando comecei a estudar Biologia. É um mundo à parte, você não consegue dialogar com as pessoas. A comunicação é muito difícil entre o meio acadêmico e a população de modo geral. Então eu sempre pensei como é que a gente pode fazer para as pessoas obterem informação. Acho que a divulgação científica é muito importante, por isso acho tão legal esse trabalho que vocês fazem.

A outra questão, aí já entrando no livro, é que mesmo minha filha bem pequenininha eu já ficava lendo e criando histórias para ela, com os bichos que eu estudei, com os lugares que eu fui. Até que um dia me dei conta de que não tem muita literatura para criança que conte sobre o Brasil, sobre os animais do Brasil. Mas um livro com um elefante, girafa ou um urso, isso aí encontra um monte. Então fiquei com essa curiosidade de saber como é que a gente pode contar para as crianças que tem um monte de bicho legal no Brasil. Tem um que conta sobre os animais ameaçados de extinção da lista vermelha. Aí eu fiquei pensando em uma forma da gente mostrar para as crianças alguns animais.

Eu falava pra Luana, que é a ilustradora, que muitas crianças só vão conhecer esses bichos pelos seus desenhos. Eles nunca vão ver esses bichos e dificilmente vão ter a oportunidade de procurar Peixe-Boi da Amazônia no YouTube. Então, essa é uma responsabilidade até grande que joguei pra ela. As crianças vão conhecer esses animais pelo seu traço. A gente pensou em mostrar um pouco do Brasil para a criançada e um pouquinho dos animais que tem aqui. Tão fofos e tão carismáticos, tão bacanas quanto tantos que tem pelo mundo. Além de também ter a oportunidade de falar sobre preservação do ambiente natural. Tudo colocado de uma maneira lúdica com um monte de informação não muito técnica. A ideia é jogar uma semente para as pessoas correrem atrás, principalmente para as crianças, mas também para os pais conhecerem e procurarem cada vez mais conhecer os mamíferos do Brasil. 

 

Larissa: Você conseguiu fazer aplicações e leituras do livro em algum evento?

 

fabiano e luana

O biólogo Fabiano Fernandes e sua filha Beatriz

Fabiano: Consegui e estou muito feliz com isso. Inicialmente, a ideia era só disponibilizar o livro para a maior quantidade de pessoas possível, mas naturalmente surgiu essa oportunidade em algumas escolas. Já tivemos a oportunidade de ter o livro lido por uma professora que mora no Rio Grande do Sul com a turma dela e foi muito legal porque as crianças fizeram um monte de desenho e mandaram para mim.

Mais perto, aqui em Juiz de fora, tem uma escola estadual, o Marianinho, bem conhecida na cidade. As professoras fizeram um evento (online) no Dia do Meio Ambiente e leram os livros. Tiveram mais de 100 crianças e foi muito legal ler pra eles. As crianças fizeram perguntas incríveis, começaram a relacionar os animais que conhecem com os que não existem aqui. E ficavam: ‘olha só! Não é a rena não, é o cervo do pantanal’.

Aí, foi chegando mais perto, com a turma da escola da minha filha em Juiz de Fora. As professoras leram para as turmas relacionando com o que elas estão aprendendo nas aulas: os animais, onde vivem, os ambientes onde vivem no Brasil… Foi muito legal, principalmente ver minha filha toda prosa com o “livro do papai”. Foi incrível! Tem sido muito legal, eu espero que a gente consiga jogar esse livro para muito mais gente para fazer leitura, de lugares diversos de leitura pelo Brasil. Aqui mesmo com o trabalho de vocês, acho que dá pra estabelecer possibilidades bem legais de aplicação. Uma coisa que ajudou muito neste período pandêmico, é que todo mundo tem acesso ao PDF, não precisa de entregar o livro físico. 

 

Pedro: Você teve alguma dificuldade em escolher os animais ameaçados para cada bioma? Pensou em quais seriam mais atrativos às crianças, ou foi algum outro critério? 

 

Fabiano: Sim, foi bem tranquilo fazer essa escolha. Como eu falei, a história surgiu quando fui contando histórias para minha filha, e em uma noite eu comecei a criar uma história. E pensei: como as crianças podem viajar o Brasil, conhecendo os diversos bichos e seus lugares? Então a Ararajuba foi o gancho pra isso, onde as crianças podem viajar “voando” com ela. Dessa forma, eu já fui pensando em cada bioma e seus respectivos animais. E como as crianças conhecem muito as girafas, elefantes e ursos, eu pensei em inserir no livro, mamíferos grandes do Brasil, mesmo não tendo tantas opções assim. Confesso que fiquei um pouco em dúvida quanto ao tatu-bola, pois já é um animal muito conhecido, mas mesmo assim resolvi mantê-lo, pois é muito carismático.

Ilustração do tuco-tuco, espécie descrita pelo autor do livro

Ilustração do tuco-tuco, espécie descrita pelo autor do livro

O primeiro critério que utilizei para escolher os animais, foi quanto à “fofura”. Eu pensei: quais seriam os mais atrativos para as crianças? Para representar os pampas eu deixei um pouco de lado o critério dos animais grandes e inclui uma espécie muito próxima de mim, que são os tuco-tucos, os quais eu estudei durante muito tempo. Então, além de contemplar todos os biomas, busquei contemplar também todos os ambientes, tendo assim animais de água doce, marinho, arbóreo, terrestre e subterrâneo.

A gente tem uma grande dificuldade de se comunicar com o grande público, e essa espécie de tuco-tuco que encontramos e descrevemos, nós já sabíamos que era uma espécie muito ameaçada. E como você vai explicar pras pessoas que tem um mamífero restrito a um local tão específico, correndo grande risco de extinção? Então, o livro surge como uma oportunidade de explicar isso para as pessoas fora do meio científico. Mas de maneira geral, os critérios surgiram de forma bem natural.

 

Pedro: Algum animal que você gostaria de ter colocado ficou de fora?

 

Fabiano: Eu quis evitar aqueles mais famosos, como onça e macaco, por exemplo, que todos conhecem. Então, não teve nenhum animal que eu gostaria de ter colocado no livro que acabou ficando de fora. Daria para explorar mais espécies, mas acabamos por optar por essas do livro, sem muita dificuldade.

 

Pedro: Você acha que o formato de livro ainda é uma ferramenta importante de conscientização do público infantil nestes tempos de redes sociais?

 

Fabiano:

Luana Chinaglia e Ana Lazar também participaram do livro

Luana Chinaglia e Ana Lazar também participaram do livro

É uma batalha dura, né? Conviver não só com as redes sociais e com todo esse meio tecnológico. A gente supõe que seja mais prático e atraente para as crianças pegar para jogar um joguinho de computador do que um livro. Mas vejo que não é bem assim: o que eu percebo é que as crianças que estão aprendendo a ler, gostam muito de leitura. Eu estou vivenciando bem este momento com minha filha e vejo nela uma grande satisfação em pegar um livro e conseguir ler.

O maior desafio que eu percebo em relação a isso é a falta de interesse dos pais em incentivar as crianças a ler. Sabemos que nem todo livro é acessível para a maioria das pessoas. Infelizmente faltam, em muitas cidades, boas bibliotecas públicas onde as crianças possam ir e passar uma tarde lendo livros. E esse inclusive foi um dos meus objetivos com o livro: contemplar uma parceria com uma rede nacional de bibliotecas comunitárias, que nos possibilitou enviar os livros para mais de cem bibliotecas por todo o Brasil. Então, o que eu acho é que as crianças gostam de ler, mas você precisa estimular isso nelas dando acesso à bons livros. Esse projeto é uma realização pessoal, pois consigo mostrar para as pessoas que a literatura é muito importante no processo de formação de um cidadão.

As redes sociais são como uma faca de dois gumes: há pontos negativos, mas por outro lado há também vantagens, já que este livro existe basicamente graças ao Instagram. Foi através dessa rede onde comecei a fazer o contato com as pessoas e serviu como uma ótima ferramenta de divulgação do livro. E com isso eu fui vendo que existia uma demanda: nesses tempos de pandemia, as pessoas ficaram mais predispostas a participar e ajudar. Fizemos um financiamento coletivo, que permitiu a distribuição de muitos livros de maneira independente. E funcionou! Eu gostaria de disponibilizar até mais livros, e tendo essa oportunidade que vocês estão dando de divulgação aqui no Instagram do CIZ, com certeza muitas outras pessoas terão acesso.

 

Renato: É interessante porque de fato a gente depende bastante das redes sociais. Quando o projeto surgiu, lá em 2019, eu tive a ideia de fazer o Instagram, mas com o intuito de mostrar nossas intervenções e não necessariamente produzir conteúdo de Zoologia. E logo em seguida veio a pandemia e a gente começou a produzir esses conteúdos e tivemos a ideia de fazer essas parcerias. Então, nós darmos alguma dica de livro ou fazermos entrevistas conversando com diferentes pessoas e divulgando o trabalho do outro, ajuda bastante.  Achei interessante quando você comentou que as crianças gostam muito que os pais leiam para elas. E é uma cultura que a gente vê muito no cinema norte-americano, que são os pais lendo para os filhos dormirem. Eu não tenho muita experiência com crianças, então não sei se essa é uma cultura de fato que há no Brasil. Mas essa é a principal diferença da rede social do tablet, quando é uma criança que não está em idade de leitura. Quando a criança vai para um joguinho ou uma rede social, ela está lá sozinha, e quando você faz essa atividade de leitura com a criança, já cria esse vínculo, essa conexão. Então o livro, na minha opinião, acaba tendo aspecto muito mais interativo.

 

Fabiano: Eu acho que tem mais um aspecto: o livro dá “trabalho”, pois a pessoa tem que pensar. Já os joguinhos nem sempre são assim, às vezes é algo automático. E muitos pais têm um pensamento comodista de não ler para os filhos pois desse modo irá tomar muito tempo e assim colocam um filme ou um joguinho na mão das crianças. Mas pras crianças é fundamental a leitura, pois as faz pensar. E o que eu vejo é que muitas crianças não pensam, só recebem essas informações de forma mecânica com alguns jogos e filmes. Então, quando se lê um livro, você cria a história na cabeça, é outro mecanismo que trabalha a mente. 

 

Renato: Sim, a pessoa que lê o livro, é ela quem dita o ritmo. Então ela pode ler uma página e pensar sobre aquilo, em alguma frase marcante. Em um programa de TV, por exemplo, quem dita o ritmo é de quem o criou. 

 

Larissa: O final do livro deixa uma expectativa de que virá um próximo livro sobre animais marinhos. Há possibilidades desse projeto acontecer ou há algum outro em andamento voltado ao público infantil?

 

Fabiano: Sim, o final do livro deixa uma ideia onde o indivíduo pode criar sua própria história ou buscar por mais conhecimentos. Tenho projetos e ideias, porém, colocá-los em prática é mais difícil. Mas já tenho uma história esboçada em minha mente sobre as maravilhas do mundo, por exemplo explorando cada um dos biomas. Escolhi os mamíferos neste primeiro momento pois foi um grupo de animais com que trabalhei durante anos, mas poderia ser explorado qualquer grupo de animais. O Parque da Lajinha, por exemplo, as pessoas frequentam e não se interessam por contemplar a quantidade de animais que existem por lá. Com a escrita do livro, compreendi que não é difícil escrever, porém, construir um livro sozinho, ou seja, fazer todos os passos desde o ato de escrever até a distribuição é complicado, mas é viável. Em primeiro lugar, torna-se necessário uma quantia em dinheiro e de fato era algo que eu não possuía, foi aí que veio a ideia de um financiamento coletivo. Em segundo lugar, necessita-se do dinheiro tanto para as impressões do livro como também para as ilustrações, sendo uma das partes mais importantes para a construção de um livro infantil.  Neste processo, destaco a importância da ilustradora Luana.

 

Renato: Você gostaria de mandar uma mensagem final, antes  do término da entrevista?

 

Fabiano: Leiam o livro! A literatura é importantíssima para fazer as crianças pensarem, sendo que é com as crianças que podemos ter alguma possibilidade de um futuro mais próspero. Precisamos formar crianças mais aptas e através da leitura podemos conseguir isso, pois a gente vai plantando sementinhas e  distribuindo o que a gente tem de informação para elas com a finalidade de que sejam capazes de transformar esses conhecimentos em algo extraordinário.