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CIZ Entrevista: Profa. Kênia Bícego (UNESP)

Na entrevista de hoje, trazemos a divulgação destes dois livros infanto-juvenis incríveis, escritos pela Profa. Dra. Kênia C. Bícego, da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Jaboticabal. “A história de Meri, uma tiú muito curiosa” e “O Complexo caso de Cururu Chin” são livros paradidáticos baseados em sua experiência na área de fisiologia térmica comparada. Para os que se interessem pela área de estudo, podem ainda acessar gratuitamente (AQUI) o livro digital ‘Fisiologia Térmica de Vertebrados’ organizado por Kênia Bícego e Luciane Gargaglioni.

 

Nós perguntamos sobre como surgiu a ideia, as colaborações envolvidas, e a importância de se levar o conhecimento adquirido na Universidade para a população, utilizando a linguagem correta, sempre aproveitando o melhor que cada um tem a oferecer.

 

Os livros infanto-juvenis podem ser baixados clicando em suas capas:

meri  cururuchin

 

A entrevista completa em vídeo pode ser assistida AQUI.

 

Utilize também nosso post do Instagram para deixar suas perguntas e comentários.

 

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Renato: Olá, pessoal, boa tarde. Meu nome é Renato, eu sou professor da UFJF e coordenador do projeto de extensão Coleção Itinerante de Zoologia. Hoje estamos aqui com a equipe do projeto, a Andreia, a Alice e a Hanna. Iremos fazer uma entrevista com uma convidada que é muito especial, que foi minha professora de graduação, a professora Kênia Cardoso Bícego, da área de fisiologia comparada e professora da UNESP de Jaboticabal. Hoje vamos conversar um pouco sobre os dois livros que ela acabou de lançar, livros infantis, que seriam “ O complexo caso de Cururu Chin” e “A história de Merí: uma tiú muito curiosa”.
Kênia, queríamos agradecer novamente sua disponibilidade em conceder esta entrevista, e queria pedir para você fazer uma apresentação sobre sua área de atuação e um pouco do que tratam os livros que você lançou. 

 

Kênia: Boa tarde, estou super feliz de estar aqui hoje, fiquei muito feliz com o convite do Renato e de conhecer a Andreia, Alice e Hanna. Essa ideia dos livros já vem há bastante tempo, tem dois ou três textos que eu escrevi há mais ou menos três anos. A ideia era conseguir patrocínio antes para ilustração, impressão, e para distribuir em escolas públicas. Vem de um anseio meu, já que aqui a gente trabalha com fisiologia comparada. Nosso laboratório agora tem um nome e logo, Laboratório de Fisiologia Térmica Integrativa, e nossa linha de estudo é sobre como os animais mantêm sua temperatura corporal e como eles lidam com os estresses ambientais que tendem a afetar essa temperatura corporal. Então, tanto animais endotérmicos, como aves e mamíferos, quanto os animais ectotérmicos, que são aqueles com uma influência direta da temperatura, os que estão nos livros, anfíbios e répteis. 

Nós sabemos da importância de toda essa pesquisa básica para entender os processos e como os animais funcionam, mas sempre senti falta de que esse conhecimento chegasse mais rápido nas pessoas que nunca ouviram falar desses processos. 

Com essa pandemia, eu fiquei em casa muito tempo. Com a aula remota, economizei bastante com combustível e decidi pagar a ilustração do primeiro livro (Merí). Ao mesmo tempo, uma aluna aqui da biologia, a Natália, super talentosa, me procurou para fazer estágio obrigatório, e fizemos o segundo livro (Cururu Chin).

 

Alice: Quais são as principais dificuldades em escrever livros infantis com conteúdo científico?

 

A ilustradora do livro de Merí, Semíramis Paterno

A ilustradora do livro de Merí, Semíramis Paterno

Kênia: Eu tenho essa vontade de escrever e surgem as idéias, e quem for ler vai ver que tem uma história fictícia por trás, com personagens, então não é um livro didático. A dificuldade é enorme com o tipo de abordagem, de não ser exato ou ter coisas erradas. Primeiro, eu tive que aprender a escrever os textos mais curtos, com a ajuda da minha ilustradora. Tive que cortar muita coisa, me senti na pele dos nossos orientados, tive que reduzir um texto de 11 páginas para 5 páginas. Quando a ilustração entra no texto, muda completamente a história, porque o texto ganha vida. Então, quando o livro estava pronto, ainda fiz mudança no texto, e também tive uma grande contribuição de colegas e amigos, para quem mandei o texto para ler antes, sendo estes o Fernando Gomes da USP de São Paulo, que trabalha com sapos, o Zé Eduardo de Carvalho da UNIFESP, a Cynthia Prado, também da UNESP Jaboticabal, e o Denis Andrade, da UNESP de Rio Claro. 

Para dar um exemplo, a gente tem uma figura da mãe tíu formando o ninho para botar os ovos, e é um comportamento que a gente observa mesmo, que é bem característico e só acontece em uma determinada fase do ano. A ilustradora não sabia nada de biologia, e eu não sei nada de ilustração, então a gente tentou interagir, e ela colocou um raminho na boca da tíu. Eu mandei para o Denis e ele disse que elas montavam o ninho, mas não pegavam com a boca e sim com as patinhas. O livro estava pronto e tivemos que arrumar. 

Tinha também a questão da hibernação, pois alguém tinha que explicar para a tíu sobre isso. Primeiro, eu tinha colocado uma amiga mais velha, a Ane, porém fui ler mais e algumas vezes ocorrem casos de canibalismo do mais velho com o mais novo, então tive que tirar. Com a mãe, nós temos poucos relatos de cuidado parental com o ovo e um pouco depois, uma ou duas semanas, há relatos de que a mãe fica com o filhote. Isso foi uma das coisas que arrisquei, coloquei a mãe explicando para a filha, sem explicar muito o tempo. 

 

Renato: Mas é interessante essa questão da mãe, foi algo que eu reparei quando estava lendo, mas é algo que é utilizado bastante. Esses tempos para trás, nós fizemos uma revisão de um filme que colocava o pai gambá cuidando dos filhotes, porém a gente sabe que não é o pai que cuida. Então, é normal utilizar esses conceitos para apresentar a história.

 

Kênia:  Fiquei nesse conflito, o quanto você entra em algo para informar, que não tenha uma linguagem muito técnica, mas também que não tenha erros.  

 

Alice: Como foi tornar esses conceitos que já são tão básicos para a gente em algo mais simples e mais didático?  

 

Kênia: Ainda estou esperando o retorno sobre os livros. Algumas mães já leram para seus filhos e notei que o texto é um pouco denso para crianças menores. Duas mães que não se conhecem, uma pesquisadora e outra não (com filhos na faixa etária de 10 anos) gostaram de como a conversa do livro acontece, dizendo que “meu filho perguntou a mesma coisa do sapo”. Acho que não é uma fase  para ter uma noção exata, mas para ouvir os termos e saber sobre os animais, suas estratégias e problemas, para que a realidade do animal fique mais próxima da pessoa. Também comecei a perceber que livros infanto-juvenis nacionais quase não possuem animais brasileiros, e sim animais de outros continentes, geralmente apenas mamíferos e aves. Um lagarto ou um sapo pode parecer esquisito, mas o livro ajuda a gerar empatia com esses animais.

 

Renato: É legal que você também fez a relação com a preservação do meio ambiente. No livro da Meri ela fala de como as estações foram alteradas pela ação humana. Achei interessante que você mostra como a fisiologia do animal pode ser também alterada.

 

Kênia: É um sonho meu que esses livros sirvam de material paradidático. E você tem a questão da sazonalidade: os lagartos teiús fazem hibernação no inverno e logo após esse período, se reproduzem. Os filhotes nascem em janeiro e logo depois aprendem a hibernar. Mostrar que isso acontece e que as estações têm se modificado – umas encurtadas e outras prolongadas -, dá uma ideia muito interessante de como esse animal pode mudar seu estilo de vida. Existe uma aversão e até medo dos animais, e um dos propósitos dos livros é mudar isso.

 

Andreia: Outro aspecto interessante é que temos acesso a esses animais, seja morando em cidade grande ou zona rural. Você falou de um lagarto e de um sapo que são comuns.. Existe outro animal sobre o qual você gostaria de falar?

A ilustradora do livro do Cururu Chin, Natália Azevedo.

A ilustradora do livro do Cururu Chin, Natália Azevedo.

 

Kênia:  Tenho um terceiro livro, sobre peixes pulmonados, mas ainda não está ilustrado. Espero conseguir fazer a ilustração em breve. Também tenho interesse em escrever sobre tucanos e sua fisiologia. O do Cururu e o da Meri falam sobre a questão metabólica. O peixe é um animal aquático, mas que respira por pulmões. O tucano faz trocas de calor com o bico. A ideia é usar a fauna brasileira, que tenham curiosidades onde se aplicam a fisiologia comparada. A base das ideias é a fisiologia.

 

Andreia: A escolha do lagarto e do sapo para serem os primeiros livros veio da sua pesquisa acadêmica?

 

Kênia: Com certeza! Ficamos anos no laboratório estudando esses organismos e sempre tive o desejo de que esse conhecimento chegasse para toda a população. Além disso, existe o receio de falar de animais dos quais eu não tenho muito conhecimento.

 

Hanna: Hoje em dia estudamos muito mais nos cursos de licenciatura sobre como implementar tecnologias e jogos na sala de aula, e você fez um livro, algo que já não estudamos mais para ser aplicado… Você acredita que as crianças ainda se sentem motivadas para estudar sendo um livro?

 

Kênia: É outra coisa que eu não sei se tenho a resposta… Na verdade, eu não pensei muito sobre isso, mas conversei com alguns colegas… 

Algumas pessoas para as quais a gente já divulgou esses livros infantis já perguntaram “Cadê o impresso?”; então, muitos adultos já perguntaram sobre isso – professores e pais. Acho que ainda temos um espaço para livros nesse caso. Algumas professoras para quem eu mandei falaram que tentaram usar o digital, mas que seria melhor o impresso, pela interação durante as aulas presenciais. E outra preocupação minha era que a tecnologia está mudando muito rápido, as ferramentas estão mudando, mas o conceito da história não muda, a não ser que mude o conceito de estivação ou algo assim. Mas, na história, a essência da personagem não muda ao longo do tempo. Algo que eu queria era instigar a imaginação da criança, que é uma preocupação que eu tenho visto de alguns educadores sobre todas essas tecnologias que a gente tem hoje, porque é tudo muito pronto e a criança não tem muito espaço pra imaginar, e a imaginação é algo muito importante pra você no futuro lidar com resolução de problemas. Porque se tudo chega pronto, você chega com maior dificuldade depois, quando surge um problema, para lidar com isso. 

Então não acredito que seja obsoleta a questão do livro, tanto que o próximo passo é conseguir patrocínio para impressão desses livros para serem mandados para escolas. Estava inclusive atrás de alguns orçamentos. Se alguém, depois ver o vídeo, alguma empresa, patrocinadora, se encantar com a ideia, peço que entre em contato! Porque a ideia é ser distribuído nas escolas públicas, como material paradidático.

 

Hanna: Como a gente já falou, existem conceitos muito interessantes no livro, que são trabalhados em diferentes anos escolares. E você já pensou em alguma ideia de atividades para serem feitas com o livro? Alguma sugestão para os professores.

 

Kênia: Essa parte eu vou deixar pros professores do ensino básico (risos). Porque eu acho que é quem tem a experiência com sala de aula com essa idade que vai ter uma visão maior. O que, da minha parte, eu tenho disposição, e algo que me traria uma satisfação seria poder discutir o texto e os conceitos, ou até discussões com os professores. Mas na hora de aplicar, tem que ser quem tem experiência, e eu não tenho (risos).

 

Hanna: Uma coisa que eu achei interessante no final é que tem essa parte científica explicando sobre o animal, então tem a história lúdica, mas no final também há os conceitos reais. Então dá pra aplicar em todos os anos sem perda de conteúdo.

 

Lagarto teiú, também chamado de tiú ou lagartiú (foto retirada do livro de Merí).

Lagarto teiú, também chamado de tiú ou lagartiú (foto retirada do livro de Merí).

Kênia: O que eu quis muito mostrar é que esse tipo de conhecimento não surge do nada, por mais óbvio que pareça para quem está dentro da universidade, não é óbvio pra todo mundo. Onde surge esse conhecimento? No Brasil, surge dentro das instituições de ensino e pesquisa, ou seja, geralmente nas universidades públicas. Então esse também é o objetivo deste livro, mostrar que aquele conhecimento saiu de uma instituição que é mantida pelo imposto das pessoas. É uma forma de mostrar para as pessoas o que está sendo feito com esse dinheiro. 

 

Hanna: Eu tinha pensado em uma ideia de atividade que seria um trabalho conjunto de mostra do livro, com sua leitura, e da apresentação da coleção da CIZ, mostrando os animais em exposição, podendo observar os detalhes e comparar o que haviam imaginado com a realidade. Então seria bem interessante se pudéssemos fazer mesmo!

 

Renato: De fato, o nosso projeto mexe muito com os espécimes da coleção. Ele surgiu porque havia muitos espécimes iguais na coleção didática e eu tive a ideia de fazer um exclusivo para extensão, que seriam exclusivos para levar pra eventos; porque o principal é realmente usar o máximo que conseguir, e não preservar indefinidamente, já que o objetivo da coleção didática e principalmente científica é mesmo cuidar do espécime, enquanto o nosso objetivo é levar pras pessoas, mesmo gerando um desgaste. E uma outra parte que a gente também precisa desenvolver é a de infográficos e material textual, que a gente não tem ainda. Começamos pensando na coleção e tivemos que parar por causa da pandemia, então a passamos a produzir conteúdo, só que digital. Então é muito bom e importante essa parte da colaboração. A gente vê que você teve essa ideia a partir do seu conhecimento científico, para lançar algo com uma certa transposição didática, e que a gente não consegue mesmo fazer todos os processos, do começo ao fim, mas é importante sua disponibilização em auxiliar os professores para eles utilizarem a sua gama de conhecimento para fazerem a aplicação. Não estamos no momento mais propício em questões de financiamentos, mas podemos criar um cenário colaborativo, então acho que esse tipo de texto ajuda bastante inclusive pro nosso projeto. E é essencial que seja um livro mesmo, porque a gente consegue levá-lo e mostrar pros alunos, e nos eventos, levando o livro para além da escola. Então, quando a gente junta todas essas iniciativas, a gente cria um corpo de trabalho muito mais robusto para tentar cada um um pouquinho. A gente vê muito disso com divulgação científica, que é muito importante, mas não é obrigação imediata nossa fazer, mas sim fazer o máximo que a gente puder, e conseguir colaborar com uma pessoa especializada, que, aí sim, vai fazer isso de uma forma excepcional. Gostei bastante também por causa disso. Eu adorei os livros, relembrei dos conceitos, porque você tem razão quando fala que às vezes a gente também deixa esses conceitos passarem. Espero que você consiga financiamento para as impressões. Mas a gente vai conseguir imprimir pelo menos um de cada pra levarmos junto com a coleção. 

 

Sapo cururu (foto retirada do livro de Cururu Chin)

Sapo cururu (foto retirada do livro de Cururu Chin)

Kênia: Eu acho que essa parte que você falou é muito importante, porque a gente não tem capacidade de fazer tudo. A gente tem que ter colaborações, cada um é uma peça, não adianta a gente querer abraçar o mundo, porque não vamos conseguir. Cada um tem seu potencial, e se a gente dá abertura para a pessoa mostrar, o resultado é muito melhor. Gostei muito do projeto!

Faltou apenas uma coisa que eu queria falar sobre o livro, que é a diversidade, mas não só a animal e a relação com o ambiente, mas também com a diversidade de comportamentos humanos. Por exemplo, a Meri tem o medo, e mostrar pra criança que o medo é normal, é muito importante. O Cururu Chin fica com inveja, então mostra que não existe melhor e pior, tendo uma lição. Então acho uma questão muito importante para se discutir com o livro. 

Eu tenho realmente muitas pessoas importantes que estão envolvidas no projeto. Gostaria de finalizar deixando meu agradecimento a todos!