No “CIZ Entrevista” de hoje, conversamos com a Profa. Dra. Tamí Mott, do Laboratório de Biologia Integrativa da Universidade Federal de Alagoas, que coordena o projeto de extensão e inovação tecnológica “Mitos e Verdades Sobre Serpentes”.
Confira a transcrição dos principais pontos da entrevista abaixo, e não deixe de ver a entrevista de vídeo completa! Aproveite para deixar seu comentário / sugestão / pergunta / curtida também no nosso post do Instagram!
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Renato: Olá a todos! Eu sou o professor Renato, estou com minha equipe, a Hanna e a Andreia (Alice não pôde estar presente), e a nossa convidada, a professora Tamí Mott da Universidade Federal de Alagoas. Ela tem um projeto muito legal sobre os mitos e verdades das serpentes. Se você puder, Tamí, fazer uma abertura e explicar seu projeto.
Tamí: É uma honra poder estar aqui falando de uma temática tão interessante, que são as serpentes. Agradeço muito o convite, e estou me sentindo bem lisonjeada por poder compartilhar um pouquinho desse projeto que a gente vem tocando há três anos, “Mitos e Verdades sobre Serpentes”. Esse projeto de extensão começou com uma demanda da Universidade Federal de Alagoas porque no núcleo de desenvolvimento infantil, onde tem as crianças dos servidores e da comunidade, começou a ter muitas corais e, a princípio, chamaram alguns órgãos ambientais que é o indicado para fazer a remoção adequada com segurança. Mas como na universidade eles me conheciam e eu podia socorrer caso encontrassem alguma serpente, a reitora me convidou para conversar com os docentes e os pais nesse núcleo, para explicar como eles deveriam lidar com as corais do local. Foi bacana porque essa situação plantou uma sementinha em mim e na minha equipe para fazer um projeto e desmitificar. A princípio, o que era um projeto de extensão, se ampliou em um projeto de inovação tecnológica, porque com o pessoal mais novo eles trouxeram essa inovação, e a gente começou a fazer moldes das serpentes para melhor expor ao público, e há três anos a gente vem desenvolvendo esse projeto.
A gente passou 1 ano estudando, adquirimos uma biblioteca sobre serpentes, porque percebemos que a maioria dos mitos estão relacionados a alguma característica biológica da espécie. As pessoas apresentam os mitos e a gente busca mostrar cientificamente em uma linguagem acessível de onde surgiu aquele mito, e o porque é um mito e não uma verdade.
Nas palestras a gente fala sobre alguns mitos, estamos aprendendo muito também com essas palestras, as pessoas apresentam muitos mitos novos para nós. A gente vai desde escolas estaduais, municipais até escolas particulares, condomínios, onde me chamam para dar orientação. Nós estamos abertos a solicitações, temos um cronograma que a gente segue sobre as palestras que vamos executar. Com a pandemia, as coisas tomaram um rumo um pouco diferente, e ao invés de ministrar palestras fisicamente, a gente foi elaborando cartilhas, algumas palestras no YouTube, para poder continuar com esse bate-papo com a população.
Renato: Tamí, quais são os principais desafios da educação ambiental ligada a serpentes quando se têm um público diverso, com faixas etárias diferentes e conhecimentos diferentes acerca desse animais?
Tamí: Excelente pergunta! A diversidade é sempre bem vinda, e com certeza a diversidade de público pode enriquecer ainda mais a conversa sobre as serpentes! Nossos avós, por exemplo, viviam geralmente na zona rural e tinham muito mais contato com a natureza e com os animais, e com certeza viram muito mais serpentes que a nossa geração, que geralmente vive na cidade, rodeada de concreto e pouca natureza. Quando perguntamos quantas pessoas já viram uma serpente na natureza, geralmente são os adultos que relatam suas experiências, ou os jovens que compartilham o que os avós relataram para eles. Essa migração do campo para a cidade fez com que nossa geração tenha muito menos contato com as serpentes em seu ambiente natural. Nossa geração tem muito mais contato com as serpentes através de informações apresentadas na internet, nas redes sociais, e nossos antepassados tinham muito mais experiência in loco. Então, quando temos esta diversidade no nosso público, aproveitamos muito esta oportunidade dos adultos apresentarem suas vivências e crenças! Sinto que os jovens tem bastante curiosidade sobre as serpentes e os adultos geralmente têm pavor delas. Quando apresentamos moldes de porcelana fria (biscuit) de serpentes, por exemplo, os participantes podem manusear, pois a maioria dos participantes não quer tocar nas serpentes que levamos, fixadas no álcool. Adoramos a diversidade de público, pois aprendemos muito com as pessoas nessas “rodas de conversa”.
Renato: Interessante que você falou que as pessoas não querem tocar nas serpentes com álcool, porque a nossa breve experiência com a Coleção Itinerante de Zoologia mostrou que não, não sei se é por causa da diferença de público, mas muitos querem tocar nas serpentes de todo o jeito, no sapo, nos bichos que a gente leva, então tem essa diferença aqui. Às vezes é cultural mesmo, cada região do Brasil mostra diferentes desejos das pessoas. Essa questão do modelo é muito legal, muito interessante para todo mundo ter acesso, porque é totalmente seguro!
Tamí: É bem bacana que nessa pandemia houve várias lives de como fazer modelos de forma mais acessível, porque, se a gente parar para pensar, a porcelana fria é um item razoavelmente barato, mas não é tão barato. Então, com essas lives, os alunos aprenderam outras alternativas e outros ingredientes que são mais acessíveis e que permitem que as escolas e outras pessoas possam fazer em casa.
Geralmente as crianças têm mais interesse de tocar, e se fosse tocar teria que ser com luva, mas no nosso projeto de extensão não temos esse recurso. Assim, deixamos as serpentes em um vidro, pois geralmente as serpentes peçonhentas, mesmo já fixadas, ainda podem apresentar risco. Como lidamos com crianças desde o ensino infantil (a gente já palestrou para crianças de 5 anos até senhores de 60 anos), para garantir a segurança de todos, nós não retiramos os indivíduos do pote. A gente não tem animais vivos, então não teria como pegar e sentir a textura, sente pelos moldes, mas não ao vivo.
Renato: O grupo já percebeu uma melhora na visão da população atendida quanto a visão quase totalmente negativa sobre serpentes e seu papel na biodiversidade?
Tamí: Acho que esta caminhada é longa, e estamos ainda engatinhando. Nosso projeto foi iniciado há 3 anos. Nossas palestras sobre mitos e verdades sobre serpentes são proferidas principalmente nas escolas de ensino médio, e percebemos que a maioria das pessoas não tem ideia da importância das serpentes para o ambiente e para si mesmo! Quando comentamos sobre o remédio para hipertensão arterial que é produzido a partir do veneno da jararaca, e comentamos que as jararacas se alimentam de roedores que podem ser pragas urbanas, acredito que as pessoas passam a refletir mais. E certamente esta informação é compartilhada com os familiares, com os vizinhos e assim esperamos contribuir para a conservação das serpentes. Mas temos consciência de que o caminho é longo.
Renato: Vocês usam algumas estratégias, como formulários de opinião, por exemplo? É algo que tentamos implementar na Coleção Itinerante de Zoologia.
Tamí: Estamos sim trabalhando com formulário, eu acreditava que era uma pesquisa de opinião pública porque não é nominal, as pessoas não se identificam, mas eu conversei no conselho de ética e pesquisa e eu fui orientada a submeter meu projeto no conselho de ética. Como lidamos com bichos e ainda não estávamos familiarizados em lidar com pessoas, estamos no processo de melhorar esse formulário para ser encaminhado para a população.
A nossa experiência é nas escolas, em que fazemos um jogo: nós vamos para sala de informática, então dividimos os grupos e colocamos 5 perguntas fáceis, como “O formato da cabeça determina se uma serpente é peçonhenta?” “Todas as serpentes são peçonhentas?” porque muitas pessoas acreditam que 100% das serpentes são peçonhentas.
Então colocamos as 5 perguntas, as pessoas respondem, e fazemos o bate- papo. Depois colocamos as mesmas perguntas de uma maneira mais elaborada. Isso é bacana, no começo as pessoas que achavam que 100% das serpentes eram peçonhentas, depois elas aprendem que de fato não. Nós insistimos muito na tecla da importância das espécies para o ambiente e para si mesmo, então eu acho que eles começam a perceber que todos os grupos taxonômicos fazem parte deste grande planeta que a gente vive e que deve ser respeitado da mesma maneira que todos os grupos.
Aqui no condomínio que eu vivo, consigo ver uma grande mudança de comportamento principalmente nos condomínios. Eu moro nesse espaço faz 8 anos. No início, eles matavam e não faziam o aproveitamento científico das serpentes, e é uma área de chácaras, então o encontro com as serpentes é muito comum. Eu palestrei algumas vezes com os condôminos, conversando sobre as espécies, e pedi o registro e aproveitamento científico para, caso encontrassem uma serpente, a gente iria guardar. Então começaram a trazer aqui em casa as serpentes e fizemos uma coleção do condomínio e hoje temos 17 espécies registradas na região onde a gente mora, e as pessoas agora sabem quais serpentes não tem perigo, e algumas crianças até observam seu comportamento. Como nós temos esses registros no condomínio, temos até um banner sobre as mais abundantes e meses das atividades das espécies. Aqui consigo ver mudanças em alguns condôminos, porém acho que se a gente consegue alcançar essa sementinha em uma parte, a gente já vai contribuindo, pois essa parte vai alcançar a outra parte e com isso a gente espera que no futuro próximo vamos conseguir ter um maior respeito com esse grupo taxonômico.
Hanna: Eu dei uma olhada na cartilha do seu projeto que tem no site, e fala como essa peçonha não é somente negativa, que tem como fazer remédio, até o soro que é o antídoto, então é muito legal ter isso, pois as pessoas acham que a peçonha só é prejudicial, e na verdade as vezes tem até benefícios, pode fazer até remédio de hipertensão. É bem interessante passar isso para o público, porque as pessoas nem sabem que pode ser feito algo positivo que para gente é tão negativo.
Tamí: Excelente ponto, Hanna, porque as pessoas não tem ideia do quanto mais a gente precisa aprender sobre a toxina que as serpentes produzem. Hoje é um ramo de biofármacos que está em ascensão, está crescendo, mas, com a biodiversidade que temos no país, tem muita coisa para a gente aprender, e tem muito potencial que está sendo subestimado e não está sendo aproveitado em sua totalidade. Então é legal isso que você comentou, pois tem remédio que é muito comum, que meu pai e minha mãe, minha irmã, todos tomam remédio para pressão alta, e quando eu comento que é extraído, produzido a partir do veneno da jararaca, todo mundo começa a sentir exatamente o que pode ser benéfico. Também tem vários da cascavel que são utilizados para fazer cosméticos, então eu acho que é um ramo que só tende a ser melhorado.
Renato: Uma coisa que eu penso, Tamí: você falou que a gente vai tentando plantar essa sementinha, e eu penso que plantar essa semente em uma criança é muito mais fácil do que em um adulto. Os adultos já têm suas próprias opiniões. Mas algo que eu pensei, inclusive agora, é que nas crianças é mais fácil plantar essa sementinha se a gente fala sobre os comportamentos, sobres aspectos interessantes da biologia, e para os adultos talvez a melhor estratégia seja realmente falar os benefícios para o ser humano. Então temos que falar as duas coisas, tanto o quanto temos que respeitar esse animal para encantar as crianças, e os adultos a gente pode enfocar nos benefícios. É claro que a gente vai tentar encantar os adultos, mas infelizmente acaba sendo mais difícil, principalmente porque às vezes eles apresentam essa experiência negativa, de algum parente que foi picado. Não sei se você concorda, o que você acha disso?
Tamí: Excelente ponto, Renato, eu não tinha categorizado até então, mas com certeza. Quando conversamos com as crianças elas são as mais entusiasmadas em aprender e hoje em dia a gente vê desde bichinhos de pelúcias em formato de serpentes, alguns animais que até são heróis, a serpente agora não é só vista como a traidora, a malvada, então temos algumas mudanças nessa apresentação das serpentes, o que tem atingido bastante os jovens. Eu acredito que a sementinha é com eles mesmo que a gente vai crescer essa nova cultura de respeito a todos os grupos. Com certeza as crianças levam para os pais, para os vizinhos, os primos e assim a gente tem um alcance bem maior.
Hanna: Eu tenho uma dúvida. Nós sempre categorizamos pensando na idade, crianças, adultos e idosos, pela vivência mesmo e as abundâncias da urbanização, mas eu estava pensando sobre classes sociais; por exemplo, uma escola pública ou uma escola particular, pois são pessoas diferentes, talvez uma criança de escola pública tenham avós que tem mais história sobre as serpentes e as crianças de escola particular, talvez por serem mais urbanas, não tenham a oportunidade de conhecer lugares onde esses animais são mais frequentemente encontrados. Assim, a mentalidade dessas crianças acabam sendo mais diferentes. Você vê alguma diferença nas palestras?
Tamí: Esse é um dos testes que nós gostaríamos de oficialmente quantificar. Aqui em Alagoas, a fonte de renda principal é a pesca e turismo, então a gente conversa com muitos alunos que são filhos de pescadores, e quem vai em uma lagoa ou rio pescar, a probabilidade de encontrar uma serpente é muito maior do que uma criança que mora por exemplo em um prédio, e vai se divertir em um shopping. Nós percebemos a diferença mas ainda não quantificamos. As pessoas que têm mais vivência são as que compartilham mais o contato com a natureza, que têm os pais pescadores, do que quem tem os pais que moram já em apartamento.
Vamos ver, aqui, quem de vocês já viu uma serpente na natureza?
Hanna: Nunca vi.
Andreia: Eu já vi, meus pais moram em uma chácara, já encontramos cascavel embaixo da geladeira, já encontramos serpenteando na rua… Vira aquele escândalo no bairro inteiro: pessoas tentando matar, eu tentando apartar pois não vejo o porquê matar se o animal fugiu, mas acontece. Onde eu nasci em São Paulo, teve só um aparecimento de uma jararaca, e foi um pânico total, ninguém soube como reagir, é bem diferente.
Renato: Eu gosto muito de serpentes, são animais incríveis! Mas eu trabalho com comportamento de anfíbios, e às vezes eu tenho que entrar dentro do riacho porque o bicho está escondido, aí não é interessante ter uma serpente por causa de um acidente. Mas eu filtro isso, porque eu estou no ambiente delas. Quem trabalha com sapo geralmente encontra serpente porque a gente não quer encontrar serpente durante o campo, aquela ironia do destino. Eu mesmo tenho um mito, que talvez você possa me desvendar, mas dizem que para cada serpente que você vê, tem provavelmente dez que você não vê.
Eu já vi sim algumas vezes serpentes, não foram tantas assim, mas sempre acabo me sentindo bastante emocionado.
Tamí: Renato, você tocou em dois pontos que eu acho muito importante deixar registrados. Um é a necessidade de equipamento de proteção individual, já que acidentes acontecem principalmente com trabalhadores rurais porque eles estão sem botas, sem luvas. Aqui onde eu moro, por exemplo, tivemos 3 acidentes com jararaca. Eles estavam sem a luva, que é de uso obrigatório, mas que no momento eles não usaram, e nós não vemos os animais pois eles são extremamente camuflados. É raro encontrar esses animais na natureza, porque são animais solitários. Só na época reprodutiva, por exemplo, podemos ver machos de cascavel em combate. Eu, em todo meu trabalho, algumas décadas que a gente vai para campo, eu só vi uma vez duas serpentes juntas.
O outro ponto, Renato, é que geralmente a época reprodutiva das serpentes está associada a disponibilidade das suas presas. Por exemplo, as jararacas podem se alimentar de anfíbios e são vivíparas (não botam ovos). A época mais comum de ocorrer o nascimento da sua prole é a época que começam as chuvas, porque terá muitos anfíbios entrando na época reprodutiva, e eles se aglomeram nesses corpos d’água para se beneficiar da fartura de alimentos. Então, durante a época reprodutiva dos anfíbios, elas também iniciam a sua fase reprodutiva e quase 50% das nossas espécies se alimentam de anfíbios. Quem trabalha com anfíbios acaba vendo as serpentes por acaso, porque elas estão no mesmo lugar que os pesquisadores que estão observando e registrando o comportamento de anfíbios.
Serpentes picam, acidentes acontecem, quando a gente não vê a serpente porque ela está camuflada ou quando tentamos manusear sem segurança, sem os equipamentos de proteção individual.
Acho que a mensagem importante é: nem todas são peçonhentas, são importantíssimas para o ambiente e, se você encontrou uma serpente, agradeça, porque você foi um felizardo nessa experiência.
Hanna: Agora que estamos em quarentena, as pessoas estão procurando mais a natureza para conseguir se encontrar com os amigos, se divertir, já que no espaço urbano gera aglomeração. Houve até um acidente com uma médica que foi picada por uma espécie que nem era aquática, então é bom a gente saber o que podemos encontrar neste ambiente, porque pode ocorrer um acidente inesperado.
Tamí: De fato, Hanna, esse acidente foi um caso raríssimo de acontecer. Primeiro que uma jararaca que foi a espécie, caiu do topo de uma cachoeira em cima do colete dela, então a primeira picada da médica foi no queixo, o que é raríssimo porque geralmente é nos membros, nas mãos ou nas pernas. A jararaca entrou dentro do colete, e, quando a médica foi tentar retirar, levou outra picada na mão. Então é para evitar cachoeira? Não pode ir mais? Não é isso, é importante a gente perceber que os animais vivem nos ambientes naturais, quando nós vamos nesses ambientes estamos convivendo com estes animais, que estão camuflados.
Andreia: Eu tenho uma pergunta: Você falou que o encontro é bem difícil, mas pelo o que eu tenho experiência no campus da UFJF principal, eu já vi duas vezes. Eu não tenho um conhecimento muito amplo, mas já vi que alguns animais apresentam uma escala de agressividade, eles apresentam muitos comportamentos antes da picada ocorrer, você pode falar um pouco mais sobre isso?
Tamí: Excelente a pergunta, Andreia, eu não conheço o campus de vocês, qual área é o campus?
Renato: Mata Atlântica.
Tamí: Tem alguma área preservada no câmpus?
Renato: Pelo que sei, aqui nós temos um lago com alguma mata, e na Educação Física tem um pouco de mata também.
Tamí: Já tem algum levantamento de anfíbios e répteis da universidade?
Renato: De anfíbios tem, e tem o artigo de répteis de Juiz de Fora. Temos coleções de anfíbios e répteis aqui com seus registros, mas não foi um estudo direcionado ao campus.
Hanna: Conheço uma aluna que está contabilizando as serpentes, e registrando para mostrar quais são peçonhentas ou não aqui na região.
Tamí: Acho que vale super a pena esse projeto para o câmpus, para a comunidade em volta também saber o que tem na área, e o quanto é importante esse fragmento da universidade para biodiversidade.
Geralmente as pessoas acham que as serpentes encaram, que elas olham com a cara brava. Isso porque elas não piscam, pois elas tem uma escama transparente no olho, então você nunca vai ver a serpente de olho fechado. Então, o que acontece é que algumas serpentes, sim, dão o bote, mas tem outras que utilizam outras estratégias de defesa. Por exemplo, tem algumas que triangulam a cabeça, outras abrem a boca e ficam olhando para você, te acompanhando, algumas pegam a cauda e ficam chicoteando. Outras fazem uma descarga cloacal, que é um “pum” fedorento, e quando se sente ameaçada libera esse feromônio para tentar afastar o seu predador. Também temos danças, que a gente chama de movimentos erráticos, outras escondem a cabeça. Então, existem diversas estratégias de defesa para a serpente, depende mesmo da espécie.
Andreia: O tráfico de animais silvestres ganhou destaque na mídia por conta de uma cobra naja que picou um estudante, e que logo depois revelou um esquema de tráfico ilegal envolvendo outras serpentes. Algumas pessoas ficaram ainda mais com medo de cobras após o ocorrido, mas outras desenvolveram um interesse em aprender mais sobre esses animais. Como abordar casos de picadas como esse e garantir que as pessoas recebam as informações corretas, e não só fiquem com mais medo ainda desses animais? Como a educação ambiental pode conscientizar a população sobre o tráfico?
Tamí: Como garantir que as pessoas recebam as informações corretas é um grande desafio nos dias atuais, haja vista as crescentes informações equivocadas (não científicas) que invadem os canais digitais. É sempre importante verificar se o vídeo ou o canal tem respaldo científico. Mas com certeza é muitíssimo importante reforçar a importância das serpentes para o ambiente e o ser humano, e relembrar que a serpente pica a pessoa para se defender, e não para atacar e comer a pessoa! Acidentes com serpentes na natureza acontecem geralmente pois a pessoa não viu a cobra. Estudos relatam que a maioria das vítimas de acidente com serpente são do sexo masculino e a picada acontece durante o trabalho. A falta de equipamento de proteção individual é um fato que favorece os acidentes. De fato, a maioria dos acidentes com serpentes no Brasil são provocados por jararacas. Temos mais de 30 espécies em todo o país e geralmente estes animais estão camuflados no ambiente e acidentes acontecem pois a pessoa não a viu e acaba esbarrando na cobra.
O caso da naja é diferente, pois ela estava em um espaço confinado. Imagina o estresse do indivíduo que foi transportado ilegalmente (provavelmente em condições estressantes) e mantido em condições precárias. A iniciativa federal de entrega voluntária sem punição, ou o registro das espécies mantidas em cativeiro, ao meu ver, irá revelar o quanto esta conduta tem sido realizada sem o controle ambiental.
Na minha opinião, compartilhar o conhecimento científico é o caminho para desmistificar este grupo taxonômico e ajudar na sua conservação. Mostrar que o tráfico de animais é crime e que a pessoa pode ficar presa além de levar multa são os recursos que ao meu ver são necessários. No nosso projeto, por exemplo, desenvolvemos cartilhas, folders de divulgação sobre as serpentes.
Renato: Tamí, gostaríamos de agradecer profundamente, e fechar a entrevista com um fator importantíssimo. Nem sempre a extensão universitária é bem vista, e geralmente ela não tem tanto apoio igual a pesquisa. Como a extensão depende da pesquisa, e a pesquisa também depende da extensão, eu acho que deveria ser algo mais equilibrado. O que você pensa sobre isso?
Tamí: Renato, eu vejo uma mudança bem bacana a respeito da ciência cidadã. Eu acho que essa pegada da população ser muito mais participativa do conhecimento científico vai dar muito certo, a gente já vê bastante resultado, não com meu projeto específico de serpentes, mas com outros projetos de outros laboratórios de outras instituições.
Aqui a universidade fez uma chamada, com duas alunas de graduação que tem essa bolsa, que chama de “universidade popular”. Eles chamaram algumas associações locais, criaram um fórum para ver as demandas da comunidade, então a universidade tenta atender a demanda da sociedade.
Duas alunas minhas estão vinculadas em uma ONG que chama “Viva Mundau”. Aqui nós temos uma lagoa, que tem os pescadores locais, e ao redor dessa lagoa tem uma área grande de proteção. A ONG mostrou a necessidade de ter um trabalho de educação ambiental com aquela comunidade, então vinculamos esse projeto de mitos e serpentes com a ONG, e tem sido muito bacana! É um projeto que teve uma demanda da sociedade, da mesma forma que nosso projeto de serpentes iniciou com a demanda da reitoria.
Na verdade, esse tripé da universidade pública, de ensino, extensão e pesquisa, ele não é totalmente balanceado, e nós vemos muito mais prestígio nas publicações de artigo científico de pesquisa. Agora que eu tenho mergulhado na leitura de projetos de extensão, tenho visto ótimas revistas com ótimas abordagens. A gente está tentando trazer mais dados quantitativos para contribuir mais com a extensão, porque o que a gente tem visto aqui é que muitos docentes que trabalham com extensão trabalham muito duramente, mas não divulgam esses resultados nas revistas. Então a gente vai está tentando mostrar nossos resultados, não só em congressos locais mas também em revistas científicas renomadas, para contribuir com essa interface entre pesquisa e extensão.