Fechar menu lateral

Direitos autorais e ciberespaço

Estariam os direitos autorais em perigo com a popularização da internet? A edição 18 do Vamos Ler! traz uma super entrevista com o professor Lucas Costa dos Anjos, do Departamento de Direito da UFJF GV, sobre esse importante assunto. Você tem interesse pelo tema? Confira o nosso bate-papo:

 

VL: A legislação ainda mais utilizada como base para a proteção dos direitos autorais é a Convenção de Berna, de 1886. Quase um século e meio depois, ainda é possível compreender como importante os direitos autorais para artistas e intelectuais? E o quanto é benéfico, para o consumidor, essa proteção às obras?

Dos Anjos: Por mais que a forma de consumo de obras autorais tenha se alterado e se desenvolvido muito, especialmente por meio da internet, não há como dizer que a Convenção de Berna não tem utilidade. Ela mais ou menos uniformizou o tratamento de direitos autorais em diferentes jurisdições, contribuindo muito para a redução da pirataria e a remuneração mais justa para criadores de obras autorais. Existe um argumento bastante presente nos direitos de propriedade intelectual, não apenas nos direitos autorais, de que esse direito de exclusividade (da patente, da marca, dos direitos de autor) funcionam como um incentivo à continuidade das atividades inventivas, criativas e artísticas. Acho que grande parte da motivação da Convenção diz respeito a essa tentativa de remunerar pessoas que se dedicam a criar obras inovadoras, interessantes, revolucionárias nos mais diversos campos. Isso é bom para a sociedade, porque garante que os artistas do passado, do presente e do futuro possam contar com uma retribuição pelas contribuições artísticas que dão ao mundo.

VL: Apesar do avanço da internet, que acaba agilizando o acesso a documentos e obras, no Brasil ainda utilizamos o critério de 70 anos para permitir que uma obra artística entre em domínio público. Levando em consideração os novos tempos, sete décadas é um período longo para esse acesso? Por qual motivo nossa legislação ainda não mudou?

Dos Anjos: Inicialmente, é importante ressaltar que, por força do Direito Internacional e da Convenção de Berna, o Brasil tem que proteger por pelo menos 50 anos esse direito de exclusividade à exploração de uma obra artística. Ou seja, 70 nos após a morte do autor não é tão diferente dos 50 internacionalmente exigidos. No entanto, pessoalmente, eu concordo com o argumento de que o tempo de proteção excessivo, seja ele de 50 ou de 70 anos. A Convenção de Berna foi concebida no final do século XIX e nossa Lei de Direito Autoral é do final da década de 1990. Esses períodos não contavam com a globalização e democratização dos meios de acesso, distribuição, consumo e reprodução de obras criativas. Cada vez mais, fica clara a necessidade de lidar com ciclos de inovação cada vez menores quando o contexto de tecnologia envolve a internet, os meios de realização de cópia e os novos modelos de negócio para monetização do consumo de obras artísticas (streaming de áudio e vídeo, assinatura digital, leitores digitais de livros, entre outros). Mesmo com todos os meios de combate à pirataria e à reprodução não autorizada de obras digitais, essas práticas ganham muitos adeptos e evoluem juntamente com os novos meios de consumo dessas obras. Ou seja, é uma realidade dos novos tempos, impulsionada pelas próprias tecnologias que permitem a democratização do acesso à informação. Além disso, ao reconhecer que as formas de consumo evoluíram e até mesmo que a criação de novas obras a partir de conteúdos protegidos é uma realidade cotidiana em diversas plataformas, a sociedade ganharia em termos de repensar os modelos de monetização a partir do trabalho criativo e de remunerar justamente seus criadores, redefinindo o ponto de equilíbrio entre proteção autoral e incentivo à criação. A legislação não mudou (e enfrenta muita resistência em mudar), primeiramente, devido ao tempo mínimo de proteção exigido internacionalmente (50 anos após a morte do autor), mas também devido a fortes lobbies de indústrias tradicionais sobre o Poder Legislativo (editoras, gravadoras, conglomerados de estúdios de TV e cinema). Esses setores reconhecem a necessidade de acompanhar as novas tecnologias, mas o fazem a partir da velha perspectiva excessivamente protecionista e de restrição do acesso, sem se atentar para os benefícios que mecanismos como as licenças creative commons podem acarretar para a disseminação de conhecimento, por exemplo.

VL: Plágios, cópias e reprodução de produção intelectual sempre aconteceram, mas tornaram-se mais fáceis devido o avanço tecnológico. No entanto, é preciso recordar que estes procedimentos estão suscetíveis à punições. Quais são as principais penalidades para aqueles que não respeitam os direitos autorais?

Dos Anjos: O principal instrumento utilizado são as multas em dinheiro, que consideram não apenas o valor original da obra pirateada, mas eventuais danos materiais globais causados a seus autores. Por exemplo, se você disponibiliza ilegalmente para terceiros em um site um livro ou um filme que você pirateou, o dano causado aos detentores desses direitos autorais não é apenas o da cópia não vendida a você, mas também uma estimativa de quantas pessoas tiveram acesso àquela obra de forma ilegal e deixaram de consumir a mesma pelos meios apropriados. Ou seja, os danos materiais potenciais podem ser bastante grandes, a depender da plataforma de pirataria utilizada. Há também a possibilidade de punição criminal, já que o art. 184 do Código Penal prevê pena de até 4 anos de reclusão para pessoas que violarem direitos de autor.

VL: Qual o caminho para um intelectual ou artista salvaguardar, ou seja, proteger uma criação? Qualquer pessoa pode realizar esse procedimento?

Dos Anjos: O mais importante para se ter em mente é que qualquer obra artística, a partir do momento em que é expressada em um suporte, por meio tangível ou intangível (folha de papel, pendrive, CD, filme, etc.), independentemente de qualquer registro público. O Registro público dessas obras (em cartório, na Biblioteca Nacional, em sites e outros meios similares ajuda muito na hipótese de que seja requerida a prova de criação, porque ela fixa uma data para a publicação e, assim, serve de prova para o ineditismo da obra. Ou seja, ele facilita a prova de autoria, mas não é condição essencial para que a autoria exista. Qualquer pessoa que realizar uma criação passível de proteção autoral pode realizar esses registros (dos textos de obras literárias, conferências, composições musicais, obras fotográficas, pintura, ilustrações, projeto de arquitetura, traduções; programas de computador, entre vários outros).

VL: Há uma área específica do Direito para os profissionais que queiram atuar com o direito autoral? E como é o mercado na atualidade?

Dos Anjos:  Sim, é o Direito da Propriedade Intelectual, normalmente tratado em disciplinas de Direito Civil, Direito Empresarial e Direito das Novas Tecnologias (ou Direito Digital). Há várias formas de atuação de profissionais interessados por essa área: advocacia em escritórios ou departamentos jurídicos de empresas; academia; terceiro setor (associações da sociedade civil organizada em favor da liberdade de expressão, do acesso à informação, da disseminação de licenças creative commons, etc.).

Conheça o entrevistado:

Lucas Costa dos Anjos é professor Assistente do Departamento de Direito da UFJF-GV. Doutorando em regime de cotutela na Université libre de Bruxelles e na Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Internacional pelas Faculdades Milton Campos e pelo Centro de Direito Internacional (CEDIN). Mestre e graduado em Direito pela UFMG. Foi membro associado do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, entre 2008 e 2011. É Conselheiro Científico do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS). Tem experiência e atua principalmente nas áreas de Direito de Internet, Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado, Direito Econômico e Direito da Propriedade Intelectual.

Leita também Domínio público e confira a edição Mário Quintana.