MINHA VIDA
Tu partes sem mim, minha vida.
Tu rodas,
E eu ainda espero dar um passo.
Tu levas a batalha para além.
Tu me abandonas assim.
Eu nunca te segui.
Não vejo claramente tuas ofertas.
O mínimo que desejo, tu jamais trazes.
Por esta falta, anseio a tanto.
A tanta coisa, quase ao infinito…
Por causa deste pouco que falta, que tu jamais trazes.
Outro poema de Michaux:
Labirinto.
Labirinto, a vida, labirinto, a morte
Labirinto sem fim, diz o Mestre de Ho.
Tudo afunda, nada libera
O suicida renasce para um novo sofrimento.
A prisão termina em uma prisão
O corredor termina em outro corredor:
Aquele que crê desenrolar o rolo de sua vida
Não desenrola nada em absoluto.
Nada desemboca em nenhuma parte
Os séculos vivem também sob a terra, diz o Mestre de Ho.
Outra pintura de Michaux:
Um fragmento de Michaux:
Eu era um feto.
Minha mãe me despertava quando chegava a pensar no Senhor de Riez.
Ao mesmo tempo, às vezes outros fetos acordavam, filhos de
mães espancadas ou que bebiam álcool ou ocupadas no confessionário.
Uma noite, éramos em torno de setenta fetos que conversavam de ventre a ventre, e à distância, não sei muito bem de que maneira.
Nunca mais voltamos a nos encontrar.
Eu era uma palavra que tentava avançar à velocidade do pensamento.
As companheiras do pensamento assistiam.
Nenhuma quis fazer a menor aposta em mim, e elas eram mais
de seiscentas mil, que me observavam, rindo.
O DIA, OS DIAS, O FIM DOS DIAS
Sem que eles falem, lapidado por seus pensamentos
Mais um dia de menor nível. Gestos sem sombras
A qual século é preciso se inclinar para perceber?
Samambaias, samambaias, diríamos suspiros, por toda parte, suspiros
O vento espalha as folhas soltas
Força das macas, há cento e oitenta mil anos já se nascia
para apodrecer, para perecer, para sofrer
Este dia, quando éramos semelhantes
quantidade de semelhantes
dia em que o vento se traga
dia de pensamentos insustentáveis
Vejo os homens imóveis
deitados nas canoas
Partir.
De qualquer maneira, partir.
A longa lâmina do fluxo d´água deterá a palavra.
Aventura de linhas
Quando vi a primeira exposição de pinturas de Paul Klee, voltei, lembro-me, encurvado sob um enorme silêncio.
Paul Klee, “Der Angler”, 1921
Insensível à pintura, não sei muito bem aquilo que via nela. Não me interessava sabê-lo, feliz por ter atravessado a barreira, no aquário, longe do fio.
Pode ser que procurava encontrar nelas, antes de tudo, o sinal daquilo que eu iria escrever: “Que artista não quereria estabelecer-se ali onde o centro orgânico de todo movimento no espaço e no tempo – que se chame cérebro ou coração da Criação – determina todas as funções?”.
(…)
Uma linha que se encontra com outra linha. Uma linha esquiva outra linha. Aventura de linhas.
Uma linha pelo prazer de ser linha, de seguir, linha. Pontos. Poeira de pontos. Uma linha sonha. Até agora ninguém deixou uma linha sonhar.
Uma linha aguarda. Uma linha espera. Uma linha volta a pensar um rosto.
(…)
Uma linha divisória ali, uma linha fronteiriça, mais distante a linha-observatório.
Tempo, tempo…
Uma linha de consciência voltou a se formar.
(…)
Paro por aqui. Paul Klee não gostaria de ver alguém se desviando. Demasiado goethiano para isso. (…) Para penetrar em seus quadros, e logo de entrada, nada disso, felizmente, importa. Basta ser escolhido, como se alguém tivesse guardado consciência de viver num mundo de enigmas. Em enigmas é também como melhor convence responder.
Henry Michaux, “Aventures de lignes“ in: Passages, Paris, Gallimard, col. “L’Imaginaire”, 1950, 1963, p. 113, tradução Davi Pessoa.
Outro fragmento:
Antigamente eu era muito nervoso. Agora estou num novo caminho:
Coloco uma maçã em cima da mesa. Depois me coloco dentro da maçã. Que tranquilidade!
Referências:http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/8303/1/2009_LucianaPereiraSobrinho.pdf
***
Referência a Henri Miller, no Capítulo 1 de Anti-Édipo, p. 13 [original].
“O desejo faz correr, flui e corta. “Amo tudo
o que flui, mesmo o fluxo menstrual que arrasta os ovos não fecundados…”,
diz Miller no seu cântico do desejo* Bolsa de
águas e cálculos do rim; fluxo de cabelo, fluxo de baba, fluxo de
esperma, de merda ou de urina produzidos por objetos parciais,
constantemente cortados por outros objetos parciais que, por sua
vez, produzem outros fluxos também recortados por outros objetos
parciais. Todo “objeto” supõe a continuidade de um fluxo, e
todo fluxo supõe a fragmentação do objeto.
* Henry Miller [1891-1980], Tropique du Cancer (1934), cap. XIII (“…
e minhas entranhas se espalham num imenso fluxo esquizofrênico, evacuação
que me deixa face a face com o absoluto…”).”
***
Sobre o autor
Henry Valentine Miller (New York, 26 de Dezembro de 1891– Los Angeles, 7 de Junho de 1980), escritor norte-americano.
Seu estilo é caracterizado pela mistura de autobiografia com ficção. Muitas vezes lembrado como escritor pornográfico, escreveu também livros de viagem e ensaios sobre literatura e arte.
Uma de suas amantes foi a escritora Anais Nin. Há um filme ficcional sobre o período da vida em que eles se conheceram, Henry and June, baseado nos diários de Anaïs.
Do prefácio de Anais Nin para Trópico de Câncer:
“Na anestesia produzida pelo autoconhecimento, a vida está passando, a arte está passando, fugindo de nós: estamos vogando com o tempo e nossa luta é contra sombras. Precisamos de uma transfusão de sangue”.
Mais sobre a escritora francesa em: http://www.anaisnin.com/home.html
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Trecho de Trópico de Câncer.
“Amo tudo quanto flui”, diz o grande Milton cego de nosso tempo. Pensava nele esta manhã quando acordei com um grande e furioso grito de alegria: pensava em seus rios e árvores e em todo aquele mundo da noite que ele está explorando. Sim, disse comigo mesmo, eu amo tudo quanto flui: rios, esgotos, lava, sêmen, sangue, bílis, palavras, sentenças. Amo o líquido amniótico quando escorre da bolsa. Amo o rim com seus cálculos dolorosos, suas pedras e não sei que mais; amo a urina que escorre escaldante e a gonorréia que corre sem parar; amo as palavras de histerismo e as sentenças que correm como disenteria e refletem todas as imagens doentes da alma; amo os grandes rios como o Amazonas e o Orenoco, onde homens malucos como Moravagine flutuam através do sonho e da lenda em um barco aberto e se afogam nas cegas embocaduras do rio. Amo tudo quanto flui, até mesmo o fluxo menstrual que leva embora a semente não fecundada. Amo tudo quanto flui, tudo quanto tem em si tempo e gênese, que nos leva de volta para o princípio onde nunca há fim: a violência dos profetas, a obscenidade que é êxtase, a sabedoria do fanático, o padre com sua elástica litania, os palavrões da puta, o cuspe que corre na sarjeta, o leite do seio e o mel amargo que escorre do útero, tudo quanto é fluido, derretido, dissolvido e dissolvente, todo o pus e sujeira que ao fluir se purifica, que perde seu senso de origem, que faz o grande circuito em direção à morte e à dissolução. O grande desejo incestuoso é continuar fluindo, unido com o tempo, fundir a grande imagem do além com o aqui e o agora. Um desejo insensato e suicida, que é constipado por palavras e paralisado pelo pensamento” (Miller, 1934, p. 242)
Para acessar o ebook:
http://pt.scribd.com/doc/17210964/Tropico-de-Cancer-Henry-Miller#download
Outras referências a Miller em Anti-édipo:
- 35, 134, 158, 320, 347, 354, 355, 356, 376, 400, 434.
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Referência a Georges Bataille, no Capítulo 1 de Anti-Édipo, p. 9, 10 [original].
“De modo que tudo é produção: produção de produções, de ações e de paixões; produções de registros, de distribuições e de marcações; produções de consumos,
de volúpias, de angústias e de dores. Tudo é de tal modo produção que os registros são imediatamente consumidos, consumados, e os consumos são diretamente reproduzidos*.
*Quando Georges Bataille [1897-1962] fala de despesas ou consumos
suntuosos, não produtivos, em relação com a energia da natureza, trata-se de
despesas ou consumos que não se inscrevem na esfera supostamente independente
da produção humana enquanto determinada pelo “útil”: trata-se, pois,
daquilo que chamamos de produção de consumo (cf. La Notion de dépense
e La Part maudite (1949), Paris, Minuit). [NT: Os dois textos encontram-se
reunidos em Georges Bataille, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, vol. 1,
1970.]”
Georges Bataille (1897-1962) é um escritor francês, representante do surrealismo e fundador do “College de Sociologie” em 1936-37. Reconhecido pelo movimento de vanguarda literária, no fim dos anos sessenta, como criador de escritos violentamente eróticos, cuja força transgressora é uma expressão mística da busca pelo absoluto. Sua obra se enquadra tanto no domínio da literatura como no campo da Filosofia, Antropologia, Sociologia e História da Arte. O erotismo, a transgressão e o sagrado são temas abordados em seus escritos.
Georges Bataille, autor de livros importantes como O erotismo e A literatura e o mal, viveu toda a sua infância sob uma forte perturbação psicológica, com o pai louco e a mãe também perdendo a sanidade. Na casa dos vinte anos, após ter testemunhado a desordem mental dos pais e se recordar sempre de imagens que, aos seus olhos de criança, eram obscenas (ver trecho do livro no final), ele procurou um psicanalista.
Trecho de “O erotismo”, São Paulo: L&PM Editores, 1957/1987.
Do erotismo é possível dizer que ele é a aprovação da vida até na morte. Para falar
a verdade, isto não é uma definição, mas eu penso que esta fórmula dá o sentido do
erotismo melhor que uma outra.
A história do olho
Publicado originalmente em 1928, sob o pseudônimo de Lord Auch, com tiragem clandestina de 134 exemplares, História do olho, que é o primeiro livro de Bataille, teve várias edições nas décadas seguintes. Ganhou admiradores fervorosos e escandalizou meio mundo também. Entre os leitores entusiasmados estão Roland Barthes e Julio Cortázar.
Trecho:
Reminiscências
“Nasci de um pai sifilítico (tabético). Ficou cego (já o era ao me conceber) e, quando eu tinha uns dois ou três anos, a mesma doença o tornou paralítico. Em menino, adorava aquele pai. Ora, a paralisia e a cegueira tinham, entre outras coisas, estas consequências: ele não podia, como nós, urinar no banheiro; urinava em sua poltrona, tinha um recipiente para esse fim. Mijava na minha frente, debaixo de um cobertor que ele, sendo cego, não conseguia arrumar. O mais constrangedor, aliás, era o modo como me olhava. Não vendo nada, sua pupila, na noite, perdia-se no alto, sob a pálpebra: esse movimento acontecia geralmente no momento de urinar. Ele tinha uns olhos grandes, muito abertos, num rosto magro, em forma de bico de águia. Normalmente, quando urinava, seus olhos ficavam quase brancos; ganhavam então uma expressão fugidia; tinham por único objeto um mundo que só ele podia ver e cuja visão provocava um riso ausente. Assim, é a imagem desses olhos brancos que eu associo à dos ovos; quando, no decorrer da narrativa, falo do olho ou dos ovos, a urina geralmente aparece.”
Outra referência a Bataille em Anti-édipo: p. 225.
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Referência a Richard Lindner, no Capítulo 1 de Anti-Édipo, p. 13 [original].
“Um quadro de Richard Lindner, Boy With Machine [Menino com máquina], mostra
uma criança enorme e túrgida que, assim inserida, faz com que
uma de suas pequenas máquinas desejantes funcione em uma enorme
máquina social técnica (pois, como veremos, isso já é próprio
da criança).
O contexto das “máquinas desejantes”
e objetos autômatos, em que Deleuze insere o trabalho de Richard Lindner.
woman
***
Richard Lindner foi um artista gráfico, ilustrador e pintor nascido em 1901, em Hamburgo e morto em 1978, em Nova York.
Entre o anos de 1924 a 1927, viveu em Munique onde estudou arte.
Mudou-se para Berlim e lá permaneceu até 1928, quando regressou a Munique.
Com a ascensão do nazismo vai para Paris, onde serviu no exército francês durante a Segunda Guerra Mundial.
Em 1941 vai para os EUA e trabalha em Nova York como ilustrador de livros e revistas , tornando-se cidadão americano.
Na década de 60 lecionou na Universidade de Yale.
Durante sua carreira, Lindner ficou conhecido como um pintor singular tendo em vista o período em que produz significativamente. Suas pinturas criavam um diálogo inquieto com a Pop arte da época, trazendo ainda resquícios do surrealismo.
Outras referências a Lindner em Anti-édipo: p. 55, 429.
***
Referência a Antoine Artaud, no Capítulo 1 de Anti-Édipo, a partir da p. 9 [original].
“No fim de Malone morre, a senhora Pédale leva os esquizofrênicos
a dar um passeio, a andar de charabã, de barco, a fazer um piquenique
na natureza: uma máquina infernal se prepara.
O corpo sob a pele é uma fábrica superaquecida,
e por fora,
o doente brilha,
reluz,
em todos os seus poros,
estourados*
*Antonin Artaud [1896-1948], Van Gogh, le suicidé de la société, Paris,
K Éditeur, 1947.
“Uma parada incompreensível
e certeira” no meio do processo, como terceiro tempo:
“Nem boca. Nem língua. Nem dentes. Nem laringe. Nem esôfago.
Nem estômago. Nem ventre. Nem ânus. Antonin Artaud, em 84, nº 5-6, 1948.” (p. 15)
Sim, fui meu pai e fui meu filho. “Eu, Antonin Artaud, sou
meu filho, meu pai, minha mãe, e eu.” O esquizo dispõe de modos
de marcação que lhe são próprios, pois, primeiramente, dispõe de
um código de registro particular que não coincide como o código
social ou que só coincide com ele a fim de parodiá-lo. (p.21)
Experiência dilacerante, demasiado emocionante,
pela qual o esquizo é aquele que mais se aproxima da matéria,
de um centro intenso e vivo da matéria: “emoção situada
fora do ponto particular em que o espírito a busca… emoção que
dá ao espírito o som sublevador da matéria, para onde toda a alma
escorre e arde” (p. 18).
“Lembro-me de ter começado a perguntar a mim
mesmo, desde os oito anos, ou talvez menos, quem era eu, o que
era eu e por que viver; lembro-me de aos seis anos, numa casa da
Avenida Blancarde em Marselha (precisamente no nº 59), ter me
perguntado, quando lanchava pão com chocolate que uma certa
mulher chamada mãe me dava, o que [57] era ser e viver, o que era
ver-se respirar, e de ter querido me respirar para experimentar o
fato de viver e ver se isso me convinha e para que é que me convinha”. (p. 56 – 57).
Antoine Artaud, francês (1896) foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro francês. Ligado fortemente ao surrealismo, foi expulso do movimento por ser contrário a filiação ao partido comunista. Passou por inúmeras internações em hospitais psiquiátricos, o que lhe rendeu uma amizade e incentivo do médico Ferdière e também tratamentos de reabilitação contestáveis, como eletrochoques.
“Não quero que ninguém ignore meus gritos de dor e quero que eles sejam ouvidos”.
Para Artaud, o teatro é o lugar da experiência da criação genuína, com suas pesquisas do Teatro de Bali, reinvindica as raízes ritualisticas da arte do corpo, dissolvendo a relação dicotômica entre ator e plateia.
Seu teatro está no corpo. Em 1938 conclui a obra “O Teatro e seu Duplo”, uma das mais importantes do século XX, que influencia grandes diretores como Peter Brook, Jerzy Grotowski e Eugenio Barba. Denuncia a supremacia da palavra. Inaugura o que é conhecido como Teatro da Crueldade, uma busca pela vida no teatro, que para ele, naquele momento, apresentava-se artificial demais. Sobre a crueldade, diz:
“Tudo o que age é uma crueldade. É a partir dessa idéia de ação levada ao extremo que o teatro deve se renovar.” (ARTAUD, p. 96)
“A crueldade é antes de mais nada lúcida, é uma espécie de direção rígida, submissão à necessidade. Não há crueldade sem consciência, sem uma espécie de consciência aplicada. É a consciência que dá ao exercício de todo ato da vida sua cor de sangue, sua nuance cruel, pois está claro que a vida é sempre a morte de alguém.” (ARTAUD, p. 114)
É de Artaud que Deleuze busca o conceito “corpo sem órgãos”, um corpo liberto de seus automatismos, que está sempre em relação, sempre capaz de se inventar, mudar relações, relacionar-se na mudança.
“Não se separa o corpo do espírito, nem os sentidos da inteligência, sobretudo num domínio em que a fadiga incessantemente renovada dos órgãos precisa ser bruscamente sacudida para reanimar nosso entendimento.” (ARTAUD, p.98)
Artaud também escreve sobre a loucura, investigando os limites da razão, subvertendo sua noção:
“E o que é um autêntico louco? É um homem que preferiu ficar louco, no sentido socialmente aceito, em vez de trair uma determinada idéia superior de honra humana. Assim, a sociedade mandou estrangular nos seus manicômios todos aqueles dos quais queria desembaraçar-se ou defender-se porque se recusavam a ser cúmplices em algumas imensas sujeiras. Pois o louco é o homem que a sociedade não quer ouvir e que é impedido de enunciar certas verdades intoleráveis.” (Trecho de “Van Gogh: O Suicidado Pela Sociedade”)
Encontrado morto em quarto de hospital psiquiátrico em 1948.
De um de seus 406 cadernos asilares.
Outras referências a Artaud no Anti-édipo:
- 101, 148, 159, 160, 161, 168, 250, 330, 334, 418, 445.
***
Referência a Samuel Beckett, no Capítulo 1 de Anti-Édipo, a partir da p. 8 [original].
“Continuação do passeio do esquizofrênico, quando os personagens
de Samuel Beckett decidem sair. É preciso ver, primeiramente,
como seu percurso variado é já uma máquina minuciosa.
E depois, a bicicleta: que relação há entre a máquina bicicleta-
-buzina e a máquina mãe-ânus? “Que descanso falar de bicicletas
e de buzinas. Infelizmente, não é disso que se trata, mas daquela
que me deu à luz, pelo buraco do seu cu, se não me falha a memória.”
Acredita-se muitas vezes que Édipo é fácil, que é dado. Mas
não é assim: Édipo supõe uma fantástica repressão das máquinas
desejantes. E por quê, com que fim? Será verdadeiramente necessário
ou desejável curvar-se a isso? E com o quê?
Por exemplo, a boca que fala, os
pés que andam: “Acontecia-lhe parar sem dizer nada. Ou porque,
afinal, nada tinha para dizer. Ou porque, embora tivesse algo para
dizer, ele afinal renunciasse a fazê-lo… Outros casos principais se
apresentam ao espírito. Comunicação contínua imediata com recomeço
imediato. A mesma [19] coisa com recomeço retardado.
Comunicação contínua retardada com recomeço imediato. A mesma
coisa com recomeço retardado. Comunicação descontínua imediata
com recomeço imediato. A mesma coisa com recomeço retardado.
Comunicação descontínua retardada com recomeço imediato.
A mesma coisa com recomeço retardado”. (p. 17-18)
Como foi possível reduzir a síntese conjuntiva do “Então
era isso!”, do “Então sou eu!”NT
NT [Referência a L’Innommable, de Samuel Beckett, obra escrita em
francês, publicada em 1953, e cuja tradução inglesa (The Unnamable), feita
pelo próprio Beckett, foi publicada em 1958; edição brasileira: O inominável,
tradução de Ana Helena Souza, São Paulo, Globo, 2009.] (p. 28)
Samuel Beckett. Irlandês (1906) que muda-se para Paris, de onde foge durante a Segunda Guerra. Dramaturgo e escritor. Recebeu o Nobel de Literatura de 1969. É considerado um dos principais autores do denominado teatro do absurdo. Uma de suas obras mais famosas, Esperando Godot, peça em dois atos, passa-se numa estrada ou caminho, ou travessia. Tem como personagem principal um homem, Godot, que nunca aparece em cena. O primeiro e o segundo atos são quase que idênticos, com sutis diferenças, com diálogos triviais. Não se sabe quem é Godot, porquê o esperam e nem de onde vem. Os dois atos terminam com um garoto dizendo que ele não vem, talvez amanhã. A monotonia e a espectativa pela espera de Godot denunciam a complexidade da existência em que se encerra o homem. Com esta obra, Beckett rompe com o padrão clássico de representação aristotélico: unidade de ação, unidade de tempo, unidade de espaço, peripécia.
Conhece James Joyce, o que influencia fortemente sua obra. Personagens de fala difusa, loucos e neologismos não faltam à sua obra; também marcada por um pessimismo existencialista do pós-guerra, com em suas repetições estruturais. Morre em 1989.
Dois trechos interessantes: o primeiro, o fim da peça “Esperando Godot”:
Vladimir: Então, devemos partir? (Alors, on y va?) (Well, shall we go?)
Estragon: Sim, vamos. (allons-y.) (Yes, let’s go.)
Eles não se movem. (Ils ne bougent pas.) (They do not move.)
O segundo, Beckett falando de Godot:
“Eu não sei mais sobre esta peça do que aquele que consegue lê-la com atenção. Não sei com que finalidade escrevi. Não sei sobre os personagens nada além do que eles dizem, do que fazem e do que acontece com eles. Não sei quem é Godot, nem ao menos se ele existe. E não sei se acreditam nesse, aqueles dois que esperam por ele. E os outros dois que passam ao final dos dois atos, devem ser para quebrar a monotonia. Tudo que pude saber eu mostrei. Não é muito, mas basta. E me basta totalmente. Eu diria até que teria me contentado com menos.”[i].
REFERÊNCIAS:
Wikipedia.
O Teatro e seu Duplo. Antoine Artaud
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Referência a Claude Lévi-Strauss, no Capítulo 1 de Anti-Édipo, a partir da p. 13 [original].
“Quando Lévi-Strauss define a bricolagem, propõe um conjunto de características estritamente ligadas: a posse de um estoque ou de um código múltiplo, heteróclito, porém limitado; a capacidade de introduzir os fragmentos em fragmentações sempre novas; donde decorre uma indiferença do produzir e do produto, do conjunto instrumental e do conjunto a ser realizado*. A satisfação do bricoleur, quando liga alguma coisa à corrente elétrica, quando desvia um conduto de água, seria muito mal explicada por um jogo de “papai-mamãe” ou por um prazer da transgressão. A regra de produzir sempre o produzir, de inserir o produzir no produto, é a característica das máquinas desejantes ou da produção primária: produção de produção.
* Claude Lévi-Strauss [1908-2009], La Pensée sauvage, Paris, Plon, 1962, pp. 26 ss.”
Sobre o autor:
Claude Lévi-Strauss (Bruxelas, 28 de novembro de 1908 – Paris, 30 de outubro de 2009) foi um antropólogo, professor e filósofo francês. É considerado fundador da antropologia estruturalista, em meados da década de 1950, e um dos grandes intelectuais do século XX.
Sobre Bricolage:
Se os mitos advindos do pensamento selvagem foram construídos a partir de um sem número de referências, o mundo do simbolismo é infinitamente diverso por seu conteúdo, mas sempre limitado por suas leis. Assim, se descobre a cada dia que para interpretar corretamente os mitos e os ritos se deve levar em conta a visão cosmológica apresentada pelo pensamento selvagem a fim de atingir sua estrutura.
O pensamento selvagem ao criar parece, para o autor, reunir um número possível de fragmentos de sua cultura para compor um mito, por exemplo. Por isso é que se a forma se mantém sempre a mesma, os conteúdos podem estes sim, variar. Esta idéia nos leva a um último ponto a ser discutido, que se refere à noção de bricolagem e, por conseguinte, sua ligação com a arte. O bricoleur consiste em um “enjambrador”, uma pessoa capaz de reunir pedaços diversos e com funções a priori diferentes e transformar a reunião desta peças em algo com sentido a posteriori. O bricoleur é capaz de realizar sempre um arranjo novo com os mesmos materiais, repetidamente. Ele pode reunir peças de algo o reconstruindo ou, com estas mesmas peças, pode criar algo inteiramente novo.
A noção de bricolagem parece ser bastante fortuita para entender o pensamento lévi-straussiano com relação à construção dos mitos, por exemplo, em que muitos de seus termos são, invariavelmente, constituídos de sobras e pedaços que, uma vez reunidos, possuem sentido. No caso da bricolagem, seu agente, o bricoleur, trata-se de um reciclador para movimentos artísticos. A partir de tendências de arte existentes, ele é capaz de arranjar fragmentos de tal sorte que pode criar algo inteiramente novo, ainda que dentro de um número de possibilidades finito.
Fragmento do capítulo I de “O Pensamento Selvagem”
Os produtos naturais, utilizados pêlos povos siberianos para fins medicinais, ilustram, por sua definição precisa e pelo valor específico que lhes é dado, o cuidado, a inventiva, a atenção à minúcia, a preocupação das distinções que devem ter empregado os observadores e os teóricos, nas sociedades desse tipo; aranhas e vermes brancos engolidos (itelmene e iakute, para a esterilidade); gordura de escaravelho preto (ossete, contra hidrofobia); barata esmigalhada, fel de galinha (russos de Surgut, contra abscesso e hérnia); vermes vermelhos macerados (iakute, contra o reumatismo); fel de solha (buriate, contra doenças dos olhos); cadoz, caranguejo de água doce, engolidos vivos (russos da Sibéria, contra epilepsia e outras doenças); toque de bico de picanço, sangue de picanço, insuflação nasal de pó de picanço mumificado, ovo tragado de pássaro kukcha (iakute, contra dores de dentes, escrófulas, doenças dos cavalos e tuberculose, respectivamente); sangue de perdiz, suor de cavalo (oirote, contra hérnias e verrugas); caldo de pombo (buriate, contra tosse); pó de patas moídas da ave tilegus (kazak, contra dentadas de cão hidrófobo); morcego seco, pendurado ao pescoço (russos de Altai, contra febre); instilação da água proveniente de um pedaço de gelo suspenso no ninho da ave remiz (oirote, contra doenças dos olhos). Somente entre os buriate, e limitando-se ao urso, a carne deste possui 7 virtudes terapêuticas distintas, o sangue 5, a gordura 9, o cérebro 12, a bile 17 e o pêlo 2. Do urso também, os kalar recolhem os excrementos empedrados, no fim da hibernação, para debelar prisão de ventre (Zelenine, pp. 47-59). Achar-se-á, num estudo de Loeb, um repertório assim tão rico com referência a uma tribo africana.
Outras referências a Claude Lévi-Straussem Anti-édipo:
p. 173, 177, 183, 184, 185, 187, 193, 196, 215, 219, 221, 325.
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Referência ao caso do Presidente Schreber (Freud) , no Capítulo 1 de Anti-Édipo, a partir da p. 7 [original].
“Uma máquina-órgão para uma máquina-energia, sempre fluxos e cortes. O presidente SchreberNT tem os raios do céu no cu. Ânus solar. E estejam certos de que isso funciona. O presidente Schreber sente algo, produz algo, e é capaz de fazer a teoria disso. Algo se produz: efeitos de máquina e não metáforas. NT [Daniel Paul Schreber (1842-1911), autor de Denkwürdigkeiten eines Nervenkranken (1903); edição brasileira: Memórias de um doente dos nervos, tradução de Marilene Carone, São Paulo, Paz e Terra, 1995.]” (p.7).
“As máquinas desejantes só funcionam desarranjadas, desarranjando-se constantemente. O presidente Schreber “viveu durante muito tempo sem estômago, sem intestinos, quase sem pulmões, com o esôfago dilacerado, sem bexiga, com as costelas esmagadas; comeu, por vezes, partes da sua própria laringe, e assim por diante”. O corpo sem órgãos é o improdutivo; no entanto, é produzido em seu lugar próprio, a seu tempo, na sua síntese conectiva, como a identidade do produzir e do produto (a mesa esquizofrênica é um corpo sem órgãos).” (p. 14)
“O corpo sem órgãos, o improdutivo, o inconsumível, serve de superfície para o registro de todo o processo de produção do desejo, de modo que as máquinas desejantes parecem emanar dele no movimento objetivo aparente que as reporta a ele. Os órgãos são regenerados, [18] miraculados no corpo do presidente Schreber que atrai os raios de Deus. Sem dúvida, a antiga máquina paranoica subsiste sob a forma de vozes zombeteiras que procuram “desmiracular” os órgãos e, notadamente, o ânus do presidente. Mas o essencial é o estabelecimento de uma superfície encantada de inscrição, ou de registro, que atribui a si própria todas as forças produtivas e os órgãos de produção, e que opera como quase-causa, comunicando-lhes o movimento aparente (o fetiche). Isto é tão verdadeiro quanto dizer que o esquizofrênico faz economia política, e que a sexualidade é questão de economia.” (p. 17-18)
“O corpo sem órgãos não é Deus, antes pelo contrário. Mas divina é a energia que o percorre, quando ele atrai para si toda a produção e lhe serve de superfície encantada miraculante, inscrevendo-a em todas as suas disjunções. Donde as estranhas relações que Schreber entretém com Deus. A quem pergunta: acredita em Deus? devemos responder de uma maneira estritamente kantiana ou schreberiana: certamente, mas só como senhor do silogismo disjuntivo, como princípio a priori deste silogismo (Deus define a Omnitudo realitatis, da qual todas as realidades derivadas saem por divisão).” (p. 19).
“[I.2.5. Genealogia esquizofrênica]
Divino, portanto, é tão somente o caráter de uma energia de disjunção. O divino de Schreber é inseparável das disjunções nas
quais ele se divide a si mesmo: impérios anteriores, impérios posteriores; impérios posteriores de um Deus superior e de um Deus inferior. Freud realça fortemente a importância dessas sínteses disjuntivas no delírio de Schreber em particular, assim como no delírio em geral. “Tal divisão é bem característica das psicoses paranoicas. Estas dividem, ao passo que a histeria condensa. Ou antes, é nos seus elementos que essas psicoses resolvem de novo as condensações e as identificações realizadas na imaginação inconsciente” * 13 Sigmund Freud [1856-1939], Cinq psychanalyses, tradução francesa, Paris, PUF, 1954, p. 297.” (p. 19-20)
“Imaginamos o presidente Schreber respondendo a Freud: mas claro, sim, sim, os pássaros falantes são moças, e o Deus superior é papai, e o Deus inferior é meu irmão. Mas, de maneira discreta, reengravida as moças com todos os pássaros falantes, o pai com o Deus superior e o irmão com o Deus inferior, formas divinas que se complicam, ou melhor, que se “dessimplificam” à medida que subvertem os termos e funções demasiado simples do triângulo edipiano.” (p. 21)
“Embora sempre vacilante, o esquizo consegue sair-se bem, pela simples razão de que é a mesma coisa de todos os lados, em todas as disjunções. É que, por mais que as máquinas-órgãos se enganchem sobre o corpo sem órgãos, este permanece sem órgãos e nem volta a ser organismo no sentido usual da palavra. Ele guarda seu caráter fluido e deslizante. Do mesmo modo, os agentes de produção se colocam sobre o corpo de Schreber, dependuram-se nele, tal como os raios do céu que ele atrai e que contêm milhares de pequenos espermatozoides. Raios, pássaros, vozes, nervos entram em relações permutáveis de genealogia complexa com Deus e com as formas divididas de Deus. Mas é sobre o corpo sem órgãos que tudo se passa e se registra, mesmo as cópulas dos agentes, as divisões de Deus, as genealogias esquadrinhadoras e as suas permutações. Tudo está sobre esse corpo incriado, como os piolhos na juba do leão. (p. 22)
“Como diz Marx, até sofrer é fruir de si. Sem dúvida, toda produção desejante já é imediatamente consumo e consumação,NT logo “volúpia”. Contudo, ela não o é ainda para um sujeito, que só pode se situar através das disjunções de uma superfície de registro, nos restos de cada divisão. O presidente Schreber, sempre ele, tem disso a mais viva consciência: há uma taxa constante de gozo cósmico, de modo que Deus exige encontrar volúpia em Schreber, mesmo que ao preço de uma transformação de Schreber em mulher. Mas o presidente desfruta apenas de uma parte residual dessa volúpia, algo como um salário pelas suas dores ou o prêmio pelo seu devir-mulher.” (p. 23)
“Mais precisamente, Freud sublinha a importância da virada da doença de Schreber, quando este se reconcilia com seu devir-mulher e se empenha num processo de autocura que o reconduz à identidade Natureza = Produção (produção de uma humanidade
nova). Com efeito, Schreber está fixado numa atitude e num aparelho de travesti no momento em que, praticamente curado, recuperou todas as suas faculdades: “Encontro-me às vezes instalado frente a um espelho ou em outro lugar, com o tronco seminu, enfeitado como uma mulher, com fitas, com colares falsos etc.; mas isto só acontece quando estou só…”. (p. 24)
“Segundo a doutrina do presidente Schreber, a atração e a repulsão produzem intensos estados de nervo que preenchem o corpo sem órgãos em graus diversos, e pelos quais passa o sujeito-Schreber, devindo mulher e devindo muitas outras coisas ainda, num círculo de eterno retorno. Os seios no tronco nu do presidente não são nem delirantes nem alucinatórios, mas designam, em primeiro lugar, uma faixa de intensidade, uma zona de intensidade sobre seu corpo sem órgãos.” (p. 26)
O caso do Presidente Schreber
Daniel Paul Schereber nasceu em 1842 na Alemanha. Em 1893 é informado de que será nomeado presidente do Tribunal de Apelação e em outubro toma posse. Em novembro, aos 51 anos, eclode seu delírio e é internado na Clínica Psiquiátrica de Leipzig aos cuidados do Professor Flechsig
Seu pai era um famoso médico ortopedista que procurou colocar em prática junto aos filhos suas idéias sobre educação. Sua doutrina educacional era rígida e moralista e tinha por objetivo exercer total controle sobre a vida dos educandos, desde a alimentação até a vida espiritual. Ele acreditava que suas idéias aperfeiçoariam a obra de Deus, bem como a sociedade. Construiu diversos aparelhos ortopédicos de ferro e couro com o propósito de manter a postura do corpo ereta inclusive durante o sono. A retidão do espírito seria alcançada pela contenção emocional e pela supressão dos sentimentos imorais, entre eles a sexualidade.
Em 1903, Daniel Paul publica suas “Memórias de um doente de nervos”, que foram amplamente debatidas em círculos psiquiátricos na época. E, em 1911, Freud publica “Notas psicanalíticas sobre um caso de paranóia”, uma análise daquelas memórias.
Em seu delírio, Schereber acreditava ter a missão de redimir o mundo e restituir à humanidade, o estado perdido de beatitude. Foi Deus que o convocou para esta tarefa, pois os nervos em condições de grande excitação, como os seus estiveram, exercem atração sobre Deus. A parte mais essencial de sua missão redentora é ela ter de ser precedida por sua transformação em mulher. Alguns de seus órgãos corporais sofreram danos sérios: viveu longo tempo sem estômago, sem intestinos, quase sem pulmões, com o esôfago rasgado, sem bexiga e com as costelas quebradas. Mas, milagres divinos, na forma de raios, restituíram o que havia sido destruído. A idéia de ser transformado em mulher foi a única parte do delírio que persistiu após a cura. Passou a se sentir perseguido por Flechsig, médico por que nutria grande afeição. Depois Deus passou a ser o inimigo, já que exigia sua transformação em mulher, para ser fecundado por raios divinos e criar uma nova raça de homens.
As tentativas de interpretação que faz Freud das memórias de Schereber resultaram num relato complexo pouco propício para ser apresentado de forma resumida. Talvez, o essencial para conduzir nossa leitura do texto de Deleuze e Guatarri seja assinalar que para Freud, o delírio persecutório de Schereber em torno de Flechsig e de Deus se remete á sua relação com seu pai. Freud escreve: “O estudo de vários casos de delírio de perseguição levou-me à opinião de que a relação entre o paciente e seu perseguidor pode ser reduzida a formula simples. Parece que a pessoa a quem o delírio atribui tanto poder e influência é, se claramente nomeada, idêntica a alguém que desempenhou papel igualmente importante na vida emocional do paciente.”
Cena do filme Memórias da minha doença nervosa
Filme sobre o caso Memórias da minha doença nervosa
Dirigido por Julian P. Hobbs. premissa básica: Em um asilo do século 19, Daniel Paul Schreber ( Mays), um juiz alemão, sofre alucinações enquanto sob os cuidados do Dr. Flechsig (Cucuzza). Data de lançamento: 15 de dezembro de 2006 (Cinema Village) por Films abjeta. O elenco: Jefferson Mays, Robert Cucuzza, Joe Coleman, Lara Milian.
Obra inspirada no caso Schreber:
A série Schreber de Nuno Ramos com frases colhidas do livro “Memórias de um doente dos nervos”, escrito em 1903 por Daniel Schreber (1842-1911), um respeitado juiz alemão que passou a sofrer de surtos psicóticos, e acabou por morrer em um hospital psiquiátrico. “O sol fala comigo com palavras macias”, “eu era o melhor amigo dos raios puros”, “homens feitos às pressas”, “assassinato de alma”, “o sol é uma puta”, “milagres praticados contra mim” são algumas dessas frases.
O livro de Daniel Paul Schreber: Memórias de um doente dos nervosa
Para comprar: http://www.pazeterra.com.br/livro.asp?pp=397
Para baixar: http://www.youblisher.com/p/74818-Please-Add-a-Title/
Documentário sobre o caso:
“Shock Head Soul”, do documentarista inglês Simon Pummell (“Bodysong”), conta a história bizarra de Daniel Paul Schreber, um dos juizes mais brilhantes da Alemanha, até que… No final do século 19, começou a acreditar que Deus lhe enviava mensagens por uma máquina de escrever, que atravessavam o cosmos com o objetivo de transformá-lo em mulher. Mais…
Outras citações ao caso do Presidente Schreber em Anti-Édipo:
p. 66, 68, 91, 106, 125, 325, 332, 333, 353, 354, 378, 437.
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Referências a Karl Georg Büchner e J. M. Reinhold Lenz no Capítulo 1 de Anti-Édipo, p. 7-8 [original].
“[I.1.1. Passeio do esquizo]
O passeio do esquizofrênico: eis um modelo melhor do que o neurótico deitado no divã. Um pouco de ar livre, uma relação com o fora. Por exemplo, o passeio de LenzNT reconstituído por
Büchner.1 É diferente dos momentos em que Lenz se encontra na casa do seu bom pastor, que o força a se ajustar socialmente em relação ao Deus da religião, em relação ao pai, à mãe. No seu passeio, ao contrário, ele está nas montanhas, sob a neve, com outros deuses ou sem deus algum, sem família, sem pai nem mãe, com a natureza. “O que deseja meu pai? Ele pode oferecer-me mais? Impossível! Deixem-me em paz”. Tudo compõe máquina. Máquinas celestes, as estrelas ou o arco-íris, máquinas alpinas que se acoplam com as do seu corpo. Ruído ininterrupto de máquinas. Ele “achava que deveria ser uma sensação de infinita felicidade ser
tocado assim pela vida primitiva de toda a espécie, ter sensibilidade para as rochas, os metais, para a água e as plantas, captar em si mesmo, como num sonho, toda criatura da natureza, da mesma maneira como as flores absorvem o ar com o crescer e o minguar da lua”. NT [O poeta Jakob Michael Reinhold Lenz (1751-1792), autor das peças O preceptor (1774) e Os soldados (1776).] 1 Cf. o texto de Georg Büchner [1813-1837], Lenz, tradução francesa, Paris, Fontaine. [NT: Cf. Lenz, tradução brasileira de Irene Aron, São Paulo, Brasiliense, 1985, pp. 120-54. Cf. também Georg Büchner, Oeuvres complètes: inédits et lettres, Bernard Lortholary (org.), traduções de Jean-Louis Besson, Jean Jourdheuil e Jean-Pierre Lefebvre, Paris, Seuil, 1988. Agradeço a Alexandre Henz por essas informações.]”
Georg Büchner, Büste von Karl-Henning Seemann – 2006 – Gießen
Karl Georg Büchner (1813/1837) foi um escritor e dramaturgo alemão.
Seguindo a tradição da família, começou a estudar medicina em 1831. Mas dedicou-se à literatura. Sua intenção de promover uma insurreição em Hesse sob o lema: ´Paz às cabanas! Guerra aos palácios!´, foi motivo de uma ordem de prisão, e ele refugiou-se na casa do pai. Ali escreveu A morte de Danton (1835), uma análise ao mesmo tempo exaltada e pessimista das causas do fracasso da Revolução Francesa, e que foi o primeiro drama realista alemão.
Entre as obras que vieram a seguir, todas publicadas depois de sua morte, destacam-se a comédia Leôncio e Lena, sátira às idéias românticas, e a novela Lenz**, homenagem a J. M. Reinhold Lenz*, membro, como Büchner, de um movimento literário conhecido como “a jovem Alemanha”. Morreu com apenas 23 anos de idade.
*J. M. Reinhold Lenz (1751-1792). Filho de pastor rompe com o pai e se dedica à literatura. Foi considerado “gênio raro”. Conheceu Göthe com quem estabelece laços de amizade. Participaram juntos da “Sociedade de Belas Artes e Filosofia”. Esta relação é rompida em episódio não explicado no qual Göthe pede o desligamento de Lenz da entidade que participam. Começa a apresentar sinais de inquietação mental e, em 1777 é levado a um surto de insanidade.
**A novela Lenz foi escrita pelo dramaturgo alemão Georg Büchner, em 1836. Um dos mais fascinantes textos da literatura do século XIX relata a gradativa perda de contato de um ser humano consigo mesmo e com o mundo. A novela relata a estadia do autor em Waldbach, um povoado nas montanhas, ao qual Lenz se dirige em busca de paz espiritual na casa do pastor Oberlin. No princípio, os passeios pelas montanhas e as conversas com seu anfitrião sobre Deus, parecem proporcionar certo sossego à sua alma. Entretanto, o jovem Lenz se vê novamente envolto pela ansiedade que o expulsou de sua cidade. Se sentindo vazio, perdidas as forças que antes o fazia desenvolver qualquer tarefa com ardor juvenil. Afastado de Deus, a angústia vai avançando em seu interior, impedindo-o de dormir, falar, comportar-se com normalidade, impulsionando-o a várias tentativas de suicídio. Um medo irracional vai substituindo, pouco a pouco, sua razão, ainda que tenha períodos de lucidez em que se envergonha pelos atos cometidos durante seus delírios. No entanto, pouco a pouco esses momentos de lucidez vão se espaçando, deixando Lenz abandonado ao pânico, à ansiedade e à demência.
Peça de teatro Viva Büchner! por Michael Prakash, na Alemanha.
Outras referências a Karl Georg Büchner e J. M. Reinhold Lenz em Anti-édipo:
p. 100, 159, 347.