Quase 70% dos estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) têm renda familiar mensal per capita de até 1,5 salário mínimo. O dado é resultado da V Pesquisa do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais, realizada pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Estudantis (Fonaprace) da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) no primeiro semestre de 2018. As informações sobre os alunos e alunas da UFJF foram divulgadas nesta quinta-feira, 16, em entrevista coletiva.
O valor de 1,5 salário mínimo familiar mensal per capita – correspondente em 2018 a R$ 1.431 – é usado como limite para acesso a vagas reservadas por meio de cota social e a programas de assistência estudantil na Universidade. Esse teto define, para fins legais, a população em vulnerabilidade social. No entanto, a realidade dos alunos da UFJF pode ser ainda mais preocupante. Segundo o levantamento, 14,5% dos alunos e alunas da UFJF têm renda mensal per capita de até meio salário mínimo (R$ 477 em 2018) e 34,9% tem renda entre meio e um salário mínimo (R$ 954 em 2018).
Os números equivalem ao observado nacionalmente, uma vez que 70% dos estudantes das universidades públicas do Brasil têm renda mensal per capita até 1,5 salário mínimo. O relatório executivo da pesquisa, assinado pelo Fonaprace, considera que o dado desconstrói teses e formulações discutidas em senso comum de que as universidades públicas seriam frequentadas pelas elites culturais e econômicas do país.
“Os dados apresentados na pesquisa mostram que as universidades estão participando de um processo de profunda mudança na sociedade, ao abrirem suas portas para segmentos sociais que não tinha expectativa de entrar em uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Estamos desfazendo um grande mito de que as universidades públicas são espaços para pessoas privilegiadas. De fato, em algum momento de suas histórias, foram, mas claramente já não são”, considera o reitor da UFJF, Marcus David.
Além do assunto renda, a pesquisa traz conjuntos de informações sobre os universitários relativas ao perfil básico, moradia, origem familiar, trabalho, histórico escolar, vida acadêmica, atividades culturais, saúde e qualidade de vida, além de levantamento sobre dificuldades estudantis e educacionais. Os dados revelam a composição social das instituições federais de ensino superior e como o perfil universitário se aproxima das características sociodemográficas da população brasileira, nos aspectos da renda, cor ou raça e sexo.
Maioria é de escola pública e metade é cotista
A reserva de vagas para estudantes de escola pública é realidade e o percentual de alunos que ingressaram por meio de cotas atesta o sucesso da política que começou na UFJF em 2006. Do total de graduandos, 50,4% ingressaram por meio de cotas e 49,6% pela ampla concorrência, o que reflete a reserva de metade das vagas para alunos da escola pública.
Outro dado mostra que 60,4% dos alunos são oriundos da escola pública, sendo 32,1% da escola particular e 7,5% também da escola particular, mas estudando com bolsa. Segundo o relatório da pesquisa, cai, novamente, afirmação do senso comum de que os alunos oriundos de escolas públicas ingressam menos em instituições públicas de ensino superior.
“Esse dado mostra que apesar de a reserva de vagas não abranger alunos que estudam em escola particular com bolsa, depois que eles entram, há demanda por políticas inclusivas na permanência, que são muito relevantes para a Universidade. A maior presença de alunos das escolas públicas é também um desafio para que a Universidade amplie seu diálogo com a comunidade escolar, de forma que ela reforce a defesa da universidade”, afirma o pró-reitor adjunto de Graduação, Cassiano Caon Amorim.
Número de estudantes negros chega a 40%
A população negra na UFJF representa 40,3% do total de estudantes. Desse percentual, 29,4% consideram-se pardos e 10,9% pretos. Amarelos são 1,2% do total e indígenas 0,3%. Não declararam cor 2,6% dos entrevistados. A realidade da UFJF é um pouco diferente da observada em todo o país. Nacionalmente, o percentual de estudantes negros equivale a 51,2%, chegando a 65,8% nas universidades do Nordeste. O número expressivo é, segundo relatório executivo, reflexo da adoção de políticas de ações afirmativas, de maneira especial com a criação de um programa de ação afirmativa obrigatório, por meio da Lei 12.711/2012, a Lei das Cotas.
“Quando consideramos negros, incluímos pretos e pardos, que são descendentes diretos de pretos, até por que os índices apontam que pretos e pardos são muito próximos em termos de vulnerabilidade social. A obrigatoriedade de cotas vem contribuindo para que esse perfil da população tenha acesso às universidades”, avalia o diretor de Ações Afirmativas, Julvan Moreira de Oliveira.
Graduandos estudaram mais do que os pais
A pesquisa também traz informações sobre a escolaridade dos pais dos graduandos. Os dados mostram evolução geracional no acesso à universidade, uma vez que 13,1% das mães dos alunos (ou pessoas que criaram os alunos como mães) não completaram o ensino fundamental I (até a antiga quinta série). Acumulando-se as porcentagens, 24,5% das mães não chegaram até a antiga oitava série e 33,6% não completaram o ensino médio. No todo dos entrevistados, 62,9% responderam que as mães não ingressaram no ensino superior.
Os números para os pais dos estudantes (ou pessoas que os criaram como pais) são semelhantes: 13,3% não completaram o fundamental I; 26,1% não completaram o fundamental II, 38,2% não completaram o ensino médio e, acumulando-se, 67,4% dos pais não ingressaram no ensino superior.
“Talvez muitos desses estudantes são os primeiros da família a terem acesso ao ensino superior. É preciso fazer, posteriormente, correlações de dados,, para verificarmos se as famílias de baixa renda também são aquelas em que a escolaridade é baixa. O fato de termos estudantes que são de classes trabalhadoras de renda baixa indica a busca por possibilidades de crescimento”, avalia Amorim.
O reitor Marcus David completa o raciocínio. “Criamos a verdadeira possibilidade de mobilidade social. É por esse motivo que vale a pena investir nas universidades federais. É por essas universidades que o povo brasileiro luta.”
De onde os estudantes vêm?
A maioria dos alunos da UFJF é nascida no estado de Minas Gerais: 78,6%. O segundo estado que traz mais estudantes para a Universidade é o Rio de Janeiro, com 12,2% dos discentes. São Paulo fica em terceiro lugar, com 4,8% dos alunos, seguido pelo Espírito Santo, com 1,1% dos estudantes. O dado mostra que o conjunto de estudantes da UFJF representa a população do Sudeste. No entanto, 1,1% dos estudantes são de outros 18 estados da federação e do Distrito Federal, excluindo-se Amapá, Piauí, Roraima e Santa Catarina.
Maioria dos graduandos é jovem
A população jovem é a maioria entre os estudantes da UFJF. São 80,9% dos alunos até 25 anos de idade. Outros 10,6% estão na faixa entre 26 e 30 anos e os demais – de 31 a 66 anos de idade – representam 8,5%.
Sexo, gênero e orientação sexual
Segundo resultados da pesquisa, as mulheres são maioria entre os alunos na UFJF, representando 60% do total. O índice de estudantes do sexo masculino é de 39,7%; outros 0,3% dos participantes não declararam o sexo. Os números se aproximam do cenário nacional.
Conforme identidade de gênero, 92,3% dos estudantes declararam-se cisgênero (pessoa que se identifica com o gênero designado ao nascimento). Os transgêneros (que se identificam com o gênero oposto ao designado ao nascimento) representam 0,2% dos estudantes, enquanto a porcentagem de não-binários (que não se identificam integralmente com os gêneros masculino e feminino) chega a 0,7%. Neste quesito, 1,9% dos estudantes responderam que sua identidade de gênero é “outra” e mais 4,9% preferiram não se classificar ou não responder.
Os dados sobre identidade de gênero apontam que 7,7% dos estudantes da UFJF não se declaram cisgênero e se distanciam da chamada cisnormatividade.
O conjunto de dados sobre orientação sexual também aponta para a diversidade. Enquanto 77,2% dos entrevistados se consideram heterossexuais, outros 8,7% declararam-se homossexuais; 8,5% bissexuais e 1,7% disseram ser pansexuais, assexuais ou ter outro tipo de sexualidade. Preferiram não se classificar ou não responder 3,9% dos alunos.
O balanço obtido sobre sexualidade é que 22,8% dos estudantes não se declaram heterossexuais, mostrando a importância de se abrir o debate para as discussões sobre heteronormatividade na instituição. “O resultado mostra que há uma população considerável com orientação diferente de heterossexual. O número faz com que precisemos pensar políticas voltadas especificamente para esse público”, acredita Oliveira.
Pessoas com deficiência
Entre o total de alunos entrevistados, 4,2% afirmaram ter algum tipo de deficiência, seja de visão, audição, motora, intelectual ou múltipla. O percentual está abaixo do índice de pessoas com deficiências em Juiz de Fora, identificado em 14,3% pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Essa informação ainda não capta a legislação do final de 2016 que cria reserva de vagas para pessoas com deficiências. Acreditamos que, nas próximas pesquisas, o dado seja aferido e vai mostrar uma universidade mais inclusiva em relação às pessoas com deficiências”, avalia Amorim.
Relatório nacional
A pesquisa nacional ocorreu em 63 universidade federais e dois centros federais de educação tecnológica (Cefet) em todos os estados. Os dados foram coletados entre fevereiro e junho de 2018, a partir de uma amostra de 35,34% do total de 1.200.300 estudantes matriculados em cursos presenciais naquele período. Os questionários foram aplicados diretamente aos alunos, via internet, com identificação por login e senha, garantindo que cada estudante responderia apenas uma vez. Na UFJF, foram validadas 3.344 respostas, representando 18,746% do total de 17.838 estudantes no período.
Os resultados da pesquisa nacional apresentam uma série histórica, uma vez que a pesquisa foi realizada pela primeira vez em 1996, com outras edições em 2003, 2010, 2014 e a mais recente em 2018. Os dados nacionais apontam para o crescimento no número de estudantes cotistas, oriundos de escolas públicas, mulheres, negros e com renda mensal per capita de até 1,5 salário mínimo.
O relatório executivo da pesquisa aponta para o debate de diversas questões. A primeira delas é a necessidade do aumento das vagas nas universidades públicas para aperfeiçoar a democratização do acesso, em particular nos cursos noturnos. Em seguida, a manutenção da política de cotas, que vem cumprindo papel fundamental na correção de discrepâncias históricas como recorte racial, de renda e a trajetória na escola pública.
Outro aspecto que o relatório defende é a ampliação dos recursos e da política de assistência estudantil, a fim de garantir a permanência dos estudantes mais expostos a dificuldades socioeconômicas. O texto termina considerando que as universidade públicas brasileiras são as de melhor qualidade em todos os rankings nacionais e internacionais e responsáveis por pesquisa e inovação no país. Sua gratuidade é primordial para garantir a oportunidade aos cidadãos e às cidadãs brasileiros.