“Como eu garanto dignidade humana se a justiça ainda fecha os olhos para o campo dos direitos sociais?”, questiona a professora da Faculdade de Direito da UFJF, Fernanda Maria Vieira, que coordena o projeto de extensão “Rompendo as cercas jurídicas: a construção e efetivação do direito à terra e à reforma agrária na região da zona da mata mineira”. Segundo Fernanda, mesmo com o crescente número de trabalhadores escravos encontrados em fazendas brasileiras, a reforma agrária no país ainda ocorre de forma lenta e pouco eficiente.
De acordo com a docente, são questionamentos como esses que dão suporte ao projeto, que estabelece uma ponte entre integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e os futuros integrantes do sistema judiciário brasileiro. “Essa troca de experiências formarão juristas mais atentos às necessidades da sociedade no campo da justiça social”, afirma Fernanda Vieira, coordenadora do projeto.
A estudante do curso de Direito e bolsista do projeto Vanessa Lopez, afirma que esse contato proporciona, muitas vezes, aprendizado maior do que o obtido em sala de aula. “A troca de experiências com essas pessoas que estão na militância é muito enriquecedora. Muitas vezes, ficamos presos aos discursos teóricos e não temos contato com a luta real”, destaca a estudante do curso de Direito, Gabriela Cavalcanti, que também integra o projeto.
As atividades do projeto começaram a ser desenvolvidas após diálogos entre a equipe da iniciativa com e as famílias dos assentamentos rurais do MST, Olga Benário, em Visconde do Rio Branco (MG), e Denis Gonçalves, em Goianá (MG), ambos na Zona da Mata Mineira. Nos encontros, as famílias apresentaram as principais demandas nas áreas de assessoria jurídica e de formação no campo. “Optamos por trabalhar com o movimento organizado, pois nos permitiria aprender por meio da própria percepção sobre a legislação e a forma como eles interpretam o texto constitucional”, esclarece Fernanda. Desde sua criação, a equipe do projeto já visitou duas vezes as comunidades para promover a formação dos moradores e acompanhar o processo judicial desapropriatório do acampamento Denis Gonçalves.
Formação dos Assentados
Os integrantes do projeto realizaram um módulo de formação no próprio acampamento, no qual traçaram uma linha do tempo desde a criação das Sesmarias, durante o Brasil Colônia, até a função social trazida pela constituição de 1988. “Traçamos essa linha para que eles entendessem os momentos históricos e como o direito vai sendo utilizado no processo conhecido como escravização da terra.” De acordo com a coordenadora do projeto, uma das maiores preocupações foi transmitir a informação para um setor cuja maior parte é formada por pessoas com baixo nível de alfabetização.
A forma encontrada pelo projeto para que eles compreendessem tais informações foi realizar uma espécie de teatro, no qual esses acontecimentos históricos foram dramatizados de forma com que os assentados pudessem ser envolvidos pela história. “Usamos esquetes para transpor o conteúdo, que tradicionalmente seria colocado de forma exaustiva, de um jeito mais dinâmico, com o intuito de ilustrar as situações”, explica a bolsista Gabriela.
A docente conta que durante as apresentações, os moradores interagiam ao contar exemplos vivenciados por eles e que tinham relação com o conteúdo. Para Fernanda, essa capacidade de uma comunidade reconhecer sua própria trajetória baseada na história do Brasil é muito importante, pois permite compreender os vínculos do presente com a história do passado.
Reforma Agrária
Outra função do projeto é organizar uma audiência pública, com o objetivo de mostrar para o sistema judicial que o MST é um ator fundamental no processo de melhorar a distribuição da terra. Porém, antes de realizar a audiência, o projeto precisa reunir dados para efetuar um diagnóstico do funcionamento do processo de reforma agrária em Minas Gerais com o objetivo de apontar o que pode ser feito para aperfeiçoá-la. Segundo Fernanda, “essas informações são fundamentais para que possamos produzir uma audiência pública completa e apontar aquilo que podemos melhorar”. A docente acredita que, apesar de Minas Gerais ter uma vara agrária federal e uma estadual, a justiça tem decidido, na maioria das vezes, em favor do proprietário.
A Constituição de 1988 institui a função social da propriedade como imperativo para a posse da terra. Porém, segundo a docente, o sistema judiciário ainda lê a propriedade a partir do código civil, no qual, impera a defesa absoluta do direito da mesma. “O olhar que eu devo ter sobre o direito de propriedade não é mais do direito privado e sim do direito público.”