Ancorado à entrada da Galeria Poliedro, no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o vídeo com a entrevista da artista plástica italiana Simona Weller pode ser conferido a partir desta quinta-feira, 27 de outubro, dando voz à autora da serigrafia “Mare-Monti”, de 1972, que integra a mostra “Coleção Murilo Mendes: 25 anos”, em cartaz nos espaços expositivos da casa desde julho. 

Remanescente do seleto círculo de amizades de Murilo Mendes, Simona Weller revisita os anos 1960 em vídeo gravado no início de 2022 (Foto – Divulgação)

Remanescente do seleto círculo de amizades do poeta juiz-forano, a pintora conversou sobre temas diversos, revisitando os anos 1960, quando teve início a estreita relação de amizade com o casal Mendes/Maria da Saudade, cuja residência se transformava em refinado ponto de encontro com jovens talentos representativos da arte e da cultura na Europa. 

O vídeo, gravado no início de 2022, ainda com a pandemia de Covid-19 sendo uma ameaça, trouxe à tona memórias importantes e inéditas sobre o escritor, que atuava na Itália como professor e adido cultural, além de crítico de arte. “O interessante é que nesta espécie de ninho que era sua casa, na Via del Consolato, nº 6 – ainda me lembro – , no centro histórico de Roma, dançava-se muito, do tango ao cha-cha-chá e à valsa, e quando não se estava dançando, escutava-se Mozart, um dos seus compositores preferidos”, conta Simona, detalhando o primeiro encontro, por volta de 1965, a partir de um convite para realizar uma exposição individual na Casa do Brasil, na Piazza Navona.

Também à disposição do público pelas redes sociais e pelo canal do Mamm/UFJF no YouTube, o vídeo mostra Simona iniciando seu depoimento com o reconhecimento de que Murilo Mendes foi fundamental para estabelecer novos rumos em sua carreira. “Depois desta primeira mostra na Casa do Brasil, minha pintura deu um passo à frente. Passei a me dedicar à escritura e ao mundo da infância. Eu estava fascinada pela poesia que eram os cadernos de crianças, as frases dos professores, as recomendações, observações como ‘o seu dever está muito bom’. Este ‘muito bom’ escrito de um modo diferente e, assim, praticamente, eu fiz uma série de trabalhos me inspirando no mundo da infância, do abecedário, dos cadernos.”

Serigrafia Mare-Monti, de 1972, de Simona, integra a “Coleção Murilo Mendes 25 Anos” (Foto – Divulgação)

Sobre a gênese de sua obra pertencente à coleção Murilo Mendes, Simona conta que o verão de 1972 foi decisivo: “Eu e Cesare Vivaldi fomos convidados para ir a Calice Liguri por Emilio Scanavino, que tinha um enorme estúdio e chamava artistas de todo o mundo, como Andy Warhol, dos EUA, para escrever a sua autobiografia, e Beuys, da Alemanha, para fazer uma de suas performances. Essa cidadezinha era uma espécie de oficina, com fotógrafos, impressores, ceramistas com os seus fornos… E havia um tal de Camilli, que abriu um laboratório de serigrafia e começou a selecionar os melhores artistas da região para fazer uma obra. Tive a honra de ser chamada. Na época, eu tinha acabado de conhecer a história do mundo infantil, o quadro negro, e reproduzi o exercício ´Mares e Montes’. Era uma técnica com as palavras repetidas que eu havia descoberto há pouco tempo”.

“Na infinita solidão do ponto-e-vírgula, este desocupado”
Um momento especial da convivência de Simona com Murilo Mendes foi quando o escritor lhe dedicou um poema. “Eu praticamente reconstruía imagens de um caderno, fazendo o fundo branco ou fundo preto, e colocava os temas, os exercícios, geralmente uma palavra em especial. Então, ele praticamente se inspirou nessa minha nova pintura para escrever uma poesia completamente surreal, muito divertida, com um verso que todos os meus curadores citavam: ‘na infinita solidão do ponto-e-vírgula, este desocupado’, o que era muito representativo da minha nova pintura”, conta.

Ao longo do tempo, outros temas e sujeitos perpassam as obras da artista, com destaque para as paisagens abstratas. “Na realidade, foi uma busca pela tradução de sonhos, de sensações, por alguma coisa inacessível, inalcançável. É muito difícil de definir, porque uma pessoa que escreve ‘amanhecer’ e tenta reconstruir as cores do amanhecer, ou que escreve ‘mar’, com todas as implicações da descoberta do mar, é difícil de explicar”. Nesse sentido, ela retoma uma recordação especial: “Uma que me aquece o coração e a qual nunca me esquecerei, e não é um reconhecimento, mas uma descoberta relacionada a um pastel azul, a uma tela branca e à palavra ‘mar’ repetida infinitas vezes… Enquanto eu escrevia ‘mar’, como se inspirada por um tipo de transe, entrou Cesare Vivaldi e falou: ‘Finalmente, você descobriu o que é a arte contemporânea’. E esta revelação de estar na estrada justa foi muito mais importante do que qualquer medalha, incluindo a de Comendadora da República que recebi”.

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