O Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF/Ebserh) possui um Ambulatório de Endometriose, doença crônica que afeta cerca de 10% da população feminina brasileira. Na instituição, as mulheres são atendidas por uma equipe multidisciplinar, envolvendo várias especialidades médicas, fisioterapia, nutrição e psicologia.

Atendimento é feito por uma equipe multidisciplinar, envolvendo várias especialidades médicas, fisioterapia, nutrição e psicologia (Foto: Alexandre Dornelas/UFJF)

A endometriose é uma doença em que o tecido de revestimento interno do útero, o endométrio, se implanta e cresce em outros órgãos, como ovários, trompas, bexiga e intestinos. Os principais sintomas da endometriose são: cólicas intensas durante o período menstrual, dor pélvica crônica, dor durante a relação sexual, alterações intestinais e urinárias na fase da menstruação, além de infertilidade.

Como explica a responsável pelo Ambulatório de Endometriose, a médica ginecologista Luzia Salomão, geralmente o diagnóstico é difícil. As pacientes são encaminhadas pelas unidades básicas de Saúde (UBSs) ou chegam através do próprio Serviço de Ginecologia do HU. “É uma paciente que vem com muita dor. Recebemos casos de leves a graves, e a gente procura acolher e acompanhar. Fazemos os exames para saber o nível de acometimento da doença e definir o tratamento clínico ou cirúrgico, a depender do caso”, relata.

O tratamento clínico é feito com medicamentos visando o bloqueio ovariano, para que a doença não progrida, e encaminhamento à fisioterapia pélvica, nutrição e psicologia. No HU também são realizadas cirurgias por videolaparoscopia, indicadas para quando não há sucesso no controle da dor no tratamento clínico. No entanto, conforme Luzia, a maioria das pacientes fica muito bem com o tratamento clínico, com acompanhamento completo anualmente, inclusive com exame de ressonância magnética.

A médica ressalta a importância desse atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). “É uma doença cara, difícil de manejar, muito crônica, então é fantástico, inclusive para os residentes também terem contato com a condução desses casos. Desejando engravidar, a mulher também recebe encaminhamento para o Ambulatório de Infertilidade no HU”. Luzia alerta que as mulheres devem fazer os exames preventivos anuais e dores fortes não devem ser ignoradas.

O chefe do Serviço de Ginecologia do HU-UFJF, Homero Gonçalves Júnior, preocupa-se com o crescente número de mulheres que chegam ao Hospital com endometriose, mulheres jovens, com dor e muitas vezes com problemas de infertilidade. “São tratamentos difíceis e que requerem um grande envolvimento das pacientes. A endometriose é uma preocupação real do Serviço de Ginecologia que tem nos mobilizado: discutimos casos, fazemos cirurgias, trabalhamos em parceria com outros serviços. É importante dizer que o HU tem disponibilidade em atender essas mulheres.”      

Acompanhamento multiprofissional
Na equipe multi do Ambulatório de Endometriose, a fisioterapia pélvica atua diretamente no alívio da dor causada pela endometriose, afirma a fisioterapeuta Elaine Moura. “Essas mulheres normalmente sentem dores na região do baixo ventre, na região abdominal, dor para evacuar e também durante e após as relações sexuais, afetando diretamente a qualidade de vida”, frisa.

Segundo a profissional, a origem dessas dores vem das aderências que a própria endometriose causa, o que afeta a movimentação das fáscias (camada fina de pele que envolve o músculo, permitindo que deslize mais fácil um contra o outro), dos fluídos e dos músculos. “Quanto menos movimento essas estruturas tiverem, mais dor as mulheres vão sentir, além de se sentirem inchadas porque esses fluídos não estarão movimentando de forma correta, causando inchaço abdominal e afetando a autoestima. Ou seja, a endometriose é muito complexa. A fisioterapia pélvica ajuda a liberar as estruturas que estão com pouco movimento, aliviando as dores e, consequentemente, reduzindo o inchaço abdominal”, esclarece.

Outra aliada no tratamento é a nutrição. No hospital, Regiane Faia acompanha mulheres com endometriose. Com formação em Nutrição e Educação Física, atualmente desenvolve pesquisa de mestrado em Imunologia e Microbiologia no HU, sob orientação e supervisão da professora Vânia Silva, do Laboratório de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFJF.

O projeto estuda a análise da microbiota intestinal de mulheres portadoras de endometriose dentro de um protocolo alimentar e atividade física. “Em um primeiro momento, atendemos as pacientes em uma consulta, ouvimos os sintomas, fazemos a avaliação física, prescrevemos um protocolo nutricional e de orientação de atividade física. No primeiro e no segundo encontro, coletamos amostras fecais para análise de extração de DNA, através da técnica de rep-PCR, em que iremos analisar e verificar quais tipos de filos estão presentes, e depois comparar se houve mudança com o protocolo nutricional e com a atividade física”, explica.

Conforme Regiane, acredita-se que uma alimentação saudável, livre de xenobióticos, alimentos que aumentam a inflamação sistêmica, junto com uma atividade física adequada, possam diminuir ou até minimizar os sintomas provocados pela endometriose, como as fortes dores e a infertilidade. “Esperamos que o estudo abrirá portas para ajudar muitas mulheres que sofrem com endometriose”, pontua.

“Escuta a minha dor”
Também com o intuito de informar e orientar as mulheres, o Projeto de Extensão “Escuta a minha dor” desenvolve um trabalho de educação em saúde por meio das redes sociais. O projeto é um trabalho dos alunos da Liga de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFJF, coordenado pela professora e médica ginecologista Fernanda Polisseni.

Adaptado à realidade da pandemia de Covid-19, foi criado um perfil de Instagram, no qual são publicadas, periodicamente, informações relevantes e confiáveis. “Isso estimula os alunos a estudarem mais sobre o tema “endometriose e infertilidade” e a se atualizarem. As pacientes têm acesso rápido e fácil ao conteúdo, tornando mais simples o entendimento da doença”, assegura a professora.

Além disso, acrescenta, foram criadas rodas de conversa, que têm acontecido de forma on-line, das quais as pacientes do Ambulatório de Endometriose do HU são convidadas a participar, expor suas dúvidas, fazer perguntas e compartilhar vivências. A cada roda de conversa, um especialista está presente para responder às questões: nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, ginecologista, cirurgião e outros. É uma forma que encontramos de dar voz a essas mulheres que sofrem com a endometriose, sempre pensando em escuta e acolhimento. Tem sido uma experiência incrível e emocionante”, comemora.

São cinco alunos da Medicina que participam do “Escuta a minha dor”: Iara Torres, Luana Rodrigues de Melo, Luísa Guarçoni de Almeida, Marcella Martins e Matheus Oliveira. Segundo eles, o Instagram (@escutaminhadorufjf) tem grande abrangência, proporcionando informação a mulheres de todo o Brasil sobre a endometriose. Os números são animadores. Mais de mil seguidores e mais de 40 postagens. “A interação com o conteúdo tem superado nossas expectativas e estamos sempre abertos a responder quaisquer dúvidas.”

Causas da endometriose
As causas da endometriose ainda são incertas para a Medicina. No entanto, atualmente, sabe-se que é uma doença multifatorial. Isso porque fatores imunológicos, hormonais, genéticos e ambientais desempenham papel importante no seu desenvolvimento, manutenção e evolução.

Principais sintomas
. Dismenorreia – cólica que ocorre durante o período menstrual e que, na endometriose, tende a se agravar ao longo do tempo e ser de forte intensidade. Ela está presente em 80% das pacientes.
. Dor pélvica crônica – dor em região de baixo ventre que ocorre constantemente, independente da fase menstrual. Está presente em 70% das pacientes.
. Dispareunia – dor durante a penetração na relação sexual, localizada no fundo da vagina. Está presente em aproximadamente 50% das pacientes.
. Alterações intestinais durante o ciclo menstrual – são mais comumente manifestadas como dor intensa ao evacuar, sensação de evacuação incompleta ou sensação de inchaço na barriga.
. Alterações urinárias cíclicas durante o período menstrual – podem ser desejo súbito de urinar, sangramento durante a micção, mais idas ao banheiro para urinar e dor intensa neste ato.
. Infertilidade – dificuldade de engravidar no período de um ano tendo relações sexuais sem uso de métodos contraceptivos. Está presente entre 30 a 50% das mulheres com endometriose.

É importante lembrar que aproximadamente 6% das mulheres com endometriose podem ser assintomáticas, e a busca por atendimento médico e a definição do diagnóstico ocorrem apenas quando percebem dificuldade para engravidar. 

Tratamentos
No contexto do tratamento da endometriose, deve-se salientar que não existe um protocolo universal que irá atender 100% das pacientes. Na prática, o que deve ser feito é a avaliação junto ao ginecologista dos sintomas, planos de gravidez, idade e fase da endometriose, visando buscar a melhor estratégia terapêutica. Porém, dentre os medicamentos, geralmente, indicados estão: anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), pílulas anticoncepcionais (combinadas e somente com a progesterona) e agonistas do GnRH, cada um com suas particularidades e indicações para diferentes casos. Por outro lado, em casos de endometriose moderada e grave, que não responderam bem ao tratamento clínico, a cirurgia pode ser uma ótima opção.

Atendimento no SUS
Atualmente, o SUS garante cobertura ampla e multidisciplinar para as pacientes portadoras da endometriose, disponibilizando desde consultas médicas, exames e medicamentos até a cirurgia. Além disso, cabe ressaltar que praticamente todos os medicamentos com indicação terapêutica para endometriose são de fácil acesso pelo SUS. Alguns tratamentos complementares, como fisioterapia, psicoterapia e acompanhamento com nutricionista também são fornecidos pelo sistema público, proporcionando assim um cuidado multidimensional e melhora na qualidade de vida da paciente.