O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Carlos Gadelha, ministrou uma conferência integrada à programação da 73ª edição da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) nesta terça-feira, 20. Com apresentação do também pesquisador da Fiocruz, Renato Cordeiro, o debate priorizou a discussão sobre como consolidar o Brasil como país desenvolvido e independente. De acordo com Gadelha, os responsáveis pelas instâncias nacionais, estaduais e municipais devem compreender que desenvolver não trata-se de investir somente em técnica, mas também de implementar um processo de mudança social.
“A ciência, a tecnologia e a inovação estão para o século XXI assim como o petróleo esteve para o século XX. Temos que instituir políticas de estado que articulem todas as dimensões do país para que todas elas não exerçam seus papéis apenas em situações de crise e divergência, mas também em momentos de união nacional em torno do bem-estar, da saúde e da democracia”, defende Gadelha, que atuou como Secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde entre 2011 e 2014.
75% das doses de vacinas administradas em todo o mundo foram aplicadas em 10 países
O pesquisador utilizou exemplos recentes para demonstrar a necessidade urgente de investimento e valorização da ciência e da inovação brasileiras. “Durante a pandemia da Covid-19, a globalização mostrou uma face perversa quando analisamos a concentração desigual de vacinas: 75% das doses de vacinas administradas em todo o mundo foram aplicadas em 10 países, e 54% das doses adquiridas está concentrada em somente 16% da população mundial. Não podemos ser dependentes e deixar o conhecimento concentrado nas mãos de tão poucas nações.”
Gadelha argumenta que, no caso da incapacidade do Brasil de inserir-se de forma soberana na geopolítica global – frente às ameaças ao direito à vida, ao bem-estar social, à manufatura nacional e ao investimento na produção de conhecimento e tecnologia –, o país corre o risco de retroceder centenas de anos no cenário mundial. “Sem conhecimento, não é possível termos uma sociedade, nem soberania ou direitos. Impedidos de sermos uma nação independente, ficamos à mercê de um novo pacto colonial.”
“Não podemos ser dependentes e deixar o conhecimento concentrado nas mãos de tão poucas nações”, Gadelha
Para o pesquisador, a defasagem da produção científica e tecnológica transborda para a defasagem social, aumentando a desigualdade no país, citando exemplos de outros países que sofrem com quadros semelhantes. Inspirado pelo economista brasileiro Celso Furtado, Gadelha afirma que “a inovação tecnológica tem papel central na inovação social”.
O que pode ser feito?
Interpelado pelo colega pesquisador Renato Cordeiro, Gadelha discutiu caminhos para reverter o cenário de dependência e pouca valorização científica. “O Brasil tem as peças do quebra cabeça: nós temos um sistema de saúde invejável, que mostra seu valor toda vez que alguém vai se vacinar, mas que também é o mais subfinanciado do mundo. Estamos no momento de colher todo o ouro que plantamos nos campos da ciência, tecnologia e inovação, mas estamos fazendo o inverso”, lamenta.
O cientista, no entanto, prossegue: “Casos como os da Índia e da China nos mostram que é possível reverter isso. A Índia, por exemplo, usou o período de transição na legislação de propriedade intelectual por dez anos; nós não. A China representava apenas 1% das importações do Brasil há 20 anos; e, hoje, nosso combate à Covid-19 depende de produtos chineses. Essas lições mostram que ainda há tempo.”
“O investimento feito em ciência e tecnologia no Brasil é fantástico, o mais consolidado da América Latina, que insiste em resistir apesar de todo o corte de verbas. Felizmente, contamos com um sistema resiliente e forte. Não podemos nos conformar e devemos criar um ambiente em que o bem-estar, a ciência, a tecnologia e a inovação sejam os principais investimentos da sociedade do futuro”, conclui Gadelha.
O evento conta também com programação Jovem e Família, além de eventos culturais ao longo de sua duração. Toda a programação e a cobertura dos eventos estão reunidas no hotsite da 73ª Reunião Anual da SBPC na UFJF.