De acordo com os dados da pesquisa Violência Doméstica durante a Pandemia de Covid-19 em Juiz de Fora – MG, desenvolvida pelo professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Wagner Barbosa Batella, o número de denúncias pelo telefone sobre violência doméstica em Juiz de Fora foi agravada no período de pandemia. O dado mais impactante do estudo, que analisou os meses do primeiro semestre de 2018, 2019 e 2020, foi o aumento de 450% no número de registros de estupro de vulnerável no período de 2020 em relação ao ano anterior.
Apesar de os crimes de ameaça, lesão corporal e vias de fato, que representam respectivamente 49,6%, 17,7% e 30,3% de todas as ocorrências computadas nos três semestres analisados, terem apresentado queda de 15% nos registros, o pesquisador alerta que essas categorias criminais são fortemente marcadas pela subnotificação, ou seja, o problema é muito maior do que o registrado. “A partir dos dados analisados, observamos que os registros de violência doméstica diminuíram no primeiro semestre de 2020.
Por outro lado, as denúncias pelos telefones 190 e 180, na Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, tiveram expressivo crescimento em todo Brasil, da ordem de 27% entre os anos de 2019 e 2020”, reitera Batella. Um dos principais motivos apontados foi pela dificuldade de se buscar ajuda presencial. O quadro foi mais grave entre os mais vulneráveis, que já padecem de precárias condições socioeconômicas.
Em 2020, registros de estupro de vulnerável aumentaram 450% em comparação aos anos anteriores.
O estudo aponta que mesmo com queda nas notificações, é possível que tenha havido um crescimento substancial nos casos. “Essa defasagem dos resultados se deve à dificuldade de as vítimas buscarem apoio presencial. Além das restrições de deslocamento na cidade, alguns equipamentos, como, por exemplo, a Casa da Mulher, que é um centro de referência em proteção às mulheres, ficaram fechados por um período em função das medidas restritivas de enfrentamento à pandemia”, reforça o pesquisador.
De acordo com Batella, as vítimas que decidissem registrar a violência enfrentavam um impasse: expor-se à possibilidade de contaminação ao sair de casa ou continuar numa situação de risco de violência no lar. Soma-se a isso, o agravamento da situação econômica que se seguiu à pandemia, o que potencializa a precariedade desses lares.
Professor do Departamento de Geociências e do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGGeo), Batella explica que, historicamente, os dados de violência doméstica registram apenas parte do problema, pois a maioria dos atos violentos desta categoria não são efetivamente notificados. “Isso porque, em grande medida, as agressões envolvem membros da própria família, gerando tabus e dificuldades que derivam de uma cultura machista e patriarcal”, alerta.
Publicada no livro “Crime e Território: estudos e experiências em políticas de Segurança Pública”, a pesquisa aponta que apesar de Juiz de Fora ser o quarto município em termos populacionais de Minas Gerais, é considerado o segundo em registros de violência doméstica, ficando atrás apenas de Belo Horizonte.
O recorte temporal do estudo se deve a pesquisas pretéritas pelas quais “identificamos que os crimes em destaque são mais recorrentes nos primeiros meses do ano, sobretudo em janeiro, em função do maior convívio entre os membros das famílias, devido às férias escolares e outras variáveis, como maior socialização”, explica Batella.
As principais vítimas da violência doméstica têm cor, são as mulheres negras e pardas, e possuem menor escolaridade.
Influência da pandemia
As tipificações criminais – ameaça, lesão corporal e vias de fato – são resultantes de conflitos interpessoais, que têm causas distintas, e são mais recorrentes em condições de confinamento. Segundo o pesquisador, essa redução de 15%, apesar de ser o registro oficial, deve ser vista com desconfiança, uma vez que as condições de restrições impostas pelo quadro epidemiológico limitaram a possibilidade de registro por parte das vítimas.
“O forte aumento das taxas de estupro de vulnerável, por outro lado, evidencia o lado mais perverso da pandemia, pois mostra como se falhou em proteger as crianças e jovens menores de 14 anos, bem como aqueles marcados por enfermidades ou doenças mentais que lhes impossibilite de oferecer resistência.”
Raça, gênero e cor
De acordo com Batella, as principais vítimas da violência doméstica têm cor, são as mulheres negras e pardas, e possuem menor escolaridade, o que é indicativo de sua condição social. “São mulheres já marcadas pelas condições de vida mais precárias e que estão mais expostas à violência doméstica durante o quadro epidemiológico. Urge que as políticas públicas de proteção sejam priorizadas para essas mulheres, identificadas como as principais vítimas neste e em diversos outros estudos sobre violência.”
O estudo contou com a colaboração do geógrafo, Marcelo Aleixo Mascarenhas, e do docente da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Rafael de Castro Catão.