Elas já foram vistas com desconfiança quando de sua criação, já deram nome a uma revolta ocorrida no Brasil, em 1904, e ainda hoje são alvo de boicotes e de notícias falsas. Apesar desses ataques, as vacinas sobrevivem como uma das principais ferramentas da ciência para a prevenção e erradicação de doenças. Estima-se que anualmente elas sejam responsáveis por evitar a morte de até três milhões de pessoas ao redor do mundo.
Por isso, numa época em que a humanidade sofre com a pandemia do novo coronavírus, elas provocam esperança, expectativa e uma verdadeira maratona entre cientistas e laboratórios, que correm contra o tempo para descobrir uma cura para a covid-19, que só no Brasil já matou mais de 16 mil pessoas.
Nesta matéria vamos conhecer um pouco da história das vacinas, seus métodos de produção, testagem e os desafios enfrentados para a criação de uma fórmula para combater o coronavírus.
A vaca da varíola
Depois de ler este texto, aposto que da próxima vez em que encontrar uma vaca pastando solenemente por aí, você vai olhar para ela de um jeito diferente. É que as experiências com esse animal são consideradas um marco no processo de imunização, a base das vacinas como conhecemos hoje. E o responsável pela descoberta foi o médico inglês Edward Jenner.
No ano de 1789, ele começou a perceber que as mulheres que ordenhavam vacas não eram contaminadas pela varíola – doença que à época matava em torno de 400 mil pessoas por ano –, desde que elas tivessem adquirido a versão animal da doença. Então, em 4 de maio de 1796, Jenner extraiu o pus da mão de uma dessas trabalhadoras contaminada pela varíola bovina e introduziu a substância em James Phipps, um garoto saudável de oito anos. Ele contraiu a doença em sua forma mais branda e depois se curou. E não parou por aí. O médico injetou um líquido extraído de uma pústula de varíola humana no mesmo menino, que não contraiu a doença. Phipps estava imune.
Como a descoberta de Edward Jenner surgiu de uma doença bovina, foi batizada de vaccina, do latim “que vem da vaca”. Desde então, os antídotos desenvolvidos com base no processo de atenuação do agente causador de uma doença recebem o nome de vacina.
O processo de produção
Um princípio fundamental envolve a produção das vacinas: a forma morta ou enfraquecida de um agente causador de doença – um vírus ou bactéria, por exemplo – em contato com o sistema imunológico gera uma resposta do corpo humano, que passa a produzir mecanismos de proteção contra o microrganismo vivo, ou seja, em sua versão mais forte e devastadora. É como se o corpo passasse por um treinamento para, quando a doença de fato chegar, estar preparado para combatê-la.
“A ideia é induzir no indivíduo uma resposta primária, mais demorada e menos eficiente – devido a um número reduzido de células disponíveis específicas para esse patógeno – e, então, a formação das células de memória, que irão sobreviver por um longo período no organismo. Quando o patógeno entrar em contato novamente com o indivíduo, as células de memória que foram produzidas no primeiro contato vão combatê-lo, desta vez com mais agilidade e eficiência, pois são mais numerosas”, explica a professora de imunologia do campus Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-GV), Pauline Leite.
Só que esse é um processo difícil e demorado. É que os pesquisadores precisam atingir um equilíbrio: encontrar aquela substância – o chamado antígeno – que estimule a resposta imunológica do organismo e, ao mesmo tempo, não provoque a doença. E para chegar aos resultados é preciso realizar uma série de experimentos, que vão desde o estudo em laboratório das propriedades biológicas, químicas e físicas do antígeno até testes em animais e, finalmente, os ensaios clínicos em humanos.
Testes em humanos: a fase mais demorada
Primeiro, a vacina é aplicada em um pequeno grupo de voluntários – 20 a 100 – a fim de verificar a segurança da substância. A partir daí, os ensaios vão exigindo um número maior de pessoas para testar a sua eficiência. Na última etapa, os vacinados precisam entrar contato com o vírus de forma natural, o que pode levar tempo. Não por acaso, a produção de uma vacina demora entre 10 e 20 anos.
Mas de acordo com a docente da UFJF-GV, a situação de emergência provocada pela pandemia da covid-19 tem levado os pesquisadores a repensarem todo esse processo. “Já existem mais de 100 candidatos à vacina sendo testados, sendo que alguns já estão na etapa de ensaios clínicos envolvendo seres humanos. Esses testes estão adiantados devido a estudos anteriores utilizando outros tipos de coronavírus – como o causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers) –, que forneceram subsídios para as pesquisas com relação à produção de uma vacina contra o causador da covid-19”, afirma Leite.
Na opinião da imunologista, se as estimativas de produção de um antídoto contra o novo coronavírus até o final de 2021 se confirmarem – o que ela torce para acontecer – estaremos diante de um “tempo recorde na criação de uma vacina”.