Há exatamente um ano, a onça-pintada que circulava em Juiz de Fora era capturada no Jardim Botânico da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Na última segunda-feira, 11, foi encontrado o colar do animal junto a restos de um tamanduá-mirim, muito provavelmente caçado pelo felino. “Estamos felizes por saber que há indicativos suficientemente fortes de que o animal está vivo e que esta história tem um desfecho de sucesso”, comemora o professor da UFJF Artur Andriolo.
Colocado no animal quando foi capturado, o colar estava programado para ser aberto automaticamente em cerca de um ano – que é o tempo estimado da bateria do dispositivo chamado drop-off. “Quando sua carga é esvaziada, esse aparato faz com o que o colar se abra. O drop off se alimenta de bateria independente da que abastecia o sistema de GPS, também presente no colar, que havia parado de emitir sinais de localização”, explica o professor Fernando Azevedo, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), participante da captura da onça-pintada e coordenador de projetos sobre felinos.
Há pelo menos três indicadores que relacionam as fotos à onça-pintada de Juiz de Fora. Somente ela usava um colar com o compartimento branco para GPS. As outras três onças do local possuíam coleira na cor preta. A carcaça do tamanduá foi encontrada a cerca de sete quilômetros de onde a onça foi introduzida, em 2019, apontando para um território de uso do animal. “Pelos vestígios e manchas de sangue fresco da caça, foi possível estimar também que ela esteve no local se alimentando havia cerca de 12 horas”, afirma Azevedo.
“Esses são sinais fortes de que ela está bem, está caçando e estabeleceu território na área onde foi solta. Muito provavelmente pode ter cruzado com alguma fêmea – há duas no local -, considerando o tempo em que está no território. Só há outro macho na área e aparentemente cada um estabeleceu seu espaço”, comemora Azevedo. O local ainda está sendo monitorado por câmeras instaladas pela equipe do pesquisador em março de 2020. Os registros ainda serão verificados.
Conforme o professor esse é o primeiro caso de sucesso de translocação de uma onça-pintada em região de Mata Atlântica. “Há muitos anos uma onça desse bioma foi levada para o Pantanal. Mas entre áreas de Mata Atlântica é o primeiro registro documentado de que tenho notícia.”
O professor Artur Andriolo destaca que o desfecho deste caso valida as discussões e medidas estratégicas, tomadas com embasamento técnico e apoio de profissionais de sete instituições públicas, enquanto o felino circulava, sob risco, em áreas urbanas de Juiz de Fora e na Mata do Krambeck, onde fica o Jardim Botânico. Ainda segundo o professor, esses sinais de vida da onça-pintada corroboram as decisões de preservar a vida do animal, capturá-lo e levá-lo para área natural mais ampla, em vez de cativeiro ou outro ambiente. “Essa resolução reforça também a esperança de conservação da espécie”, ressalta.
A sobrevivência do animal e a segurança de moradores de bairros do entorno do Jardim Botânico e de possível circulação do felino eram algumas das preocupações da pró-reitora de Extensão da UFJF, Ana Lívia Coimbra, também atuante no período de captura do felino. “Para chegarmos a essa resolução, foi realizado trabalho conjunto que envolveu instituições e representantes da comunidade, com repercussão em trabalhos escolares sobre educação ambiental.” Além da UFJF e da UFSJ, atuaram nesse processo o Instituto Estadual de Florestas (IEF), o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap/ICMBio), o Campo de Instruções do Exército Brasileiro em Juiz de Fora, o Corpo de Bombeiros, o Ibama, a Polícia Militar, incluindo a de Meio Ambiente, e a Prefeitura de Juiz de Fora. “Nesse tempo atual de tantas notícias tristes, sabermos que a onça está bem nos deixa muito felizes”, completa Ana Lívia.
O sentimento é compartilhado também pelo diretor do Jardim Botânico, Gustavo Soldati, para quem o processo simboliza um aporte conjunto de conhecimento técnico da universidade e de instituições públicas parceiras. “Em tempos de acirramento da crise ambiental, o caso da onça-pintada foi oportuno para trazer à tona, com mais intensidade, diversas temáticas, como a conservação das florestas para abrigo da fauna, trabalhadas em atividades de educação ambiental no Jardim.”
Histórico
Uma onça-pintada foi registrada, em vídeo, no Jardim Botânico na noite do dia 25 de abril de 2019, por um dos vigilantes do local. Desde então até a noite de 12 de maio, a UFJF e mais seis órgãos ambientais e de segurança locais, estaduais e nacional mobilizaram-se em torno do caso. O felino foi ainda filmado em frente a um hotel, na Avenida Brasil, em ruas de bairros da Zona Norte e em mais localidades. Para evitar riscos de atropelamento e outros acidentes com a população e animais domésticos e para ofertar condições apropriadas para o felino, a onça foi capturada e introduzida em área florestal mais ampla, em Minas Gerais.
O animal recebeu um colar equipado com GPS, com transmissão via satélite, para monitoramento. O uso de colar é a opção mais amplamente utilizada em animais silvestres de vida livre, como o caso da onça-pintada. Não é recomendado o uso de chip, empregado geralmente em espécies em cativeiro ou zoológico para cadastro, mas não para monitoramento. A leitura também exige proximidade do animal. O GPS parou de emitir sinais. Uma das causas é o desgaste da bateria. “Trabalhamos com o melhor equipamento, o colar possui uma tecnologia muito refinada. Ele tenta mandar sinal a cada 12 horas para o satélite. Quando não consegue, ele retoma essa tentativa de conexão. O que pode ter acontecido é ter esgotado a bateria de tanto que buscou conexão e não conseguiu. Aí ela se esgota precocemente”, afirmara, em 2019, o analista Rogério Cunha, coordenador substituto do Cenap/ICMBio.
Uma busca em terra por sinais UHF do colar também foi realizada, em dezembro de 2019, pelo professor da UFSJ Fernando Azevedo. O pesquisador percorreu os últimos trechos de movimentação da onça, indicados pelo mapeamento. “É uma área de acesso muito difícil, montanhosa, com muitas grotas [cavidades provocadas por águas pluviais em morros, serras] e locas [esconderijos] no meio da mata. Pretendemos fazer nova etapa de coleta de dados, neste ano, caso as verbas que estamos pleiteando sejam disponibilizadas.” Por fim, em maio de 2020, o colar do animal foi encontrado em área próxima do local de mapeamento junto ao restos de caça de um tamanduá-mirim, muito provavelmente abatido pelo felino.