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Foi encontrado na última segunda, 11, o colar branco posto no animal (Foto: Pedro Nobre, maio/2019)

Há exatamente um ano, a onça-pintada que circulava em Juiz de Fora era capturada no Jardim Botânico da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Na última segunda-feira, 11, foi encontrado o colar do animal junto a restos de um tamanduá-mirim, muito provavelmente caçado pelo felino. “Estamos felizes por saber que há indicativos suficientemente fortes de que o animal está vivo e que esta história tem um desfecho de sucesso”, comemora o professor da UFJF Artur Andriolo.

Colocado no animal quando foi capturado, o colar estava programado para ser aberto automaticamente em cerca de um ano – que é o tempo estimado da bateria do dispositivo chamado drop-off. “Quando sua carga é esvaziada, esse aparato faz com o que o colar se abra. O drop off se alimenta de bateria independente da que abastecia o sistema de GPS, também presente no colar, que havia parado de emitir sinais de localização”, explica o professor Fernando Azevedo, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), participante da captura da onça-pintada e coordenador de projetos sobre felinos.

Há pelo menos três indicadores que relacionam as fotos à onça-pintada de Juiz de Fora. Somente ela usava um colar com o compartimento branco para GPS. As outras três onças do local possuíam coleira na cor preta. A carcaça do tamanduá foi encontrada a cerca de sete quilômetros de onde a onça foi introduzida, em 2019, apontando para um território de uso do animal. “Pelos vestígios e manchas de sangue fresco da caça, foi possível estimar também que ela esteve no local se alimentando havia cerca de 12 horas”, afirma Azevedo.

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Colar foi encontrado em meio a restos de um tamanduá-mirim, muito provavelmente caçado pela onça (Foto: Divulgação – maio/2020)

“Esses são sinais fortes de que ela está bem, está caçando e estabeleceu território na área onde foi solta. Muito provavelmente pode ter cruzado com alguma fêmea – há duas no local -, considerando o tempo em que está no território. Só há outro macho na área e aparentemente cada um estabeleceu seu espaço”, comemora Azevedo. O local ainda está sendo monitorado por câmeras instaladas pela equipe do pesquisador em março de 2020. Os registros ainda serão verificados.

Conforme o professor esse é o primeiro caso de sucesso de translocação de uma onça-pintada em região de Mata Atlântica. “Há muitos anos uma onça desse bioma foi levada para o Pantanal. Mas entre áreas de Mata Atlântica é o primeiro registro documentado de que tenho notícia.”

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Colar possuía GPS e dispositivo drop-off, programado para abrir após descarga da bateria em cerca de um ano (Foto: Divulgação – maio/2020)

O professor Artur Andriolo destaca que o desfecho deste caso valida as discussões e medidas estratégicas, tomadas com embasamento técnico e apoio de profissionais de sete instituições públicas, enquanto o felino circulava, sob risco, em áreas urbanas de Juiz de Fora e na Mata do Krambeck, onde fica o Jardim Botânico. Ainda segundo o professor, esses sinais de vida da onça-pintada corroboram as decisões de preservar a vida do animal, capturá-lo e levá-lo para área natural mais ampla, em vez de cativeiro ou outro ambiente. “Essa resolução reforça também a esperança de conservação da espécie”, ressalta.

A sobrevivência do animal e a segurança de moradores de bairros do entorno do Jardim Botânico e de possível circulação do felino eram algumas das preocupações da pró-reitora de Extensão da UFJF, Ana Lívia Coimbra, também atuante no período de captura do felino. “Para chegarmos a essa resolução, foi realizado trabalho conjunto que envolveu instituições e representantes da comunidade, com repercussão em trabalhos escolares sobre educação ambiental.” Além da UFJF e da UFSJ, atuaram nesse processo o Instituto Estadual de Florestas (IEF), o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap/ICMBio), o Campo de Instruções do Exército Brasileiro em Juiz de Fora, o Corpo de Bombeiros, o Ibama, a Polícia Militar, incluindo a de Meio Ambiente, e a Prefeitura de Juiz de Fora. “Nesse tempo atual de tantas notícias tristes, sabermos que a onça está bem nos deixa muito felizes”, completa Ana Lívia.

O sentimento é compartilhado também pelo diretor do Jardim Botânico, Gustavo Soldati, para quem o processo simboliza um aporte conjunto de conhecimento técnico da universidade e de instituições públicas parceiras. “Em tempos de acirramento da crise ambiental, o caso da onça-pintada foi oportuno para trazer à tona, com mais intensidade, diversas temáticas, como a conservação das florestas para abrigo da fauna, trabalhadas em atividades de educação ambiental no Jardim.”

Histórico

Onça-pintada no Jardim Botânico, em maio de 2019, onde circulou, saindo também para áreas urbanas  (Fotos: Pedro Nobre, maio/2019)

Uma onça-pintada foi registrada, em vídeo, no Jardim Botânico na noite do dia 25 de abril de 2019, por um dos vigilantes do local. Desde então até a noite de 12 de maio, a UFJF e mais seis  órgãos ambientais e de segurança locais, estaduais e nacional mobilizaram-se em torno do caso. O felino foi ainda filmado em frente a um hotel, na Avenida Brasil, em ruas de bairros da Zona Norte e em mais localidades. Para evitar riscos de atropelamento e outros acidentes com a população e animais domésticos e para ofertar condições apropriadas para o felino, a onça foi capturada e introduzida em área florestal mais ampla, em Minas Gerais.

O animal recebeu um colar equipado com GPS, com transmissão via satélite, para monitoramento. O uso de colar é a opção mais amplamente utilizada em animais silvestres de vida livre, como o caso da onça-pintada. Não é recomendado o uso de chip, empregado geralmente em espécies em cativeiro ou zoológico para cadastro, mas não para monitoramento. A leitura também exige proximidade do animal. O GPS parou de emitir sinais. Uma das causas é o desgaste da bateria. “Trabalhamos com o melhor equipamento, o colar possui uma tecnologia muito refinada. Ele tenta mandar sinal a cada 12 horas para o satélite. Quando não consegue, ele retoma essa tentativa de conexão. O que pode ter acontecido é ter esgotado a bateria de tanto que buscou conexão e não conseguiu. Aí ela se esgota precocemente”, afirmara, em 2019, o analista Rogério Cunha, coordenador substituto do Cenap/ICMBio.

Uma busca em terra por sinais UHF do colar também foi realizada, em dezembro de 2019, pelo professor da UFSJ Fernando Azevedo. O pesquisador percorreu os últimos trechos de movimentação da onça, indicados pelo mapeamento. “É uma área de acesso muito difícil, montanhosa, com muitas grotas [cavidades provocadas por águas pluviais em morros, serras] e locas [esconderijos] no meio da mata. Pretendemos fazer nova etapa de coleta de dados, neste ano, caso as verbas que estamos pleiteando sejam disponibilizadas.” Por fim, em maio de 2020, o colar do animal foi encontrado em área próxima do local de mapeamento junto ao restos de caça de um tamanduá-mirim, muito provavelmente abatido pelo felino.