Em tempo de manifestos públicos de apoio à ditadura militar no Brasil (1964-1985), com retorno ao debate sobre o que caracterizou o período, o professor da Faculdade de Comunicação e produtor de filmes documentários, Cristiano Rodrigues, listou, a convite do Portal do Estudante da UFJF, nove documentários que retratam a ditadura militar no país. Em 1964, tropas partiram de Juiz de Fora para se juntarem, no Rio de Janeiro, a militares de outras cidades a fim de consumarem o golpe de Estado que depôs o presidente João Goulart.
“Os três primeiros não tocam no tema diretamente. Mas mostram os lados diferentes de uma ebulição social: trabalhadores do campo (‘Maioria Absoluta’), migracão para a cidade (‘Viramundo’) e a classe média perdida e alienada no meio disso tudo (‘Opinião Pública’). O ‘Cabra…’ é simplesmente histórico: Coutinho inaugura o jeito moderno de filmar e nos apresenta a beleza de uma das mais tocantes personagens de nosso documentário: Elizabeth Teixeira”, afirma o professor.
“Os demais filmes vão na jugular do golpe: ‘Cidadão Boilesen’ trata da participação dos empresários no apoio aos militares. ‘Marighella’ é a doc biografia do guerrilheiro. ‘Uma Longa Viagem’ é a viagem lisérgica de uma geração e os reflexos do golpe na história de três irmãos. ‘Em busca de Iara’ desvenda a trajetória da companheira do Lamarca e ‘Utopia e Barbarie’ é filme manifesto cheio de força, poesia, fogo, que resume toda a paixão de uma época”, explica Cristiano Rodrigues.
As sinopses foram extraídas da filmografia da Cinemateca Brasileira e dos sites de cada obra.
1 – “Maioria Absoluta”
Direção: Leon Hirszman
1964, 18 min, p&b
Filmado em som direto, o documentário retrata o cotidiano dos trabalhadores rurais analfabetos do Nordeste, que vivem na extrema miséria. Incapazes de escrever, são, no entanto, conscientes de sua condição e perfeitamente habilitados a propor as soluções que esperam para os seus problemas.
2 – “Viramundo”
Direção: Geraldo Sarno
1964-65, 40 min, p&b
Episódio da série “A Condição Brasileira”. A chegada de nordestinos à cidade de São Paulo ilustrada com depoimentos dos próprios migrantes e músicas com letras de José Carlos Capinan. A busca por trabalho é o grande tema apresentado, e a partir dele, é possível perceber percursos de vidas que se cruzam em uma nova cidade, onde desemprego, caridade e religião ocupam a ordem do dia.
3 – “Opinião Pública”
Direção: Arnaldo Jabor
1967, 78 min, p&b
Por meio de depoimentos de estudantes, a classe média carioca é retratada de maneira a salientar seus gestos, seus gostos, e sobretudo sua distância frente a realidade brasileira. O Certificado de Censura Federal 31203 afirma que o filme sofreu ”cortes nas seguintes expressões: ‘Neste país não há governos’; ‘Merda’; ‘a vida sobe 70 por cento e o governo nos dá 31 por cento’. O documentário foi premiado no Festival de Cinema de Juiz de Fora, em 1967, com Menção Honrosa para Arnaldo Jabor, Melhor Fotografia e Melhor Sonografia.
4) “Cabra Marcado pra Morrer”
Direção: Eduardo Coutinho
1984, 119 min, p&b
Em 1962, o líder da liga Camponesa de Sapé (PB), João Pedro Teixeira, é assassinado por ordem de latifundiários. Um filme sobre sua vida começa a ser rodado em 1964, com a reconstituição ficcional da ação política que levou ao assassinato. As filmagens com a participação de camponeses do Engenho Galiléia (PE) e da viúva de João Pedro, Elizabeth Teixeira, são interrompidas pelo Golpe Militar em 1964. Dezessete anos depois, em 1981, Eduardo Coutinho retoma o projeto e procura Elizabeth e outros participantes do filme interrompido, como o camponês João Virgílio, também atuante em ligas. O tema central passa a ser a história de cada um deles que, estimulados pela filmagem e revendo as imagens do passado, elaboram para a câmera os sentidos de suas experiências. João Virgílio conta a tortura e a prisão que sofreu neste período. Enquanto Elizabeth, que havia mudado de nome e vivia refugiada numa pequena cidade da Bahia com apenas um de seus dez filhos, emerge da clandestinidade e reassume sua identidade.
5 – “Cidadão Boilesen”
Direção: Chaim Litewski
2009, 93 min, cor e p&b
Um capítulo sempre subterrâneo dos anos de chumbo no Brasil, o financiamento da repressão violenta à luta armada por grandes empresários, ganha contornos mais precisos neste perfil daquele que foi considerado o mais notório deles. As ligações de Henning albert Boilesen (1916-1971), presidente do grupo Ultra, com a ditadura militar, sua participação na criação da temível Oban – Operação Bandeirante – e acusações de que assistiria voluntariamente a sessões de tortura emergem de diversos depoimentos de personagens daquela época. Entre eles, o ex-secretário da segurança pública Erasmo Dias, o ex-governador Paulo Egydio Martins e antigos presos políticos, como Carlos Eugênio Sarmento da Paz e Jacob Gorender. O documentário ganhou o prêmio de melhor filme, na edição de 2009, do Festival É Tudo Verdade.
6 – “Marighella”
Direção: Isa Grinspum Ferraz
2011, 100 min, cor
Líder comunista, vítima de prisões e tortura, parlamentar, autor do mundialmente traduzido ‘Manual do Guerrilheiro Urbano’, Carlos Marighella atuou nos principais acontecimentos políticos do Brasil entre os anos 1930 e 1969, e foi considerado o inimigo número 1 da ditadura militar brasileira. Mas quem foi esse homem, mulato baiano, poeta, sedutor, amante de samba, praia e futebol, cujo nome foi por décadas impublicável? O filme, dirigido por sua sobrinha, é uma construção histórica e afetiva desse homem que dedicou sua vida a pensar o Brasil e a transformá-lo através de sua ação.
7 – “Uma Longa Viagem”
Direção: Lúcia Murat
2011, 94 min, cor
A história de três irmãos, com a linha dramática dada pela história do caçula, que vai para Londres em 1969, enviado pela família para não entrar na luta armada contra a ditadura no Brasil, seguindo os passos da irmã. Durante os nove anos em que viaja pelo mundo, ele escreve cartas. Contrapondo-se à entrevista e às cartas, os comentários em off da irmã, presa política que virou cineasta e viaja pelo mundo, num processo inverso ao do irmão que, de viajante livre, foi obrigado a enfrentar diversos problemas. Um documentário que trabalha sobre a memória, não só pela forma como é feita a investigação, mas também sobre o motivo do filme: a morte do terceiro irmão.
8 – “Em busca de Iara”
Direção: Flávio Frederico
2013, 91 min, cor e p&b
Através de uma investigação pessoal de sua sobrinha, Mariana Pamplona, o filme resgata a vida da guerrilheira Iara Iavelberg. Uma mulher culta e bela, que deixou para trás uma confortável vida familiar, optando por engajar-se na luta armada contra a ditadura militar. Vivendo na clandestinidade, na esteira de uma rotina de sequestros e ações armadas, tornou-se a companheira do ex-capitão do exército Carlos Lamarca, compartilhando com ele o posto de um dos alvos mais cobiçados da repressão. O filme desmonta a versão oficial do regime, que atribui sua morte, em 1971 a um suicídio.
9 – “Utopia e Barbárie”
Direção: Silvio Tendler
2010, 128 min, cor e p&b
É um documentário que trafega por alguns dos mais polêmicos episódios dos últimos séculos. Temas como o Holocausto, as bombas de Hiroshima e Nagasaki, a Revolução de Outubro e o ano de 1968 no mundo, inclusive no Brasil, são retratados com imagens e depoimentos surpreendentes, de quem sonhou e lutou pela liberdade.