Há relação entre direito e literatura? Na opinião da professora Tayara Talita Lemos, a comunicação entre esses dois campos existe e não é pequena. Pensando nisso, a docente do Departamento de Direito do campus da Universidade Federal de Juiz de Fora em Governador Valadares (UFJF-GV) idealizou o seminário “Narrativas das Justiça em Guimarães Rosa”. A atividade – promovida pelo Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH) – aconteceu nestas terça e quarta-feira, 15 e 16, e contou com palestras que abordaram as diversas facetas presentes na obra do escritor mineiro, como justiça, vingança e identidade pessoal.
Segundo Lemos, o objetivo do seminário foi utilizar a narrativa literária para demonstrar experiências de justiça que não são alcançadas exclusivamente pelo discurso jurídico. “No direito, há, por vezes, um certo tecnicismo da linguagem, aliado a um verniz pseudocientífico, que impede a formação autêntica e genuína dos sentidos de justiça. A ideia é passarmos a entender a justiça para além do que dizem os agentes/operadores do direito, para além do aparato burocrático estatal ou dos tribunais”.
Leitora e admiradora das produções de Guimarães Rosa, a docente explica que a atividade é resultado de diálogo com o professor do curso de Direito da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Paulo César de Oliveira, que pesquisa a obra do autor. A iniciativa contou ainda com o apoio de Marcelo Giacomini e Nara Carvalho, ambos professores da UFJF-GV. Todos eles ministraram palestras no seminário.
Estudante do nono período de Direito, Abab Nino afirma que além de estimular a leitura, a atividade desta semana “é um convite muito sutil e sensível” para uma compreensão mais ampla do campo jurídico. A aluna da UFJF-GV acredita que aliar a literatura aos conteúdos que são estudados no curso ajuda a “questionar, expandir horizontes e a perceber o direito para além da lei”.
Literatura versus formalismo jurídico
A utilização da literatura para a interpretação das ciências jurídicas não é algo recente. Desde o início do século XX, alguns estudiosos vêm tentando desenvolver um método para uma abordagem mais abrangente das questões que envolvem o direito, como as relações sociais, por exemplo. Um marco desses estudos é o movimento “Direito e Literatura”. Iniciado nos Estados Unidos, ele criticava e oferecia resistência ao formalismo jurídico da década de 70.
Guimarães Rosa e a “justeza” da condição humana
Em meio a tantos autores, por que escolher Guimarães Rosa? Lemos explica que a obra do cordisburguense possui elementos que fogem do convencional e que, por isso, oferecem leituras interessantes para a área jurídica. “Ao tentar evadir o espaço do comum em meio à prosa – marginal ao rigor científico e ao convencional na linguagem – permite um resgate crítico da identidade cultural e pessoal da condição humana, transportando tais questões para as narrativas da justiça, que se apoia na retomada dos temas do homem do sertão mineiro: o destino, o determinismo, a limitação, o trágico, mas, ao mesmo tempo, o mágico, o autêntico, o extraordinário.”
E esse percurso pelas infindáveis veredas da produção de Guimarães, além das várias vozes acerca do justo e do conceito de justiça, permite também uma verdadeira reflexão sobre o que Lemos define como “justeza” da condição humana. “A natureza do julgamento, a mística, o ser, o ser no mundo, a travessia, a justiça, a hybris, o estatuto ético em tempos de guerra e caos, as relações entre pacto e norma, a análise dos fenômenos e dos eventos, a existência parecem fazer parte de um vasto universo explorado em diversas de suas obras. Desse modo, a normatividade presente nas coisas poderá ser explorada, na medida em que ser e dever ser, ser e tornar-se aparecem como convites à reflexão”, enfatiza.