Nas profundezas marinhas e subterrâneas moram os clatratos. Apesar do nome ameaçador, não se tratam de bestas mitológicas (como os krakens ou os leviatãs), mas de curiosas estruturas moleculares que, submetidas à alta pressão, formam sólidos. Inofensivos quando deixados descansando em suas moradas, quando presentes em regiões como os campos de petróleo pré-sal, porém, esses estranhos materiais apresentam uma complicação para as petrolíferas.
“Misturado ao petróleo extraído da camada pré-sal (que está abaixo de uma lâmina-d’água maior que 2.000 metros), existem rochas porosas e clatratos, também. Formados pela mistura entre água e gases, alguns deles estão cheios de gás carbônico”, explica o professor Alexandre Leitão, que coordena o Grupo de Físico-Química de Sólidos e Interfaces da Universidade Federal de Juiz de Fora (GFQSI-UFJF).
Devido à presença desses clatratos, existem campos de petróleo e gás natural que se tornam inviáveis para a produção, pois “ao explorar essas reservas, as petrolíferas liberariam na atmosfera grande quantidade de CO² guardada nesses sólidos”. Buscando dar os primeiros passos para solucionar esses casos, o GFQSI iniciou uma pesquisa em parceria com a Universidade de Estocolmo para entender mais sobre o comportamento desses materiais.
Os pesquisadores coordenados por Leitão dedicam-se, principalmente, à simulação computacional do comportamento de diversos materiais sólidos, e dos resultados das interações entre estes e outras substâncias. Mais adiante, essas simulações servirão como base para planejar o desenvolvimento de novos materiais, novas aplicações para materiais já conhecidos ou ainda aprimorar processos industriais já existentes.
Especificamente na pesquisa sobre os clatratos, os cientistas vão investigar o processo de formação desses materiais, levando em conta o comportamento do CO² e da água nesses cenários de alta pressão. “Futuramente, esses conhecimentos servirão para testar a viabilidade de armazenar o CO² emitido pela indústria, por exemplo, nessas regiões subterrâneas e submarinas.”
“Outra possível aplicação desses conhecimentos é na indústria petrolífera. Vamos entender se, enquanto a plataforma já está explorando essas áreas de grande profundidade e sob alta pressão, é possível realizar a síntese de algum outro produto interessante, aproveitando essas condições.”
Conexão Brasil-Suécia
Aprovado ainda em 2019, o projeto conta com financiamento da Capes e da contraparte sueca do nosso órgão de fomento à pesquisa, a Stint.
Entre as atividades previstas no projeto — que tem duração de três anos — está o intercâmbio de pesquisadores entre os dois países, oferecendo duas bolsas de doutorado e pós-doutorado na Suécia para os membros do grupo brasileiro, a cada ano.
“Além disso, estão incluídas missões de trabalho para professores brasileiros na Suécia, e para professores suecos no Brasil. Da mesma forma, todo ano, um estudante de doutorado ou pós-doutorado vem passar seis meses pesquisando aqui, na UFJF. Essa troca possibilita uma experiência muito interessante e nova para o GFQSI.”
“Essa mão-dupla é incomum nas colaborações entre o Brasil e países europeus ou norte-americanos, onde normalmente só vai gente daqui para lá. Nesse caso, estamos combinando competências diversas: nós temos uma expertise que não existe no grupo sueco, e vice-versa. Nós não estamos entrando como sócios juniores de um grupo sênior, estrangeiro. É todo mundo grande”, conclui Leitão.