As universidades públicas brasileiras representam oportunidade de transformação para milhares de estudantes que se desdobram para concluir o ensino superior e, paralelamente, precisam trabalhar formalmente ou informalmente para obter renda. Dados da V Pesquisa do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais apontam que 57,3% dos alunos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) trabalhavam durante a graduação ou estavam a procura de emprego em 2018. O levantamento foi realizado pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Estudantis (Fonaprace) da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
De acordo com a pesquisa, entre os estudantes da UFJF, 20,6% são trabalhadores. Outros 36,7% não têm emprego, mas estão a procura de oportunidades, enquanto 42,7% não trabalham e não buscam por vagas no mercado de trabalho. Do total de discentes empregados, 5,5% atuavam em jornadas trabalhistas superior a 40 horas semanais – o que representa, no mínimo, um trabalho de 8h por dia, de segunda a sexta-feira. Em termos de renda, 43,7% dos alunos trabalhadores recebem até um salário mínimo.
“Aprendi desde cedo a trabalhar para realizar meus sonhos”
A aluna de Jornalismo Caroline Gerhein vive uma intensa jornada entre trabalho e estudos. Ela tem dois empregos e está entre os 5,5% dos estudantes trabalhadores com carga horária trabalhista acima de 40 horas semanais. “Além de estudar, sou contratada do estado de Minas Gerais, atuando em uma oficina de teatro, e presto serviços para a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). O dinheiro é um complemento fundamental para as minhas despesas e as da minha família.”
A motivação para aguentar a jornada intensa é a necessidade financeira de pagar as contas, investir em si e a vontade de modificar a própria história e a da família. “Sendo uma garota negra e de periferia, aprendi desde cedo, vendo todos a minha volta se matarem para conseguir o mínimo aceitável, que eu também precisaria me desdobrar para realizar todos os meus sonhos. Meus pais concluíram o Ensino Fundamental apenas, mas sempre fizeram o impossível para que meu irmão e eu pudéssemos estudar. Conseguiram formar um filho pela Faculdade de Direito e agora uma filha pela Faculdade de Comunicação. Já penso no futuro: fazer uma pós-graduação? Mestrado? Morar um tempo fora do país? Apesar da correria, sou imensamente grata à Universidade.”
“Busco uma vida melhor para mim e para meus filhos”
A cerimonialista e produtora de eventos Drielli Raquel faz parte do grupo dos 3,1% de estudantes da UFJF que trabalham sem carteira assinada. É preciso se desdobrar com os horários das aulas no curso de Turismo e conciliá-los com as tarefas da casa, trabalho no próprio negócio e cuidado dos filhos. Para realizar as atividades, por vezes, as disciplinas da graduação são feitas em turnos variados, conforme as possibilidades. “A adaptação aos horários causa grande impacto na minha saúde física e, consequentemente, psicológica. A alimentação acaba ficando prejudicada, o cansaço é muito grande e assimilar tantos conteúdos na faculdade, simultaneamente aos do trabalho e, no meu caso, das respectivas escolas dos meus filhos, torna-se uma batalha diária a ser vencida.”
Apesar das dificuldades, estar na instituição possibilita a Drielli a construção e a realização de um sonho profissional, amplia a formação técnica em Organização de Eventos adquirida no Instituto Federal do Amazonas (Ifam) e representa a busca por uma vida melhor para ela e para os filhos. “Ser uma aluna dedicada tem me rendido ótimos frutos dentro e fora da UFJF. Já aplico meus aprendizados na vida profissional, pois atuo em uma das várias ramificações do Turismo: os eventos. Quem pode só estudar deve aproveitar a oportunidade.”
Enfim formada
A técnico-administrativa em educação Aline Nicollette faz parte dos 2,3% de alunos que trabalham no serviço público. As dificuldades em manter a dupla jornada, entre o trabalho e a Faculdade de Direito, estão sempre presentes. “Por várias vezes, precisei virar a madrugada estudando, faltei aulas para descansar ou me preparar para provas, meu rendimento acadêmico caiu e precisei me afastar dos amigos por um tempo. Havia dias em que eu chegava para a aula às 7h, estudava até meio-dia, depois trabalhava até 19h e engatava direto para aulas à noite, terminando às 22h.”
O trabalho fez Aline amadurecer, permitiu maior segurança para terminar o curso, foi essencial para ajudar os pais, conseguir se casar e ascender social e economicamente. “Trabalhar e estudar me fez crescer muito como pessoa. Tive as minhas realizações pessoais e não as teria alcançado facilmente, se não fosse pelo trabalho. Sobre a graduação, se eu pudesse teria me dedicado mais à pesquisa acadêmica, uma das minhas principais intenções no início do curso. Hoje, já formada, penso em voltar a estudar, tentar um mestrado. Mas, para isso, estou primeiro me preparando para o excesso de carga e tentando correr atrás do conteúdo perdido por não poder me dedicar 100% ao curso.”
Complemento de renda
Natural de Santos Dumont, o estudante de Letras, Matheus Alvim de Melo é bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e ainda atua dando aulas particulares de língua portuguesa para estudantes da sua cidade natal aos sábados. Figura entre os 2,2% enquadrados em outras atividades. O trabalho informal complementa a renda familiar do aluno e o ajuda a permanecer na Universidade. “O dinheiro das aulas particulares não é muito, mas agrega ao valor das bolsas que recebo e ajuda a me manter na universidade.”
O principal desafio é conseguir conciliar a graduação com as atividades remuneradas. Contudo, as aulas particulares, por serem em um único dia e para um número reduzido de alunos, não representam problema. Melo reconhece a importância da graduação como fator de transformação em sua vida. “Minha motivação a conviver com essa rotina é a necessidade do dinheiro para ter acesso aos textos, visto que minha vista fica muito cansada quando leio PDFs, desse modo, opto pelos textos físicos, mas também uso o dinheiro para ir para minha cidade e ver amigos e familiares.”
Fator de transformação
Os dados oferecidos pela pesquisa ajudam a traçar o perfil socioeconômicos dos discentes e constatam que quase 70% dos estudantes da UFJF têm renda familiar mensal per capita de até 1,5 salário mínimo. Segundo a pró-reitora de Graduação, Maria Carmen de Melo, destaca que a oportunidade de estudar em uma universidade pública é um fator de transformação, pois prepara o aluno para contribuir com a sociedade e o possibilita ascender em diversos marcadores sociais. “Com o ensino superior, há mais instrumentos para estar no mercado e transformar a própria realidade, de familiares e pessoas próximas. O nosso discente, para além da formação acadêmica, tem envolvimento com a comunidade, respeitando a diversidade e atuando como um cidadão, melhorando a própria vida e sendo um agente transformador, por conta da formação humana adquirida.”