O final do ano letivo chega. A angústia toma conta. “Será que vou passar de ano?”. “Será que meus amigos vão seguir e eu vou ficar para trás?”. Questões como estas dominam a mente de diversos estudantes durante a vida escolar. Apesar da Lei de Diretrizes de Bases de 1996 ter introduzido várias possibilidades de não retenção, quase todas as escolas brasileiras ainda escolhem trabalhar com sistema seriado e a clássica reprovação. Segundo o Censo Escolar, o Brasil reprovou em 2016 cerca de 3 milhões de alunos da educação básica. O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2015 apresenta o Brasil entre os países que mais retêm seus alunos, com as piores taxas de rendimento educacional do mundo. Mas por qual razão o Brasil reprova tanto? Seria a reprovação um meio realmente eficaz para o aprendizado dos estudantes?
Na verdade, pesquisadores da educação apontam a reprovação como uma das principais causas do baixo desempenho escolar. Dados mostram que, em 2003, 96% das crianças de 7 anos de idade estavam na escola. Em 2013, pouco mais de 10% dessas crianças estavam na série esperada, prestes a concluir o Ensino Médio. A maioria ficou para trás. Foram reprovados e/ou abandonaram os estudos. “A evasão está frequentemente associada a experiências anteriores de retenção/reprovação. Os alunos são ‘aconselhados’ ou ‘estimulados’ a abandonarem a escola no final do ano letivo, pela certeza do fracasso e preferem a evasão por abandono, ou seja, pelo cancelamento da matrícula que preservará seu histórico escolar”, revela Fernando Tavares, pesquisador do Programa de Pós-Graduação Profissional em Gestão e Avaliação da Educação Pública da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em seu livro “Rendimento Educacional no Brasil”, publicado em 2018 pelo Observatório da Educação.
Consequências negativas da reprovação
Os estudos realizados por Fernando e por outros pesquisadores da área apontam que a reprovação é um traço da cultura educacional brasileira, socialmente construído, oriundo da desigualdade estrutural que marca nossa sociedade. “Foi produzido e naturalizado socialmente como algo aceitável e normal que parcelas inteiras e majoritárias da sociedade fossem impedidas de prosseguir sua escolarização sem percalços por não atender a um arbítrio idealizado de um tipo ideal de criança, de aluno, de atitude e comportamento escolar com padrões estritos de classe”, esclarece Tavares. A reprovação tem cor e classe social. As pesquisas confirmam que os mais reprovados são também os mais pobres, os não brancos, os periféricos. Sempre aqueles oriundos de grupos excluídos socialmente, embora majoritários. Porém, como essa prática foi enraizada e naturalizada nos costumes brasileiros, poucos a questionam, sendo vista como correta pelo senso comum, embora quase inexistente ao redor do gl
“Todas” são as consequências negativas da reprovação, afirma o pesquisador. “Estão disponíveis metanálises de dezenas de estudos empíricos sobre o tema, em diferentes contextos, com desenhos de pesquisas robustos e resultados sólidos. A resposta foi sempre a mesma: a retenção não produz nenhum efeito positivo”, explica. As consequências são a destruição da autoestima e da confiança da criança, a curva de aprendizagem declina e nunca mais o aprendizado volta a ser como antes de ter experimentado uma retenção. A probabilidade desse aluno desistir dos estudos cresce exponencialmente. Além disso, cria-se uma ruptura no processo de socialização e a elevação dos preconceitos. A criança é impedida de seguir convivendo e aprendendo com seus colegas. É estigmatizada, violentada simbolicamente. “Criam-se indisposições entre os alunos, ampliam-se as dificuldades de integração, eleva-se a probabilidade de assédio moral. Permitem-se as condições materiais mais indesejáveis, que semeiam discórdia, divergência, e refletem na escola, logo nos primeiros anos, alguns de nossos traços culturais e sociais mais abomináveis, como o preconceito, a violência e outros”, revela.
A reprovação também representa um prejuízo estrutural. Os custos da retenção para os sistemas são muito altos. Estima-se que quase 10% dos fundos para a educação são desperdiçados pela a manutenção da reprovação formal – e esses valores são reconhecidamente subestimados. Há séria inflação de matrículas, turmas e contratações extras para atender esses contingentes enormes de crianças que deveriam estar acompanhando suas turmas, mas foram privadas de seus direitos elementares e foram estigmatizadas, já aos 7 ou 9 anos. Tavares afirma que “quando se somam os efeitos de longo prazo, a conta é impagável. É o maior entrave à elevação da produtividade no Brasil, que por sua vez é o maior entrave ao crescimento econômico e desenvolvimento social.”
Alternativas para a retenção
Segundo as pesquisas, a reprovação não deveria nem ser considerada como uma possibilidade. Como alternativas existem a recuperação paralela – o acompanhamento paralelo do aluno com baixo rendimento para que o jovem e os educadores possam refletir e entender o que causou essa situação; as possibilidades de dependência, aprovação condicional, créditos, estudos modulares, avaliações substitutivas, atividades em contraturno e várias outras possibilidades pedagógicas conhecidas e previstas regimentalmente. “Há dezenas de alternativas metodológicas, políticas, gerenciais, didático-pedagógicas, educacionais, testadas e reconhecidas como eficazes pelo mundo todo. Estranho é se adotar apenas a medida última”, apresenta Tavares.
O pesquisador afirma que a retenção não acontece só ao final do ano. Ela é gestada desde o primeiro dia de aula ou até antes. A reprovação é uma profecia auto realizadora. A baixa expectativa em relação aos alunos, a falta de confiança e a aceitação de resultados ruins como naturais e a naturalização do fracasso daqueles que já estão socialmente destinados a ele, concorrem para que essa prática já seja esperada anualmente. “É uma cultura perversa, que faz mal a todas e todos. Por isso, todas as alternativas são melhores. Todas as possibilidades e inovações são bem vindas. Todos os esforços são louváveis. Importa estar aberto e produzir sempre alternativas para superar este traço perverso de nosso funcionamento educacional, que reflete o que há de pior em nossa formação social”, conclui.