A sala do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora (IAD-UFJF) que abriga as pesquisas dos Game Studies seria igual a todas as outras, não fosse pela televisão de 40 polegadas que domina uma das paredes e pelo estranho joystick cilíndrico disposto em sua frente. Este último é uma das relíquias dos primórdios dos videogames, objeto de estudo da professora Letícia Perani, coordenadora do projeto “Retrogaming: análise do design de games nas suas décadas formativas”.
O campo dos Game Studies, do qual Perani é expoente, nasceu no início dos anos 2000, com a consolidação dos jogos eletrônicos. Graduada em Comunicação Social pela UFJF e mestre na área pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), sua proposta é estudar os games como um produto cultural independente, importando teorias de outras esferas do conhecimento, como Psicologia, História da Arte e Sociologia.
Desde o seu surgimento, na década de 1970, os vídeogames vieram crescendo em relevância econômica e social. Entre os setores do mercado de entretenimento, é esse o que mais se destaca em arrecadação: só em 2016, ele movimentou cerca de 90 bilhões de dólares, superando o cinema. Além disso, sua mitologia e estética transbordaram os consoles e passaram a influenciar filmes, livros e até campanhas políticas.
Estudos inéditos
No entanto, estudos sobre o histórico dos jogos eletrônicos ainda são escassos, motivo pelo qual a professora Letícia optou por focar sua pesquisa em games retrô. “Existe na indústria dos videogames uma preocupação muito grande com o estado da arte, ou seja, o foco está nas tecnologias mais recentes, especialmente na parte gráfica desses produtos. Observando os jogos mais antigos, é possível traçar uma linha evolutiva do game design, perceber quais padrões foram sendo adotados pela indústria, de onde vieram as subdivisões atuais do mercado”.
De acordo com os fundamentos dos Game Studies, a análise do objeto de estudo deve ser divida em três áreas distintas: o gameplay, que diz respeito aos mecanismos por meio dos quais o jogador interage com o jogo; o “mundo”, a elaboração gráfica desses mecanismos; e as regras do jogo, sendo essa última o foco da pesquisa de Perani. Esse enfoque vem da proximidade da professora com uma corrente dos Game Studies chamada Ludologia, que procura classificar quais são as características que diferem os jogos dos outros meios de entretenimento. Buscando referências nos estudos clássicos do lúdico, esses pesquisadores concluíram que essa característica central é, exatamente, as regras. “Comparando com o cinema, por exemplo, nós vemos que tanto os jogos quanto os filmes são linhas narrativas audiovisuais. Os jogos, porém, tem regras dentro das quais ocorre a interação”, explicou a professora.
Ao longo do projeto, iniciado em setembro do ano passado e com conclusão programada para agosto de 2016, as regras dos games são avaliadas e classificadas empiricamente (jogando), observando duas formas de “affordance”: as possibilidades do uso do avatar (a representação gráfica do jogador na interface do jogo) e as possibilidades de interação do avatar com o ambiente do jogo. “Affordance vem do inglês ‘to afford’, que se refere basicamente ao que é permitido dentro de um ambiente. Nessa sala, por exemplo, eu posso sentar na carteira. Se o vento estiver entrando pela janela, eu posso soltar uma pipa. São essas possibilidades e limitações que compõe a estrutura do game”.
Entre os jogos testados, todos eles lançados há pelo menos 17 anos, estão alguns anciãos ilustres, como o Excitebike para o NES, o Pitfall do Atari e o clássico Super Mario, muitos deles vindos do acervo pessoal de Letícia.
Demanda e popularidade
Além da pesquisa atual, a professora trabalha com outros departamentos da Universidade para desenvolver um projeto interdisciplinar para o estudo do tema. Para ela, o desenvolvimento do campo dos Game Studies atende uma demanda da sociedade, além da do próprio mercado de jogos eletrônicos. “Por um lado, os videogames estão mais presentes na vida das pessoas. Parte desse fenômeno vem do crescimento do mercado de jogos para smartphones, que permitiu a entrada de usuários que não tinham acesso ou não tinham o hábito de jogar. Por outro, ainda não existe um processo muito sistemático na produção e na avaliação dos games”, pondera Letícia.
“Os Game Studies não só desenvolvem a percepção crítica do público em relação aos jogos, como também respondem a demanda da indústria por profissionais especializados. Aqui no instituto, por exemplo, os alunos desenvolvem conhecimentos na área do design. Mas o game design exige algumas capacitações específicas. Quando se cria um personagem de um jogo, é preciso pensar na sua história, nas formas como ele vai interagir com o ambiente e como isso vai influenciar na sua aparência. O meio acadêmico é o ambiente perfeito para desenvolver esses estudos”, conclui.
Outras informações: (32) 2102-3350 (Instituto de Artes e Design – IAD)