Ouvir sobre o passado invisibilizado de comunidades quilombolas é uma iniciativa que faz parte das atividades desenvolvidas pelo Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi). O trabalho coordenado pela professora do departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Hebe Mattos, busca relatar a história da última geração de negros escravizados no Brasil a partir das memórias de seus descendentes.
O projeto “Memórias do cativeiro” – atualmente intitulado “Passados presentes” – teve início em 1982, ainda na Universidade Federal Fluminense (UFF), instituição de origem de Hebe. A pesquisadora explica que as primeiras comunidades ouvidas são do Vale do Paraíba Fluminense. “A pesquisa começou muito convencionalmente. Estávamos muito interessados em saber o imediato pós abolição, trabalhando a memória de camponeses, pessoas mais velhas, buscando acionar uma infância do início do século XX, nas primeiras décadas depois da abolição. A ideia inicial era conseguir a partir da oralidade informações sobre a experiência dessas pessoas que eram bastante invisibilizadas”, pontua.
Lidar com pessoas reais que estavam vivendo e reelaborando a memória familiar, segundo a pesquisadora, fez com que novas reflexões fossem estimuladas. “Começamos a entrar em uma redefinição de como lidar com essa memória difícil de escravização, que coloca para a sociedade brasileira a temática da reparação, da dívida moral com os grupos dos africanos escravizados. Nós aprendemos muito com a tradição oral e a memória familiar dessas pessoas”, relata.
O trabalho é visto como uma forma de contribuição para a história pública ao dar outra visibilidade às comunidades, além de trabalhar junto a elas visando formas de trabalhar a memória escravista, tão difícil para a sociedade brasileira como um todo. “Desenvolvemos filmes e documentários sobre o legado desses grupos e sua tradição oral, e sobre o crime contra a humanidade que é o tráfico ilegal, quais são as demandas de reparação. Temos alguns memoriais construídos em conjunto com as comunidades, na cidade de Pinheiral, na comunidade quilombola de São José da Serra, em Valença e no quilombo do Bracuí, que está em Angra dos Reis”, acrescenta a pesquisadora.
A crescente do projeto é alimentada pela história que cerca a zona da mata mineira. “Os trabalhos estão tendo continuidade. Vir para Minas e para a Zona da Mata sempre foi uma intenção nossa. A memória da mata mineira, além dessa conexão com a última geração de africanos escravizados, também possui ligação com a escravização ilegal de grupos indígenas. Acho que é uma memória viva que sabemos que está ali, e a ideia é expandir o projeto de forma a conseguir trazer para a mata mineira algo da envergadura que já fizemos no vale fluminense”, afirma.
Segundo Hebe, o trabalho com a tradição oral e a memória familiar desses grupos é fundamental para nossa história, pois assim é possível entendermos o passado, algo que impacta diretamente nosso presente. “Deve haver uma apropriação desse passado, buscando redução de desigualdades. De um lado, vários jovens que ingressaram na universidade buscaram fazer História, Ciências Sociais, Pedagogia, Turismo e trabalhar com essa memória e as tradições de suas comunidades. Hoje em dia, temos uma intelectualidade jovem que trabalha com patrimônio cultural e a memória desses grupos, em termos de busca por formas de visibilidade e sustentabilidade para as regiões e as comunidades”, conclui.