Internada no hospital, a mãe do músico Gutti Mendes, do grupo juiz-forano Lúdica Música!, ouve a mais recente composição do filho, uma versão ainda não finalizada de “Não Deixe que seu Mundo Desabe”. Parecia um prenúncio. Antes do lançamento do novo álbum do grupo, a mãe do compositor não resistiu. A música inspirada na força que a mãe de Gutti demonstrava durante um período de mudanças em casa, agora também era fonte de gana para o filho prosseguir. “Pra que tanta pressa se a calma compensa?/ Se não resolve pelo menos não estressa /Melhor assim do que pagar o preço da queda”, diz a letra. “Essa música acabou sendo feita para ela. Até lhe dediquei no disco.”
Cada pessoa possivelmente deve ter também uma canção ou ritmo de que gosta de ouvir para distrair a tristeza quando ela incomodar e reacender a vontade de seguir em frente. A habilidade da música de por em palavras e melodia o que o ouvinte está sentindo pode rearranjar o dia. “Ouço música boa para qualquer momento. Música sempre tem o poder curativo para mim. Me emociona muito. Gosto de MPB, world music, black music, pop, samba, big bands, arranjos cheios, jazz fusion. Isso tudo me deixa bem feliz”, enumera Gutti.
Com base nessa potencialidade musical, como parte da campanha Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio, a Diretoria de Imagem Institucional da UFJF lança, em seu perfil no Spotify, uma lista com mais de 50 canções que abordam temas como resiliência, compaixão e acolhimento. A tarefa da seleção é difícil, por vezes arriscada, devido às inúmeras situações e elaborações que perpassam a vida de cada um. Mas o intuito é reverberar algum conforto para quem ouvir.
Distúrbio, afeto e tempo
Na playlist, há obras de cantores e bandas do Brasil, como Lenine, Marcelo Jeneci, Milton Nascimento, Johnny Hook, Tulipa Ruiz, Martinho da Vila, Criolo e Teresa Cristina. Da Argentina, do México, da Islândia, da Nova Zelândia e do Reino Unido vêm Mercedes Sosa, Julieta Venegas, Björk, Lorde e Florence and The Machine.
Em “Alento”, Jeneci vai direto ao ponto de a música servir como um refúgio. “Se o vento parar e o sol castigar/Num dia ruim, num trânsito sem fim/Se o gás acabar e o sonho ruir/Se o choro chegar e o céu te engolir/Ouça a música que lhe faz bem.”
Lenine conclama os ouvintes, em “Leve e Suave”, de só viver no afeto: “Há de ser leve/Um levar suave/Nada que entrave/Nossa vida breve/Tudo que me atreve/A seguir de fato/O caminho exato/Da delicadeza/De ter a certeza/De viver no afeto/Só viver no afeto.”
Há quase 40 anos, Gilberto Gil já tinha ido na mesma vertente, em “Realce”, ao ressaltar o calor do afeto e lançar esperança: “Quando a vida fere, fere/E nenhum mágico interferirá/Se a vida fere/Com a sensação do brilho/De repente a gente brilhará”.
A cantora Florence Welch inspirou-se em seu transtorno alimentar na adolescência para escrever “Hunger”: “Nós nunca achamos a resposta, mas sabíamos uma coisa. Todos nós temos uma fome”. Em entrevista à BBC Radio 1, Florence disse que nunca pensou em falar sobre o distúrbio e que havia comentado sobre o caso com sua mãe somente há pouco tempo. Ao musicar sua experiência, sentiu que “definitivamente foi um alívio”. Acrescenta: “Às vezes, as músicas têm mais claridade do que eu tenho sobre a minha vida.”
A playlist ainda aborda o poder curativo e paciente do tempo, presente em ao menos duas músicas: “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso, e “Tempo Rei”, de Gilberto Gil. Em sua reza, Caetano pede “(…)o prazer legítimo/E o movimento preciso/Tempo, Tempo, Tempo, Tempo/Quando o tempo for propício”.
Musicoterapia
O tempo da música também pode ser usado como principal ferramenta terapêutica, sob o auxílio de profissional especializado, como aponta a neuromusicoterapeuta Shirlene Moreira, aluna do doutorado em Psicologia da UFJF. A pesquisadora afirma que o uso da música como terapia possibilita diversas abordagens, podendo ser realizada individualmente ou em grupos, para diversos fins, como o aprimoramento da autoexpressão e da autorrealização.
Um dos fatores para a música tornar-se terapêutica na abordagem profissional, conforme Shirlene, é a relação estabelecida entre “o musicoterapeuta e o paciente; dessa forma, a música, os instrumentos, as letras são todas pontes para essa relação”.
Um dos pesquisadores da área Kenneth Bruscia, mencionado por Shirlene, afirma que o terapeuta utiliza experiências musicais e as relações que se desenvolvem através delas como meio para trazer aos clientes maiores insights sobre si mesmos e suas vidas, enquanto também alimentam aí as transformações psicológicas necessárias.
Setembro Amarelo na UFJF
A Universidade lançou uma série de ações como parte da campanha Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio. A instituição promoveu campanha no campus e em redes sociais com banners e vídeo, seminário, debates, série de notícias, cobertura de eventos e outras ações.