Especialista em autismo, a psicanalista franco-brasileira, Marie-Christine Laznik, foi presença de destaque do evento “I Encontro Internacional: O bebê em cena”, promovido pelo Grupo de Pesquisa Psicanálise, Linguagem e Educação (GP PsiLE), vinculado à Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no dia 2 de agosto. Para ela, é possível reverter o quadro de autismo se as intervenções forem feitas precocemente, a partir dos quatro meses de vida do bebê. “O autismo é uma doença neurodesenvolvimental que demora para se manifestar. Se a gente intervém antes de desenvolver, este bebê não vai chegar a ser autista”, destaca. No entanto, a psicanalista, que é co-fundadora do Centro de Pesquisa sobre os Problemas Psíquicos no Bebê, na França – Preaut (Prevenção do Autismo) – aponta a necessidade de formação de profissionais de saúde para a identificação de sinais em recém-nascidos, sobretudo os pediatras, que terão os primeiros contatos com o bebê. “Quem evita (os sinais e diagnósticos) são os pediatras, pois não sabem identificar. Nunca tiveram sequer cinco minutos de aula na faculdade de Medicina sobre autismo”. Confira a entrevista da pesquisadora para o Portal da UFJF.
Por que temos a impressão de que os casos de autismo estão aumentando?
Uma das grandes razões é a extrema amplitude da síndrome autística no DSM-5 (o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição, feito pela Associação Americana de Psiquiatria para diagnósticos de transtornos mentais). Ele é extremamente amplo, pois vai incluir autistas, os Aspergers, e mesmo não autistas. Aqueles primeiros lugares no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), os gênios, também caem na grade, além daqueles que possuem casos graves de retardo de linguagem e desenvolvimento. O espectro vai desde o retardo até os gênios, passando pelos autistas e aqueles com as antigas psicoses infantis. Mas é preciso entender esse crescimento sobretudo dentro da lógica da medicina americana. Lá não tem medicina pública, só medicina privada. Então se o filho se encontra nessa grade específica o tratamento é subsidiado pelos fundos de saúde. Não acredito que o aumento esteja relacionado ao crescimento de crianças nas telas, nem por conta de vacina, isso já ficou provado por diversos trabalhos epidemiológicos. É que o campo todo está presente. Hoje em torno de 1% da população é autista, antes era 0,1%.
“Não acredito que o aumento do autismo esteja relacionado ao crescimento de crianças nas telas, nem por conta de vacina.”
Que tipo de sinais os pais devem identificar?
Primeiro é preciso especificar a idade. Em bebês a partir de quatro meses já é possível identificar sinais e hoje temos a “Preaut”, que é uma grade de avaliação na qual é possível observar que há um risco e seria bom ajudar. Se a gente ajuda esse bebê bem cedo, ele não vai ser autista. O autismo é uma doença neurodesenvolvimental que demora para se manifestar. Se a gente intervém antes de desenvolver, este bebê não vai chegar a ser autista. Há sinais que podem nos alertar no sentido de buscar ajuda de um profissional para o bebê se desenvolver de uma maneira melhor, mais típica. Existe um projeto para incluir na caderneta da criança algumas perguntas como: seu bebê de seis meses gosta de colocar as mãos e pés na boca dos pais? Ele te chama no momento em que está conversando com outro adulto, solicitando sua atenção? Se não faz essas coisas, não quer dizer que é autista. Quer dizer que é um bebê que precisa de cuidados para justamente não chegar a se tornar.
Existe algum teste que pode ser aplicado nos bebês e crianças?
Saiu agora em dezembro de 2017 a nossa grade que levou 20 anos para ser finalizada, com 12.400 bebês na França. Um projeto que eu criei e uma equipe imensa levou adiante, incluindo 600 médicos, engenheiros, estatísticos. A grade traz um questionário inicial de dois itens aos quatro meses um segundo complementar com mais dois itens aos seis meses. Mas é preciso destacar que leva três anos para um bebê ficar autista, e o objetivo é avaliar e tratar para que o bebê não seja. A grade não está dizendo que o bebê vai ser autista, mas que precisa de cuidados.
O que pode ser avaliado como um diagnóstico tardio?
Não estamos falando de diagnóstico, mas de início de intervenções. E podemos dizer que quando o bebê tem mais de um ano já pode ser considerado tardio. Claro que é muito melhor tratar uma criança de dois anos do que uma de seis. Mas ficam sequelas de um desenvolvimento do cérebro que não é típico. Enquanto nos primeiros meses é possível reverter o processo, ou seja, muda tudo.
“Nos primeiros meses é possível reverter o processo.”
Os profissionais de saúde estão preparados para identificar esses sinais?
Não. Isso está começando na França e também nos Estados Unidos, onde há uma preocupação muito grande com bebês que possuem irmãos autistas. O que podemos fazer no Brasil é a criação de unidades como Caps Bebê, com atendimento de zero a dois anos. No Brasil, já estamos capacitando psicanalistas para trabalharem com psicomotricistas ou terapeutas ocupacionais de integração sensorial em atendimento precocíssimo de bebê em algumas cidades. Por enquanto é apenas isso que vimos. Há muitas rede de profissionais que trabalham entre si, se formam e dialogam, mas na rede particular. Não saúde pública ainda estamos longe. É necessário verba para precocíssimos, desenvolvimento de Caps Bebê, atendimento em UBSs (unidades básicas de Saúde) com pediatras capazes de avaliar o risco. O nosso sonho é implantar diplomas universitários dentro das faculdades de pediatria para pediatras que já estão exercendo. Quem tem que aprender a avaliar riscos são eles.
“Quem evita são os pediatras, pois não sabem identificar. Nunca tiveram sequer cinco minutos de aula na faculdade de Medicina sobre autismo. Muitos desconhecem o assunto.”
Os pais fogem do diagnóstico?
Não. Quem evita são os pediatras, pois não sabem identificar. Nunca tiveram sequer cinco minutos de aula na faculdade de Medicina sobre autismo. Muitos desconhecem o assunto. Uma mãe chega ao consultório e diz que já teve um filho e vê que esse não a olha, acha estranho. Nesse momento, eles conversam em “manhês” ou “pediatrês” com o bebê, ele sorri e fala: “Minha senhora, você que tem problemas, esse bebê está ótimo.” A mãe nunca mais questiona. O pediatra não fez de propósito, ele nunca foi formado para isso. Por isso precisa de formação, para ficar a par do que está sendo discutido no mundo.