A comissão de sindicância – organizada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para apurar possíveis casos de fraude no sistema de cotas raciais – concluiu esta semana a análise de 92 denúncias. Do total de casos denunciados à Ouvidoria Geral da instituição, 17 foram acolhidos e encaminhados à Reitoria, para abertura de processo administrativo.
As penalidades para estudantes que tentam burlar o sistema de cotas variam desde a perda do direito à vaga na UFJF até responder a processo judicial. As investigações da comissão visam a resguardar os direitos da população negra e de baixa renda, contemplada pela Lei 12.711/2012, a Lei de Cotas, alterada pela Lei 13.409/2016.
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As denúncias
As 92 denúncias de possíveis fraudes envolvem estudantes de diversos períodos e cursos, sendo nove casos no Campus Avançado de Governador Valadares e 83 na sede da Universidade, em Juiz de Fora. Segundo as informações recebidas pela Ouvidoria Geral, os discentes teriam, na ocasião do processo seletivo para ingresso na instituição, realizado autodeclaração falsa acerca de serem negros – pretos ou pardos.
Em março deste ano, a Reitoria criou, por meio da Portaria 307, uma Comissão de Sindicância, composta por três docentes e dois técnico-administrativos em educação (TAEs), para apurar os casos. Os trabalhos foram presididos pelo diretor de Ações Afirmativas da Instituição e pesquisador da temática étnico-racial, Julvan Moreira de Oliveira.
Das 92 denúncias recebidas, 12 referem-se a estudantes ainda em fila de espera para aquisição de vaga no segundo semestre deste ano; oito a estudantes que não chegaram a se matricular; três a discentes que cancelaram suas matrículas assim que foram notificados pela comissão; e um dos nomes denunciados não aparece nos cadastros de alunos ou aprovados nos processos seletivos da UFJF. Desse modo, a comissão entrevistou 68 discentes e suas testemunhas, sendo reservado a cada estudante o direito de contar com até três atestantes.
Dos 68 estudantes entrevistados, a Comissão de Sindicância compreendeu que 51 são pardos, ocupando de forma legítima as vagas do Sistema de Cotas, tendo sido os processos arquivados. Do total, 17 denúncias foram consideradas procedentes. Os 17 casos acolhidos foram encaminhados à Reitoria, para abertura de processo administrativo que pode resultar em perda do direito à vaga na UFJF.
Critérios adotados pela Comissão de Sindicância
As atividades da Comissão de Sindicância foram iniciadas com pesquisa, visando à fundamentação e à definição da metodologia de trabalho a ser seguida para as avaliações e as entrevistas com os estudantes cotistas. A banca, conforme vertentes teóricas antropológicas e sociológicas, compreende que a população negra é composta por pessoas pretas e pardas.
Após os estudos, foram definidos critérios para análise dos casos, quais sejam: fenótipo (características físicas); ascendência direta (pai ou mãe negros); e narrativas sobre vivências de discriminações e preconceitos por conta da condição parda nos âmbitos interno e externo à UFJF.
Evitar fraudes nos próximos processos seletivos
A Pró-Reitoria de Graduação, por meio do Conselho de Graduação (Congrad), aprovou, em junho, a criação de uma comissão de conferência da autodeclaração étnico-racial no processo de matrícula. O objetivo é resguardar as populações contempladas pela Lei de Cotas e evitar possíveis fraudes no sistema de ingresso.
Desse modo, já no processo de matrícula em 2019, os estudantes que se autodeclararem negros (pretos ou pardos) ou indígenas serão avaliados por uma banca. Os critérios orientadores serão definidos e publicizados ainda este mês.
Debate nacional: aprimoramento do sistema de cotas
A tentativa de aprimorar o Sistema de Cotas nas instituições públicas federais de ensino, visando a resguardar as populações contempladas pela Lei de Cotas, é um debate que ocorre em nível nacional. Em abril deste ano, o Ministério do Planejamento e Gestão (MPOG) publicou a Portaria Normativa N° 4, que determina a criação de comissões de heteroidenficação, ou seja, comissões de verificação complementares à autodeclaração dos candidatos negros (pretos e pardos), para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais.
A UFJF e as cotas
Ações afirmativas são políticas públicas elaboradas pelo Estado com o objetivo de corrigir desigualdades presentes na sociedade, acumuladas ao longo do tempo. Uma ação afirmativa busca oferecer igualdade de oportunidades a todas e todos, revertendo representações negativas e combatendo preconceitos e discriminações.
A Política de Cotas foi criada com o objetivo de diminuir a desigualdade étnica, racial e social, como uma forma de ação afirmativa, tendo sido reivindicada especialmente pelo movimento social negro brasileiro desde a década de 1940. O referido debate ganhou força nos anos de 1970 e maior difusão a partir do fim da ditadura militar.
As cotas visam, nesse sentido, a inclusão por meio de políticas públicas demandadas pela sociedade, porém, conduzidas pelo Estado.
A UFJF foi a primeira universidade federal em Minas Gerais e uma das pioneiras no país a implantar o sistema de cotas para população negra, antes mesmo da definição legal. Em 2004, a instituição aprovou a medida e sua aplicação foi iniciada no primeiro vestibular de 2006.