“Embora nossos olhos interpretem a luz visível como a única existente, independentemente de sua origem – sol, lâmpadas, chamas e objetos refletivos – ela corresponde apenas a uma pequena fração do que chamamos de ondas eletromagnéticas”, explicou o engenheiro elétrico Cleber Rodrigues, líder do grupo de Eletrônica em Potência (ELP) do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), durante a palestra “Sirius: alguns desafios de engenharia para construção de um acelerador de partículas de última geração”, promovida pela faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na última sexta-feira, 23.
De acordo com ele, há ainda aquelas luzes que não podem ser vistas a olho nu, tais como a infravermelha dos controles remotos e os raios X das radiografias e tomografias. Uma delas, porém, vem ganhando destaque nos estudos científicos em decorrência de suas características: a luz síncrotron. “Trata-se de um tipo de radiação eletromagnética de alto fluxo e brilho, que se estende por uma faixa ampla do espectro – que vai desde a luz infravermelha, passando pela radiação ultravioleta e chegando aos raios X. Ela é produzida quando partículas carregadas, aceleradas a velocidades próximas à da luz têm sua trajetória desviada por campos magnéticos.”
No Brasil, os principais estudos dessa luz vem sendo realizados, sobretudo, no acelerador UVX, localizado em Campinas (SP). O equipamento deve ser substituído a partir do segundo semestre deste ano por uma nova fonte de luz síncrotron brasileira, o Sirius. Segundo o professor do PPEE e um dos organizadores da palestra, André Augusto Ferreira, a dimensão desse empreendimento, não só em termos espaciais, mas em relação ao impacto no mundo todo, torna essencial divulgá-lo entre a comunidade acadêmica.
“Hoje, é o maior projeto de ciência, tecnologia e inovação em andamento no Brasil, pois, além de fomentar a criação de novas empresas nacionais, está suscitando uma série de desafios tecnológicos. A UFJF, por meio de um acordo de cooperação com o LNLS, está participando tanto da parte da construção do conversor, quanto da parte de definição das estratégias de controle”, pontua.
Uma nova fronteira
A luz síncrotron é capaz de penetrar a matéria e revelar características de sua estrutura molecular e atômica. Segundo o engenheiro Cleber Rodrigues, o amplo espectro dessa radiação permite aos pesquisadores utilizar os comprimentos de onda mais adequados para o experimento que desejarem executar. “Já identificamos aplicações em ciência de materiais (análises mais precisas); biologia (análise de proteínas); física; química; microfabricação; geociências (estudar, por exemplo, a estrutura de um tipo de solo); arqueologia (já analisamos a estrutura de um ovo do período cretáceo); e até mesmo artes (como analisar as técnicas utilizadas por Leonardo Da Vinci para pintar o quadro “Mona Lisa”). O que chama mais a atenção é o fato dessa luz permitir essa exploração, sem que seja necessário retirar um pedaço de uma obra artística, por exemplo”, explica.
Ainda segundo Rodrigues, isso acontece porque o alto fluxo e o alto brilho desse tipo de luz permitem experimentos mais rápidos e a investigação de detalhes cada vez menores, com resolução espacial de nanômetros. “No UVX, executamos muita pesquisa de base. Já identificamos, por exemplo, que neurônios de pessoas diagnosticadas com esquizofrenia possuem quantidade de zinco até três vezes maior que o normal, que o zinco alavanca a quantidade de potássio no organismo e o desbalanceamento desses componentes prejudica a comunicação entre os neurônios. Isso, a longo prazo, vai viabilizar um diagnóstico mais preciso e até a descoberta de outras formas de tratamento”, afirma.
O engenheiro destaca ainda que, no mundo todo, há mais de 70 centros de equipamentos com fontes de luz síncrotron, distribuídos em quatro continentes. No hemisfério sul, entretanto, somente Brasil e Austrália possuem esse tipo de infraestrutura científica. “O UVX, que foi a primeira fonte brasileira, teve 90% de sua construção executada exclusivamente pelo próprio país, dentro do LNLS; enquanto, no caso do Sirius, esse percentual gira em torno de 85%. A princípio, foi considerada a possibilidade do projeto receber investimento da Argentina, segundo país que mais usa o acelerador em funcionamento atualmente, mas isso ficou apenas no papel”, explica.
“O Sirius foi pensado, num primeiro momento, como um acelerador de terceira geração, mas acabou virando de última, conforme recomendação de um comitê internacional. O governo abraçou a proposta de garantir que a tecnologia seja de ponta, mas o refinamento da máquina – ou seja, fazê-la chegar nas especificações projetadas, deve levar em torno de dois anos”, enfatiza Rodrigues. Sobre diferenças entre os dois aceleradores, ele explica que o Sirius pode receber injeções de energia de forma contínua, sem necessidade de interrupção, enquanto o UVX não pode receber injeções o tempo inteiro. “A ideia é manter o Sirius em funcionamento a semana inteira”, brinca.
Utilização aberta
Rodrigues garante que o Sirius, assim como o UVX, será aberto, gratuitamente, a pesquisadores de todo o país. “Temos diversas oportunidades de trabalho para acadêmicos de graduação e programas de auxílio a pesquisadores. Para desenvolver estudos nos aceleradores, basta que o interessado submeta um projeto e ele seja aprovado, considerando sua relevância para a comunidade científica e o compromisso de divulgar os dados obtidos, mencionando a utilização do acelerador para isso”, reforça.
“A ideia, inclusive, é migrar os usuários do UVX para o Sirius e aposentar o primeiro, considerando que ele é de segunda geração e já está ultrapassado”, esclarece. Para a conclusão do segundo, entretanto, o engenheiro explica que é necessário superar alguns desafios, como garantir a estabilidade do piso (de forma a evitar a necessidade de alinhar todo o equipamento com frequência), assegurar a precisão das componentes, melhorar o vácuo no tubo por onde circulam as partículas e a medição e registro de dados.
De forma a colaborar com a superação dessas questões, a primeira dissertação do PPEE sobre o projeto propôs uma nova topologia de conversor e uma alteração na estratégia de controle. “Como o Sirius é uma fonte que tem a frequência de 2 Hz e uma potência muito alta, não podemos deixar o efeito dessa oscilação se propagar para a rede. Por isso, desenvolvemos uma estratégia de controle exatamente para reduzir esse impacto”, explica o professor André Ferreira. “Primeiramente, precisamos entender o problema, e, depois, modelar esse sistema, propor uma solução e construir um protótipo que se encaixasse ao que eles precisam”, relembra.
Para o doutorando Salatiel Lobato, que idealizou esse estudo ao longo dos dois anos de seu mestrado, “é muito mais motivador ver que há um problema real sendo atacado e que o que você vai desenvolver será, de fato, aplicado numa iniciativa de alto nível tecnológico. Sem falar na oportunidade de conhecer o LNLS e estrutura do laboratório, que é uma experiência muito produtiva. Não é algo que encontramos em qualquer instituição de pesquisa do Brasil, em qualquer laboratório do Brasil, mas foi possível conhecer por meio da cooperação entre UFJF e LNLS. E o trabalho final, oriundo dessa possibilidade, foi concluído e entregue com sucesso.”
“Os benefícios dessa relação também são muito grandes”, avalia Ferreira. “Os materiais para desenvolver essa e outras pesquisas posteriores foram, em boa parte, doados ou emprestados pelo LNLS. Com isso, nosso custo para efetivar esses estudos – que seriam elevados caso precisássemos fazer tudo aqui – são muito baixos. Tanto a transferência de tecnologia, quanto a de conhecimento, são muito positivas. Eles têm uma experiência, construída ao longo de anos. Além disso, estamos fazendo pesquisa aplicada. Um problema que eles estão enfrentando e para o qual estamos propondo soluções. É uma pesquisa bem direcionada”, conclui.
Outras informações
(32) 2102-3432 (Programa de Pós-Graduação em Energia Elétrica)
(19) 3517-5061 / www.lnls.cnpem.br (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron)