De 1 a 5% da população sofrem com algum tipo de transtorno alimentar. Os mais frequentes são a anorexia e a bulimia, que podem ser graves e, na ausência de tratamento, levar o paciente à morte. As principais vítimas são as mulheres em idade ativa, especialmente as jovens adultas, e um dos desafios para quem é acometida por uma dessas doenças é vencer o tabu e procurar ajuda profissional.
“Uma característica de quem tem algum distúrbio alimentar é sentir vergonha do problema. Desse modo, nós temos que ficar atentos. Quando as pessoas têm outras questões de saúde, elas procuram atendimento, mas as portadoras de distúrbios alimentares não costumam fazer isso. É fundamental a ajuda de familiares e amigos, porque talvez seja preciso outra pessoa estimular a paciente a procurar um médico”, alerta a endocrinologista e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Flávia Lopes Macedo.
Em entrevista, ao Portal da UFJF, a especialista explica que as doenças têm cura e destaca a importância de acompanhamento multidisciplinar para que as pacientes recuperem a saúde e a qualidade de vida.
– Portal UFJF: Em linhas gerais, como definir anorexia e bulimia?
– Flávia Lopes Macedo: Anorexia e bulimia são os transtornos alimentares mais frequentes. Têm duas características em comum: a compulsão alimentar e a compulsão pela magreza, a perseguição do ideal de corpo magro. E são também consideradas transtornos psicológicos. A bulimia é caracterizada por uma ingesta excessiva de alimentos com hábitos purgatórios depois. O que é isso? O hábito purgatório mais conhecido é de provocar o vômito, para perder o alimento ingerido em excesso. Mas esse não é o único. Há também os casos de uma ingestão excessiva de alimentos com exercícios físicos muito intensos depois. Então, a pessoa ingere uma quantidade grande de calorias e faz horas de exercícios físicos para tentar compensar essa ingestão. Já a anorexia é caracterizada pela ingestão muito baixa de calorias associada ao distúrbio da imagem. O que significa isso? A pessoa se alimenta muito pouco, começa a perder muito peso. Porém, ao se olhar no espelho, se ‘enxerga’ acima do peso, ou seja, junto com a baixa ingestão de alimentos tem um distúrbio da imagem corporal. Os dois distúrbios podem coexistir. Por exemplo, a pessoa pode ter anorexia e, ainda assim, ter hábitos purgatórios. Às vezes, é um pouco difícil de diferenciar, apesar de haver as duas definições que expliquei.
As pessoas com anorexia ou bulimia têm muita dificuldade de procurar assistência. O primeiro passo é o familiar ou amigo convencer essa pessoa a ir ao médico
– Qual o perfil médio da população que sofre de transtornos como a anorexia e a bulimia?
– As mulheres, especialmente as em idade economicamente ativa e mais jovens, são muito mais acometidas pela anorexia e pela bulimia do que os homens. Essas doenças também são mais frequentes em pessoas ansiosas e mais preocupadas com a autoimagem, o que acaba estando associado a uma baixa autoestima.
– Como é feito o diagnóstico desses distúrbios alimentares?
– O diagnóstico é clínico, é feito em nível ambulatorial. Algumas pessoas têm até necessidade de internação após o diagnóstico, mas o diagnóstico é, eminentemente, clínico. Deve ser feito por equipe multidisciplinar. Precisa do endocrinologista, do nutricionista, do psicólogo e do psiquiatra.
– Como familiares ou amigos podem, ao reconhecerem os sintomas da anorexia e da bulimia, colaborar com o tratamento de pessoas acometidas por esses transtornos?
– A primeira coisa é convencer essa pessoa a procurar ajuda médica. O ideal é que esse familiar ou amigo acompanhe esse paciente. As pessoas com anorexia ou bulimia têm muita dificuldade de procurar assistência. O primeiro passo é o familiar ou amigo convencer essa pessoa a ir ao médico. A princípio, deve-se procurar o médico na atenção primária. Na atenção primária, por uma triagem do médico de família, a paciente vai ser encaminhada para a atenção especializada.
Essas pacientes (anoréxicas) podem ter distúrbios ósseos, perdas dentárias, psicoses mais severas com necessidade de internação, e, por essa desnutrição e baixa de peso, pode morrer
– Como se dá o tratamento desses distúrbios alimentares?
– O tratamento deve ser realizado por equipe multidisciplinar, conforme mencionei. Inclui terapia, existem até grupos de terapia; acompanhamento por nutricionista, porque não adianta querer melhorar a alimentação de uma pessoa se ela não sabe quais alimentos comer; além do tratamento com o endocrinologista, por vezes precisando de medicações. Quais medicações que são utilizadas? Principalmente, os ansiolíticos (medicamentos para diminuir a ansiedade e a tensão) e antidepressivos (fármacos eficazes para tratar transtornos depressivos, mas também utilizados para tratar diversas outras doenças), que podem ajudar bastante na recuperação psicológica dessa pessoa, para que ela possa melhorar. Eu digo que a anorexia e a bulimia são semelhantes à depressão: tem tratamento e tem cura. Eu acho importante que o profissional que trata essa paciente tenha sempre em mente o histórico, porque quem já teve uma vez, tem um risco maior de recorrência, mas é passível de cura, sim. Pode ser que a pessoa nunca mais desenvolva o distúrbio. É só manter-se sempre vigilante.
– Quais são as consequências mais extremas para quem sofre com distúrbios alimentares e não procura ajuda profissional?
– Pode ter consequências graves, levando até à morte. Então, em alguns casos, como os de pacientes anoréxicas com peso muito baixo, é preciso internação. Essas pacientes podem ter distúrbios ósseos, perdas dentárias, psicoses mais severas com necessidade de internação, e, por essa desnutrição e baixa de peso, a paciente pode morrer.
– Como identificar se o baixo peso de um familiar ou amigo já é sinal de um distúrbio alimentar?
– Na bulimia a paciente não costuma ter o peso abaixo do ideal, porque, como ela tem uma ingestão calórica grande com hábitos purgativos depois, é a paciente tipicamente de peso normal. Aí, vem o diagnóstico clínico, porque não podemos esperar, no caso da bulimia, o baixo peso. A bulímica é normalmente uma paciente com peso normal ou sobrepeso. Na anorexia seguimos os padrões de Índice de Massa Corporal (IMC) que são considerados normais pela Organização Mundial da Saúde, que hoje é acima de 18,5. Então, com a paciente com IMC abaixo de 18,5, nós já temos que ficar alertas. Existem pessoas que naturalmente são mais magrinhas sem que tenham nenhum distúrbio, mas, se a paciente tem sintomas, características de anorexia e está abaixo do peso, já é o caso de procurar atendimento médico.
– É possível relacionar a divulgação de determinados padrões estéticos, realizada pela grande mídia por exemplo, aos casos de distúrbios alimentares?
– Sem dúvida! Na verdade, nós sabemos que o percentual de pessoas com distúrbios alimentares aumentou muito, após essa mudança de comportamento da sociedade, no sentido de cobrar magreza. Nos anos de 1980 as mulheres começaram a emagrecer demais, e o perfil divulgado como ‘bonito’ era o anoréxico. Isso mexeu muito com a cabeça das adolescentes à época e mexe até hoje, apesar de os padrões estarem mudando de novo. Então, hoje as próprias agências de modelos não estão mais aceitando profissionais tão magras e isso tende a melhorar com o tempo, mas sem dúvida esse foi um padrão que colaborou para mulheres desenvolverem distúrbios alimentares.