Em entrevista exclusiva, Romero falou sobre como a comunicação surge como um recurso central no jogo político (Foto: Observatório da Qualidade no Audiovisual)

Em entrevista exclusiva, Romero falou sobre como a comunicação surge como um recurso central no jogo político (Foto: Observatório da Qualidade no Audiovisual)

Participando do II Congresso Internacional Sobre Competências Midiáticas, o professor venezuelano Luis Miguel Romero visitou a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para debater a interface política e social dos meios de comunicação. Lecionando na Universidad de Huelva (Espanha), Romero desenvolve pesquisas como “Da demonização a polarização: uma análise do discurso digital do Governo e da oposição Venezuelana” (“De la demonización a la polarización: un análisis desde el discurso digital del gobierno y la oposición venezolana”).

O professor, que concedeu uma entrevista em meio às atividades do evento — realizado entre os dias 23 e 25 deste mês, fruto de uma parceria entre o Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFJF (PPGCOM), o Observatório da Qualidade no Audiovisual e a Rede Alfamed –, falou um pouco sobre seu trabalho e como a Comunicação surge como um recurso central no jogo político.

UFJF – Qual o enfoque dos trabalho desenvolvidos no seu Grupo de Pesquisa?
Romero – Na Espanha, se passam várias situações. A primeira delas é o crescimento do interesse acadêmico no estudo do framing — um enquadramento informativo dos Meios de Comunicação, tradicionais e não tradicionais (como as redes sociais e demais Meios digitais) em suas próprias narrativas.

Esses estudos têm demonstrado vital importância e vem sendo desenvolvidos, principalmente, na Universitat de València e na Universidad de Salamanca. No caso da primeira, a pesquisa tem enfoque na análise de discurso; enquanto, em Salamanca, os trabalhos se dão por meio de “análise preditiva de sentimentos”. Esses são os pilares, na Espanha, das produções relativas à comunicação e à análise do momento político que vivemos.

Sobre um dos temas de sua pesquisa, o neo-populismo. Como esses estudos se articulam com o momento político atual?
Primeiramente, temos que pensar no populismo não como uma qualificação negativa para um governo ou partido, mas como uma estratégia de enfoque comunicativo que utiliza várias táticas para convencer a população. No caso espanhol, existem partidos como o Podemos, por exemplo. Um partido novo, nascido no contexto de um movimento popular nacional, em meados de 2011, contrário à classe política e econômica, similar ao Occupy Wall Street nos Estados Unidos, surgido em decorrência da crise econômica de 2008.

“Os meios de comunicação manipulam, certo? Mas são necessários. Com isso, quero dizer que nem todo mal é totalmente mau, nem todo bem é totalmente bom.”

Conseguindo capitalizar esse movimento de indignação pública (que não tinha teor político), criou-se o Podemos, com uma linha ideológica marxista de centro-esquerda. Surgida uma oportunidade de acordo com o partido socialista para alcançar a presidência do país, o Podemos demandou o controle sobre a Televisão, o Ministério de Inteligência e o Ministério de Defesa. Pensando em sua atuação como um partido de esquerda, mais natural seria o interesse nos campos da Saúde e Educação.

Isso demonstra que, mantendo sua linha ideológica, o Podemos não abre mão da hegemonia do Estado como um todo, incluindo a economia e os meios de comunicação, necessitando de mobilizar essa indignação popular e exercer uma forma de controle social para alcançar seus objetivos. Isso é um movimento populista.

Observando que o populismo não se limita a espectros políticos, no Brasil temos uma estratégia similar sendo executada pela direita, angariando conservadores, evangélicos, movimentos interessados em legalizar a pena de morte e outras ações radicais. Ações voltadas para atacar não o problema, mas seus sintomas.

Por que devemos, como sociedade, nos proteger dessa estratégia?
Os meios de comunicação manipulam, certo? Mas são necessários. Com isso, quero dizer que nem todo mal é totalmente mau, nem todo bem é totalmente bom. O populismo é mau, mas não totalmente mau. Ernesto Laclau e sua esposa, Chantal Mouffe, entendiam assim. Eles explicavam que o populismo é a melhor forma de democracia, porque, nele, o governante — para manter a simpatia de seus seguidores — faz exatamente o que o povo quer, posto que o populismo depende desse carinho do povo em relação ao governante.

Primeiramente, é bom que os governantes atendam as demandas dos governados. Em uma sociedade como a Suécia ou a Suíça — sociedades formadas com certo nível — esto está muy bien. Mas numa sociedade em que a maioria da população não está formada, é pouco educada e existe uma cultura de paternalismo, as demandas serão dinheiro sem trabalhar, saúde gratuita total, educação gratuita total… E não há Estado que tenha recursos suficientes para manter isso. Então, o populismo pode ser bom, mas em países onde a maioria da população não é pobre e não carece de educação formal.

A Suíça, por exemplo, realiza eleições semanais em que são votadas as propostas de leis. Não deputados — cidadãos, que votam pela internet, em uma modalidade de democracia direta. E, no entanto, em algumas regiões do país, mulheres não podiam votar até os anos 1990.

Trump…
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Ele exibe algumas dessas características que você mencionou.
¡Por supuesto!

Romero veio à Juiz de Fora para participar da II Congresso Internacional Sobre Competências Midiáticas (Foto: Observatório da Qualidade no Audiovisual)

Romero veio à Juiz de Fora para participar da II Congresso Internacional Sobre Competências Midiáticas (Foto: Observatório da Qualidade no Audiovisual)

E é, também, um exemplo expressivo de um movimento recente de políticos em ascensão. A que se deve o sucesso dessa estratégia, atualmente?
Trump é um outro exemplo de populista de direita. Perceba como não existe uma barreira ideológica, isso acontece com a direita e a esquerda: Obama era populista. Era um “homem do povo”, acostumado a ser visto cercado de pessoas, conversando com os trabalhadores. Um estadista, ao contrário de um populista, não faz isso. Assim como Trump, que busca estar rodeado de pessoas, antes e depois da eleição.

Creio que as pessoas estão apostando no populismo por um motivo muito simples: é uma forma de simplificar o voto. Se amanhã surgir um candidato para o Brasil, por exemplo, com uma proposta de governo, com seus pontos para a educação, para a saúde, para cultura, para relações internacionais… Primeiro, as pessoas não vão ler essas propostas. Aqui, como em muitos outros países, a maioria dos cidadãos não chegou ao Ensino Secundário e não estão acostumadas a ler e entender o que se leu.

Se essas mesmas informações estiverem apresentadas em um vídeo no YouTube, as pessoas vão assistir, porque tem um aspecto de entretenimento. Nos Estados Unidos — onde a maioria das pessoas tem baixo nível de educação formal –, por exemplo, costuma-se adaptar os conteúdos informativos para o formato de entretenimento. Esses programas funcionam porque simplificam a realidade.

O mesmo ocorre com o populismo. Não se apresentam propostas, diz-se “vamos trazer o trabalho de volta para os Estados Unidos”, e as pessoas aplaudem porque, no fundo, é o que desejam. Um estadista pensa nas propostas em função de melhorar a economia, o interesse nacional, a convivência, para fazer crescer o país. Um populista pensa “é o que as pessoas querem escutar? Eu lhes digo”. É tão simples quanto isso. E se esforçam para dividir: “os que pensam como eu são bons. Os que pensam diferente de mim, são maus”.

“E se esforçam para dividir: 
‘os que pensam como eu são bons. 
Os que pensam diferente de mim, são maus’.”

No caso da Venezuela, como o cenário atual se encaixa nessa dinâmica?
Primeiramente, temos que entender que Maduro não é populista. Para ser populista é necessário ser empático. Maduro carece de condições naturais e ecológicas para poder ser populista. Para utilizar essa estratégia, é necessária uma série de características como líder, e, quando é o caso de forçar o populismo para uma figura não empática, se nota e perde eleições.

Chávez, sim, era muito populista. No começo de seu mandato, não tanto, mas logo começou a exibir muitas tendências para o populismo extremo. Chaves se aproveitou de algo (que Lula também aproveitou muito bem): em 1998, o barril de petróleo — vocês tem a Petrobras, nós temos a PDVSA — custava [aproximadamente] US$ 40. Em 2001, depois da Guerra do Afeganistão e começada a Guerra do Iraque, o preço do barril subiu para US$ 130,00. Se o petróleo, que é meu produto de exportação, estava em US$ 40 e passou a custar US$ 130 (rindo) não importa o mal que eu faça, vai haver uma melhora incrível. Porque o país está recebendo cerca de 300% a mais de dinheiro. É como uma casa, em que o salário dos pais é de US$ 1000 e, de repente, sobe para US$ 4000. Mesmo que os pais bebam muito e comprem muitas coisas, sempre vai sobrar algo para as crianças.

E, precisamente, Chávez aproveitou muito bem esse crescimento de preço, com um discurso comunista, e realizou muito paternalismo e muito clientelismo. Uma das bases do populismo é o clientelismo, mantendo a população contente mas dependente do líder para sua subsistência. Então lhes dou becas, bolsas de estudo, ofereço ajuda aos pobres, como supermercados subsidiados, ou forçando as empresas a subir os salários. Claro, as pessoas sentem que esse governante é o melhor do mundo, finalmente, se tem direitos. Mas esses direitos não são orgânicos, porque é um momento excepcional, com o petróleo a US$ 130. Agora, o barril custa US$ 30.

Temos que entender, também, que o populismo latino-americano — no caso de Lula, de Chávez e de Correa, no Equador — nasceu e viveu do petróleo.