Wedencley Alves, professor da Comunicação e coordenador do Sensus, analisa discursos midiáticos sobre saúde mental (Foto: Divulgação/Univas)

Wedencley Alves, professor da Comunicação e coordenador do Sensus, analisa discursos midiáticos sobre saúde mental (Foto: Divulgação/Univas)

Neste mês, a campanha Setembro Amarelo, uma estratégia de comunicação de abrangência nacional elaborada pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), ressaltou a importância da prevenção ao suicídio. O objetivo da iniciativa é usar a comunicação como ferramenta para conscientização da população sobre um problema que vitima, segundo o CVV,  uma pessoa por hora no Brasil.

Para além das campanhas de conscientização, as interfaces entre comunicação e saúde, de acordo com o professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador do Grupo de Pesquisa Sensus, Wedencley Alves, são inúmeras e diversas:  “Saúde e comunicação são temáticas que se atravessam, se aproximam, porque não há como pensar numa sem a outra nos dias atuais. As sociedades são compostas por indivíduos que, em sua maioria, não são especialistas, ou seja, entendem saúde e doença, em muitos aspectos, a partir do que eles leram, ouviram, assistiram, ‘acessaram’, etc.”

Confira a entrevista na íntegra:

– Portal: A temática da saúde psíquica tem ganhado mais espaço nos meios de comunicação nos últimos anos? Caso sim, o que na sua avaliação pode ter motivado tal tendência?

– Wedencley Alves: Primeiramente é importante considerar a questão da aproximação entre os campos da Saúde e da Comunicação. Não há como hoje pensar em qualquer questão de saúde sem pensar necessariamente a centralidade que os meios de comunicação assumem em nossas sociedades. Não só as mídias tradicionais como as redes também influenciam na definição do que é saúde, doença, bem-estar, mal-estar, etc. Na verdade, quando você pensa em depressão, pensa na conversa pessoal com um médico, ou com conhecidos, mas muitas vezes você pensa a partir daquilo que é publicado nos jornais, nas revistas, divulgado por meios eletrônicos ou digitais; meios de comunicação, que não são, efetivamente, apesar do nome, apenas meios: antes  de tudo, produzem, deslocam além de reproduzirem sentidos e discursos. Então, evidentemente, saúde e comunicação são temáticas que se atravessam, se aproximam, porque,  como eu disse, não há como pensar num sem o outro atualmente. É evidente que uma abordagem mais médica é diferente, mas falo de opinião pública, de sociedade como um todo. As sociedades são compostas por indivíduos que não são especialistas, ou seja, entendem saúde e doença como alguma coisas que eles leram, ouviram, assistiram ou “acessaram”.

– Há predominância dessa temática em algum meio de comunicação específico? Quais as características principais desses discursos?

– No caso específico em questão, diria que os problemas de saúde psíquica ganharam muita força, principalmente, no pós-guerra, a partir dos anos de 1950 sob a égide dos saberes “Psi”: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. A discussão pública sobre a saúde mental, quase sempre reduzida à saúde psíquica, se tornou ainda mais presente a  partir dos anos de 1960 e 1970, em torno de modos de sofrimento como depressão, ansiedade, angústia, estresse, transtornos alimentares, ou seja, uma série de ‘males do século’, sempre eleitos a cada ano, a cada decênio. Esse tema cresceu em importância por vários motivos e é lógico que isso se refletiria na mídia. Se quisermos identificar alguns dos fatores que levaram ao ganho de importância dessa temática, poderíamos enumerar: o fato de quase toda esfera das paixões e sofrimentos humanos ter sido apropriada pela noção, que não é tão antiga, de “saúde mental”; pelo fato de “saúde mental” acabar por ser quase sempre reduzida a “saúde psíquica”; pela enorme produtividade do campo  “psi” sobre o assunto; pelo fato de vivermos tempos considerados mais depressivos, mais estressantes, de mais ansiedade; pelo fato de ter despertado grande interesse de mercado. A indústria farmacêutica, principalmente, é uma das principais interessadas no diagnóstico dos problemas psíquicos, de preferência que resultem em farmacologização. Ora, todos estes fatores levam a temática da saúde psíquica a ocupar mais espaços nos meios de comunicação tradicionais e nas redes, porque também estas  últimas ampliam a possibilidade de discussão pública.

– Em sua avaliação, campanhas como Setembro Amarelo podem de fato colaborar para prevenção ao suicídio? Como e por qual motivo?

– Em relação ao suicídio, durante muito tempo, os meios de comunicação foram orientados, até por protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS), a não fazer divulgação do suicídio, porque isso incrementaria o problema. Só que o suicídio teve um aumento de 60%, não se sabe se por notificação ou por ocorrência, nos últimos 40 anos. Então, o protocolo de não divulgação não deu muito resultado. A questão não é divulgar ou não divulgar. A questão é como tratar o assunto. Se você espetacularizar, se você romantizar o suicídio, as coisas ficam muito complicadas, porque, afinal de contas, é um tema que merece sobriedade. Agora, se você tratar com responsabilidade os modos de prevenção, possivelmente vai conseguir ter um respaldo para que a publicação ocorra. Campanhas como Setembro Amarelo colocam em causa, trazem à pauta, o problema do suicídio. O Brasil está entre os países com maior número de registros até porque tem uma população muito grande. De qualquer maneira, sempre evitamos falar sobre o suicídio como se ele não existisse. Ele existe e é muito frequente, principalmente, entre idosos e jovens.

Trazer questões incômodas é necessário. É interessante que muitos profissionais estejam envolvidos e apontem para medidas que possam auxiliar na prevenção desse problema.

– Conte-nos sobre a formação do GP Sensus. Quando se deu? Quantos pesquisadores envolvidos? Quais as principais pesquisas?

– O Sensus surgiu oficialmente em 2012, mas desde 2009 nós já fazíamos leituras com alunos inscritos no Programa de Educação Tutorial (PET). A partir de 2012, começaram a ser realizados diálogos entre as minhas pesquisas e a de orientandos e eventos sobre os temas, além das leituras. Essa atividade de leitura é interessante porque se dá há cinco anos e recebe pessoas de todos as áreas: Psicologia, Ciência da Religião, Letras, Serviço Social, Saúde Coletiva, dentre outras. É bom lembrar, que nós não nos dedicamos somente a autores da comunicação e da saúde, já que tivemos ciclos de leitura temáticos sobre ‘sexualidade e filosofia’; ‘corpo, sujeito e espaço’; “análise do discurso” (que é nossa disciplina de base)  entre tantos outros.

– Como devem proceder estudantes que se interessem pela pesquisa da temática? Há possibilidade de participação no Sensus?

– O Grupo Sensus tem o subtítulo “Discursos em Comunicação e Saúde” e é aberto a todos que queiram participar dessa discussão. Além dos Ciclos de Leitura, temos pesquisas, em nível de mestrado, já concluídas  sobre saúde mental feminina na Revista Cláudia, conduzida por Alice Bettencourt; sobre Psicanálise na mídia, com Iara Campos; sobre a campanha e discursos de soropositivos HIV, com Stéphanie Lyanie; acerca das conferências de saúde e a cobertura nos jornais, com Lorena Goretti. Há pesquisas em andamento sobre o suicídio, com Antonione Grassano; anorexia, com Nathália Rippel; e adicção, com Luana Alencar,  entre outros.

Ou seja, o campo da Comunicação e Saúde na UFJF está plenamente consolidado. Chegam propostas interessantes todos os anos. E a gente tenta não se valer das agendas midiáticas, mas pesquisar assuntos de interesse para a sociedade.

– Há a previsão de novas publicações sobre a temática?

– Uma novidade é que estamos lançando, no Grupo Sensus, daqui a um mês a Revista Saúde &.  Vai ser, possivelmente, a primeira revista de saúde online do país, produzida por uma universidade, além de ser, possivelmente, pioneira em relacionar saúde a vários temas. A ideia é produzir uma revista que vá além da saúde como questão médica especificamente. Saúde também é meio ambiente, é moradia; tem a ver com violência, com precariedade social, com assédio moral no trabalho.  Então, é por aí que nós vamos tratar. Nossa abordagem é crítica, plural e multidisciplinar.  Crítica, porque não pretende ser apenas uma reprodutora de discursos especializados. Plural, no sentido de que vamos ouvir muitas vozes. Multidisciplinar, porque vai trazer para a discussão da saúde vários profissionais.

Outras informações: wedencley@gmail.com