Se você já ouviu falar em aceleradores de partículas, deve saber que essas máquinas passaram por diversas controvérsias – e inúmeras teorias apocalípticas – até que pudessem ser utilizadas. Segundo os cientistas, o investimento, no entanto, é seguro e possibilita a explicação de diversos mistérios da natureza, como a descoberta da Partícula de Deus, em 2012. De lá para cá, as equipes vêm trabalhando em projetos capazes de confirmar as teorias de física moderna existentes. É o caso do estudo que contou com a participação do professor da UFJF, Luciano Manhães de Andrade Filho: pela primeira vez foram encontradas evidências da luz interagindo consigo mesma em altas energias. Os resultados foram publicados na Nature, uma das principais revistas de divulgação científica do mundo.
Luciano Filho conta que a interação entre fótons não é prevista pela física clássica, mas é prevista na física moderna (eletrodinâmica quântica). “Antigamente, achava-se que a luz era onda eletromagnética. Por essa teoria, não é possível predizer que essas ondas também são partículas, que os fótons poderiam interagir dessa forma que nós observamos”, explica.
O pesquisador explica que o grande trunfo do estudo reside na comprovação teórica. “A teoria de física moderna é muito rica, mas ainda precisa ser comprovada. Nós temos grandes indícios de que estamos no caminho certo, como esse trabalho de interações entre fótons, mas acredito que ainda demore muito para vermos resultados práticos dessas descobertas”, avalia. “No momento, a importância é a comprovação da teoria, que não é um processo simples”.
E realmente não é. Além da necessidade de um acelerador de partículas (de larga escala e grande investimento, chamado LHC), a equipe responsável pela pesquisa foi composta por cerca de três mil pessoas ao redor do mundo: uma mostra do volume de trabalho necessário.
E como a pesquisa foi feita?
As partículas – geralmente prótons e íons pesados – são aceleradas no LHC a altas velocidades. As colisões geram partículas fundamentais que existem em um período muito curto, são muito instáveis e decaem rapidamente para as partículas que formam a matéria. Daí vem um dos principais desafios: como identificar e filtrar os dados relevantes no meio de tantas colisões em um período de tempo tão curto? É aí que entra o trabalho de Luciano Filho. Para captar o resultado das colisões, existem detectores capazes de identificar os chamados decaimentos, ou seja, subprodutos da colisão, além de sensores específicos para medir algumas propriedades, como carga e energia. Juntando todas essas informações, é possível realizar a reconstrução do evento. O grupo do pesquisador trabalha diretamente com o funcionamento desses detectores. “Nós fizemos a parte de eletrônica do sistema que passa a ser utilizado em 2018 e que vai filtrar melhor os resultados obtidos. Também trabalhamos no processamento de dados para fazer a filtragem para realizar a análise de forma mais correta”, afirma.
“É raro gerar fótons como subproduto, para se ter uma ideia, são 40 milhões de colisões por segundo. Isso vinha sendo feito desde 2010 e nós só coletamos 13 eventos desse tipo”, Luciano Filho
Luciano Filho explica que é difícil dizer a quantidade de engenharia necessária para realizar esse processamento de dados. “Imagine que é preciso conseguir fazer todo o processamento matemático, engenharia de leitura desses milhões de canais simultâneos, conseguir separar em tempo hábil essa informação, salvar em disco para fazer a análise final e reconstruir esses eventos”, conta. “É um processo muito complicado”.
Além disso, os próprios eventos são um desafio: é raro gerar fótons como subproduto. “Para você ter uma ideia, são 40 milhões de colisões por segundo. Isso vinha sendo feito desde 2010 e nós só coletamos 13 eventos desse tipo”, observa. Como a probabilidade desse fenômeno acontecer é maior com íons pesados, a pesquisa foi realizada com íons de chumbo.
O professor ainda reitera que, além dos evidentes avanços científicos, a pesquisa também influencia a forma que a ciência é ensinada nas escolas hoje. “Nós sabemos que a física clássica já não é capaz de explicar todos os fenômenos e é preciso que os alunos tenham uma visão mais ampla das forças da natureza, aprendam os fenômenos da forma como acontecem (através da eletrodinâmica quântica) para aprimorar esse conteúdo futuramente”, afirma.
Saiba mais sobre o LHC
O LHC (do inglês: Large Hadron Collider ou Grande Colisor de Hádrons) é o maior e mais poderoso acelerador de partículas do mundo. Localizado a 100 metros abaixo do solo em Genebra, na Suíça, ele é formado por um tubo circular de 26,7 km de circunferência e 7m de diâmetro. Sua construção durou 20 anos e custou cerca de 10 bilhões de dólares, além de envolver milhares de cientistas. A quantidade de energia necessária para que o aparelho funcione seria o suficiente para alimentar 1,2 milhão de lâmpadas incandescentes de 100 watts. É um dos experimentos do Cern (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), local onde a internet foi inventada.
Mas como ele funciona? Os cientistas aceleram partículas no anel do LHC, a velocidades muito próximas à da luz, disparando dois feixes de energia em direções opostas. As partículas são aceleradas por campos elétricos e guiadas por campos magnéticos, capazes de desviar sua trajetória. Através da colisão, fenômenos muito raros, descritos pela física moderna, podem ser observados. Mas para que isso seja possível, são necessários sensores para captar as informações geradas pelos eventos. Os produtos das colisões decaem em um tempo tão curto que, para observar esses fenômenos, são necessários detectores. São cerca de 150 milhões de sensores, fornecendo informações 40 milhões de vezes por segundo. É o equivalente a 1 Terabyte TB de dados sendo gerados por segundo. Se guardar esses dados já é complicado, imagine analisá-los. Para solucionar esse problema, o Cern construiu uma Grade Mundial de Computação, que conecta cerca de 80 mil computadores para realizar a análise.
A partir do LHC, é possível conduzir pesquisas que simulam as condições do Big Bang, além de encontrar resultados que podem consolidar a estrutura da teoria vigente de física de partículas. Um dos casos foi a confirmação, em 2012, da existência do chamado Bóson de Higgs ou a Partícula de Deus, partícula elementar que explica a origem das massas das partículas – após o Big Bang, as partículas não possuíam massa, que seria recebida através do Bóson de Higgs. A pesquisa recebeu o Prêmio Nobel de Física e contou com a participação da equipe do professor Luciano Filho.