(Foto: Alexandre Dornelas/UFJF)

Debate contou com a participação de Belita Koiller, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professora do Instituto de Física da UFRJ (Foto: Alexandre Dornelas/UFJF)

O Brasil é o segundo maior produtor de soja no mundo e a atividade equivale a cerca de 23% do PIB nacional. Mas essa transformação só foi possível a partir da descoberta, em 1957, das bactérias fixadoras de nitrogênio, organismos que auxiliam no crescimento de algumas plantas. Já os transistores permitiram a criação de computadores, o Projeto Apollo tem aplicações no tênis que você usa hoje, assim como os motores mais leves e trens levitantes só se tornaram uma realidade através da descoberta da supercondutividade, ainda em 1911. O investimento em ciência de base é o que torna possível as inovações que têm impacto direto no nosso cotidiano. Para discutir o tema, o VI Workshop da Pós-graduação em Física, realizado durante essa semana, promoveu a mesa-redonda “Políticas públicas e seus reflexos na ciência e educação”, com a participação de Belita Koiller, Paulo Barone e Marcília Barcellos.

Para Belita Koiller, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o investimento em ciência não deve ser pensado como um gasto. “A ciência não é supérflua. Ela impacta diretamente a sociedade e o seu modo de vida. Então, é necessário educar a população e os políticos sobre essa importância”, observa.

A professora conta que a diretoria da ABC está promovendo estudos sobre o papel da ciência e tecnologia no desenvolvimento do país e produzindo um documento, o “Projeto de Ciência para o Brasil”, para incentivar esse processo e promover recomendações para a área. “Neste documento, nós damos indicações nas áreas de divulgação científica, de financiamento, como a locação de 2% do PIB para a ciência, e também na melhoria do protagonismo da ciência no país, como a ampliação de programas de pós-graduação, internacionalização e prédios como esse Centro de Ciências, que aproximam a ciência da população”.

Cortes
Segundo Belita, a pesquisa básica não é autossustentável. “Podemos pegar como exemplo a supercondutividade. O conceito, descoberto em 1911, está colhendo frutos hoje, com os trens levitantes. Não é algo que tem impacto direto, então o investimento público é muito importante, é dever do Estado.” Atualmente, o Brasil aloca 1% do PIB para a ciência, enquanto a média mundial é o equivalente a 2,04%, o dobro dos números do país. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações , que recebia 6,5 bilhões em 2013, sofreu uma queda de mais da metade do orçamento: em 2017, o esperado é um investimento de 2,83 bilhões, com cortes de 44% anunciados para 2018. “Isso é muito preocupante, porque você perde um projeto de continuidade. Isso reflete no número de profissionais na área e no próprio PIB. Os cortes estão sendo feitos no lugar errado”, afirma.

Para Marcília Barcellos, doutora em ensino de ciências e professora do Cefet/RJ, “a ciência tem que conversar com o povo. Se a escola ensinasse a importância da ciência e tecnologia, os cortes não seriam medidas tão fáceis de serem realizadas”. Um dos pontos que favorecem a manutenção dessa situação é o próprio currículo escolar. “A ciência perde alunos ao ser desinteressante na escola. Não seria melhor apresentar as aplicações práticas? O que tem de ciência no seu celular? No seu almoço? Na sua casa? Como isso funciona? O currículo não dá conta dessas questões”.

Políticas de Estado
Além disso, ela acredita que as políticas públicas – ações intencionais, planejadas e estratégicas providas pelo Estado visando a sociedade – devem ser do Estado e não do governo. “Políticas públicas para a educação e ciência precisam de tempo para darem resultados, não é um processo rápido”, afirma. “Então, é necessário que elas se sustentem independente do governo que está no poder, para que haja uma continuidade desse trabalho. Não é o que costuma acontecer”.

A professora também discutiu o custo/aluno para um ensino de qualidade. “Com o congelamento dos recursos por 20 anos e uma proposta de reforma do Ensino Médio que aumenta o número de aulas, como promover um ensino de qualidade? Esse panorama favorece a quem? Assim como Dary Ribeiro afirma, a crise da educação não é uma crise, é um projeto”, conclui.

Já o secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC) e conselheiro da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, Paulo Barone, acredita que não é só uma questão orçamentária. “Alguns países ao redor do mundo realizaram muito mais com menos recursos. Nós precisamos aprender a gastar nos lugares certos. É necessário planejamento, persistência e um projeto continuado para produzir resultados concretos.”

Além disso, com o aumento do número de vagas, cerca de 17% das pessoasna faixa etária de estudos universitários, conseguiram ingressar no ensino superior. “Essa transição de uma universidade de elite, instituições menores, para o modelo de massa ainda não foi consolidada”.

Barone também afirma que a abertura da universidade para a discussão com a população é uma forma de encontrar melhores resultados. “Há alguns anos, a universidade discutia sozinha a própria universidade. Esse processo tem mudado: o debate pulou as cercas universitárias e agora inclui outros autores, que trazem contribuições diferenciadas para a discussão”.

O evento
O Workshop da Pós-graduação em Física acontece desde 2012 e é organizado por uma comissão formada por alunos do curso. O evento conta com minicursos e apresentações de papers dos estudantes, além de palestras e mesas-redondas. Com o tema “Mulheres na Ciência”, a edição de 2017 busca incentivar novas pesquisadoras a entrarem no campo das ciências.

Giovanni Carvalho, um dos integrantes da comissão organizadora, conta que, além de enriquecer o programa de pós-graduação e apresentar um espaço de divulgação das pesquisas dos alunos, o evento também é uma forma de aproximação com a população. “Ao trazermos o workshop para o Centro de Ciências, nosso objetivo é promover uma interação maior com a sociedade, mostrar que o que é feito aqui dentro tem que estar em consonância com a realidade”, completa.