Quais os desafios que a saúde mental enfrenta no Brasil em meio às atuais conjunturas? No que o país evoluiu no tema durante as últimas décadas? Estas foram algumas das questões respondidas pelo coordenador-geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro, na palestra “Política de saúde mental no Brasil: como foi, onde estamos e para onde desejamos ir?”, que aconteceu na tarde de quinta-feira, dia 1º, no Anfiteatro B do Centro de Ciências da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
O público, composto sobretudo por acadêmicos e profissionais da área da saúde mental, teve a oportunidade de ouvir, em uma exposição franca, o atual estágio da área no país e as perspectivas para o futuro. O representante do Ministério da Saúde traçou um histórico de como a questão mental foi tratada no Brasil durante o século XX, quando os tratamentos baseavam-se na exclusão social dos pacientes, simbolizada em Minas Gerais pelos grandes hospitais psiquiátricos.
O cenário passou a se transformar, no começo da década de 80, quando o convívio social passou a ser visto como um importante elemento para a ressocialização. O primeiro Centro de Atenção Psicossocial do país data de 1987, tratando-se de um elemento central na adoção desta nova abordagem. Em 1998 o Brasil possuía 148 centros como este, número expandido para 2.455 em 2016. Na exposição, Cordeiro detalhou as dificuldades encontradas pela União para a construção de novos centros, sobretudo, em um cenário econômico recessivo, e abordou, com dados do Ministério da Saúde, as dificuldades encontradas para a área no país, como as diferenças regionais e a falta de medicamentos.
Segundo Cordeiro, hoje 3% da população brasileira sofre de transtornos mentais severos, número equivalente a cerca de seis milhões de pessoas. Destas, 600 mil sofrem com transtornos referentes ao crack. O representante do Ministério da Saúde indicou que a despeito das atenções recebidas em grandes centros como São Paulo sobre o assunto, em especial nas últimas semanas com as ações do prefeito João Dória na chamada “Cracolândia”, sua função de representante da União o fez se deparar com o problema em distintos pontos do país, e usuários de diferentes ascendências, como demonstrou esta reportagem do jornal El País. Cordeiro citou a existência de espaços como o paulistano em Cuiabá, e a presença de quatro pontos de consumo da droga a céu aberto em Caxias do Sul, no interior gaúcho. O médico citou os esforços realizados pelo Governo federal sobre a questão por meio do programa “Crack, é possível vencer”, que como demonstrou checagem da Agência Lupa, mostrou-se longe de atingir suas metas.
3% da população brasileira sofre de transtornos mentais severos, número equivalente a cerca de seis milhões de pessoas
Após a exposição de Cordeiro, o público contou com um espaço para perguntas e considerações. Na ocasião, temas das mais diversas ordens, desde o orçamento da União e o pacto federativo, perpassando por aspectos internos de centros menores de atendimentos foram tratadas. O representante do Ministério da Saúde tratou didaticamente cada questão, levando em conta o que o órgão pode agregar a partir do que ali foi relatado, e ressaltando a importância de uma aliança de todas as esferas públicas em prol da resolução dos problemas.
Cordeiro abordou a relevância do espaço de discussão: “O ambiente acadêmico é o mais propício para discutirmos – independente de posição ideológica – abertamente os problemas da área em que estamos atuando, por isso, um debate franco e aberto é fundamental.” E incentivou iniciativas como o encontro da tarde: “Acho extremamente importante estreitar os laços entre o meio acadêmico e o setor público. Nós só vamos avançar, indubitavelmente, se nos valermos de ações baseadas em evidências.”
“Dar continuidade ao trabalho dentro do serviço público às vezes é difícil por conta da efemeridade de sua situação. Por isso, é importante que as políticas públicas sejam de Estado, não de Governo, para que as pessoas não sejam mais importantes do que as políticas, e que estas tenham sua efetividade garantida”
Diante da questão, Cordeiro ressaltou a importância que a academia pode ter para a consolidação de políticas públicas efetivas: “A Universidade pode avaliar se algum tipo de política pública é custo-efetiva. A Universidade pode explorar esta situação e apontar em qual direção se deve seguir. Eu, como profissional, com estes estudos posso saber se é melhor investir aqui ou ali com os dados que temos. Só com essa relação próxima com a academia é que podemos avançar.”
O evento foi promovido pelo Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital Universitário (HU-UFJF). Cordeiro assumiu o posto de coordenador-geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde em fevereiro deste ano. O profissional é doutor em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP), com período sanduíche no King’s College London, na Inglaterra. Também professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Atenção mundial
Assunto ressaltado pelo coordenador-geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde foi a depressão. O distúrbio foi o destaque do último Dia Mundial da Saúde, data promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no intuito de alertar sobre algum problema que mereça os holofotes. No Brasil, cerca de 11 milhões de pessoas são diagnosticadas com a enfermidade, que pode culminar com o suicídio caso não receba os devidos cuidados.
O número de brasileiros atendidos exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é de 82% da população, no entanto apenas 54% dos atendimentos por conta de depressão no país são feitos por meio do SUS, o que demonstra grande desigualdade. Destes, 70% são realizados por meio da atenção básica, e 30% nos Caps que, segundo Cordeiro, podem não contar com a estrutura mais adequada para o tratamento.