Um livro que atravessou o tempo: assim é “Orlando”, da escritora Virgínia Woolf. A obra – publicada pela primeira vez em 1928 e cuja personagem principal transita entre as identidades feminina e masculina – foi objeto de pesquisa da aluna do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Sônia Maria Costa Fajardo.
A mestranda, que também é técnica em educação na UFJF, defendeu na última sexta-feira,24, a dissertação “Orlando, de Virginia Woolf: desconstruindo as fronteiras de gênero”, sob orientação da professora Márcia de Almeida. “Tem-se como certo que, em 1928, a palavra ‘sucesso’ resumiu o veredito sobre Orlando. Sucesso de crítica e de venda: para a surpresa de Woolf, os elogios ao livro vieram de vários pontos e as vendas foram mais surpreendentes ainda. Sua audácia foi um dos pontos fortes para a aclamação geral”, explica Sônia.
Ela destaca que o enredo de ‘Orlando’ abrange questionamentos sobre as diferenças entre homens e mulheres construídas ao longo dos séculos e sugere a possibilidade de desconstrução dos comportamentos baseados no binarismo masculino/feminino. “Assunto sério e de extrema importância para o questionamento da superioridade do homem sobre a mulher, demonstrando a irrelevância da categoria sexo e a necessidade de harmonia entre os seres, em busca de um mundo mais igualitário, justo e livre. A história ali desenvolvida atravessou o tempo e ainda ecoa nos dias atuais, por meio dos estudos contra o convencionalismo e em prol do respeito aos indivíduos, independentemente de aspecto sexual ou – usando o termo mais apropriado para o momento contemporâneo – em respeito às questões de gênero.”
A escolha do ‘objeto’ de pesquisa
A mestranda revela que a escolha do objeto de pesquisa surgiu da própria discordância acerca da rigidez de diferença imposta pelo binarismo de gênero. “Em nosso dia-a-dia, convivemos com muitas pessoas que pautam seus comportamentos de acordo com os padrões socialmente aceitos, construídos com base no binarismo masculino/feminino. Na maioria das vezes, essas pessoas agem dessa forma preocupadas com a opinião e a aprovação dos outros, privando-se de viver conforme seus sentimentos e vontades, atraindo para si frustrações, ressentimentos e muito sofrimento.” Neste contexto, a acadêmica pontua, ainda, que não é simples romper com as convenções e os tabus, “pois, há séculos, rígidos conceitos separam os papéis do homem e da mulher, em positivo e negativo. Discordando dessa rigidez de diferença imposta às pessoas, baseada no aspecto sexual, eu quis entender um pouco mais sobre o assunto. Como tenho formação em Letras, pensei em associar esse tema à literatura e iniciei meu projeto ao ser presenteada com Orlando. Ao ler o livro, percebi o quanto Virginia Woolf iria impulsionar os meus questionamentos.”
Interface entre os Estudos Literários e de Gênero
Sônia salienta que a pesquisa buscou refletir sobre “a importância da interface entre os Estudos Literários e os Estudos de Gênero, a partir da análise de Orlando, uma biografia, cujo enredo permite traçar pontos de interseção entre as considerações sobre androginia, não linearidade, flexibilidade e mutabilidade dos sexos, promovidas por Woolf, há 89 anos, e que se apresentam tão atuais, além de revelar o engajamento da escritora na afirmação e no reconhecimento da autoria feminina.”
Outro aspecto destacado pela mestranda na obra de Woolf é a consolidação da importância da luta, da busca incessante pela conquista do ideal. “Virginia Woolf foi uma visionária: estando à frente de seu tempo, provocou questionamentos que não se perderam no caminho, ao contrário, promoveram mudanças e ainda permeiam reflexões que vêm sendo largamente discutidas há quase um século. A cada conquista, um passo rumo à liberdade.”
Outras informações: (32) 2102 – 3118 – Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários (PPGLetras)