Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher – 8 de março -, será publicada uma série de reportagens com o objetivo de homenagear cada uma das mulheres que colaboraram e permanecem colaborando para a consolidação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) como referência em ensino, pesquisa e extensão.
Sem o trabalho, a dedicação e a força das entrevistadas e das centenas de outras professoras, técnico-administrativas em educação, terceirizadas e alunas, a instituição não estaria entre as mais importantes universidades do país. De 1960, ano de fundação, até os dias atuais, foram incontáveis as contribuições. Somente no corpo docente, há 723 mulheres, representando 45,39% do efetivo total de professores.
“A UFJF tem motivos para se orgulhar de suas professoras, técnicas em educação e alunas. Muitas ganharam projeção nacional com suas teses, sua atuação profissional, participação em congressos, publicações, e as mais variadas atividades. Outras, embora com atuação mais discreta, foram responsáveis, ano após ano, década após década, pela formação e conscientização de muitos jovens que passaram pela UFJF”, destaca a professora Helena de Motta Salles, que dedicou-se à pesquisa, ao ensino e à extensão na Universidade por 28 anos, entre 1980 e 2008.
Relação anterior à carreira
A relação de Helena com a UFJF é ainda anterior ao exercício profissional. Entre 1968 e 1972, anos duros da ditadura militar, foi aluna da graduação em Filosofia e participou ativamente das atividades de contestação do regime de exceção. “Meu período como estudante na graduação coincidiu com a fase mais sombria da ditadura militar. Além das atividades do Diretório Acadêmico do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), participei também do Diretório Central dos Estudantes (DCE), do qual fui vice-presidente na gestão 1970-1971, interrompida pela prisão dos membros da diretoria e a renúncia forçada dos mesmos em seguida.”
“Até o passado recente, as famílias se importavam mais com a formação profissional dos filhos do que das filhas’” Helena de Motta Sales
À época, qualquer contestação ao governo militar era interpretada como um atentado à segurança nacional. “Como eu pertenci à Ação Popular (AP), organização clandestina voltada a ações de combate aos governos militares, fui enquadrada num Inquérito Policial Militar e depois respondi a um processo na Justiça Militar. Mas no julgamento fui absolvida, assim como meus companheiros. As ações de que nos acusavam eram essas próprias do movimento estudantil: panfletagem, pichações, reuniões com conteúdo ‘subversivo’, atos de protesto de modo geral, propaganda contra o governo. A maioria que participava era formada por rapazes, mas havia um significativo envolvimento das garotas também no período.”
Helena, que é mestre e doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), manteve-se na luta pró-democratização ao ingressar na UFJF como professora, e teve expressiva atuação no movimento sindical docente, participando, inclusive, da direção da Associação de Professores do Ensino Superior de Juiz de Fora (Apes-JF). “Houve muitas greves na década de 1980, uma forte atuação dos professores em todo o país. Foi um momento de muita mobilização pela volta à democracia no Brasil, o que havia começado na segunda metade da década anterior. Houve a campanha pelas ‘Diretas já’ em 1984 e, depois, pela Constituinte, que resultou na Constituição de 1988. Eu me lembro da distribuição das camisetas com os dizeres ‘Diretas já!’, no ICHL, de manifestações, de muita efervescência no período. A Apes-JF, criada em 1978, teve um papel muito importante nesse contexto, foi muito atuante na luta pela manutenção da universidade pública como um direito de todos e um dever do Estado.”
Reivindicações e ativismo político
A professora e diretora da Faculdade de Serviço Social (FSS) da UFJF, Cristina Simões Bezerra, relata que os anos de 1990 também foram marcados por reivindicações e ativismo político. Entre 1990 e 1994, ela era aluna de graduação da faculdade da qual hoje é diretora. “Do ponto de vista político, era um momento em que a Universidade, os movimentos estudantis e de docentes estavam muito ativos durante toda a década de 90 com greves e mobilizações. Então, a gente participava, tinha possibilidade de se envolver nessas atividades. Ainda havia o ranço da ditadura militar. Eu me lembro, por exemplo, do dia em que o Fernando Collor, então presidente, anunciou que ia confiscar as poupanças. Não teve aula na Universidade. As pessoas tinham medo do que ia virar aquilo, qual reação poderia ter. Ainda tinha esse risco, esse medo do retorno do autoritarismo da ditadura militar.”
“Cada vez que deixamos de fazer algo por sermos mulher, aumentamos a invisibilidade e a subalternidade das mulheres” Cristina Bezerra
Cristina, que é mestre e doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enfatiza a importância da participação das mulheres nos movimentos sociais para o combate à desigualdade de gênero. Destaca, ainda, que os desafios e as oportunidades das brasileiras variam de acordo com a classe social, a raça, a identidade de gênero, a orientação do desejo, a escolaridade, o local de nascimento, dentre outros aspectos.
“Você não pode pensar a situação da mulher como se fosse um bloco homogêneo. Temos que pensar na situação das mulheres da classe trabalhadora, das mulheres das classes dominantes. São condições de ser diferentes na sociedade na qual vivemos. É uma diversidade de questões para as quais muitas vezes não estamos preparados. Tendemos a achar que é tudo igual, mas não é. É coerente dizermos que têm de ser avaliadas as diferentes necessidades dessas mulheres. A situação é muito desigual. Acho muito importante neste momento a disposição das mulheres para enfrentar essas dificuldades, tornando-se militantes, para buscar os seus direitos. A luta das mulheres foi potencializada pela própria inserção delas na sociedade.”
A avaliação é compartilhada por Helena Motta. “As desigualdades entre as categorias sociais são criadas e motivadas por interesses os mais variados e atravessadas pelo conflito central das sociedades capitalistas, o de classes. Essas desigualdades, de gênero, raça, geração, orientação sexual, e outras, passam a ser naturalizadas. São tão difundidas e introjetadas pela população, algo muito facilitado pela influência da mídia no imaginário social, que as pessoas já não se perguntam sobre a legitimidade ou não de tais desigualdades que se transmutam facilmente em discriminação, repúdio, exclusão.”
Superação das desigualdades
Helena acrescenta que a desigualdade de oportunidades entre os gêneros influencia a forma como as mulheres estão inseridas em todos os espaços sociais. “Até o passado recente, as famílias se importavam mais com a formação profissional dos filhos do que das filhas. As mulheres entravam em certos ambientes acadêmicos e profissionais timidamente, como quem pede licença por invadir o ‘espaço alheio’.Não se sentiam à vontade para reivindicar os mesmos direitos dos homens quanto a salário e condições de trabalho, e nem se rebelavam contra a sobrecarga da dupla jornada. O uso dos verbos no passado não significa que todas essas barreiras tenham sido superadas, mas que estamos num processo de superação. A diferença de classes potencializa ainda mais as diferenças entre categorias. Ser homossexual e pobre é ainda mais difícil, assim como ser mulher, negra e pobre. Enfim, há muito o que caminhar até atingirmos a condição de uma sociedade igualitária e respeitadora dos direitos humanos, sem distinção entre as categorias sociais.”
Mais uma vez há concordância entre as pesquisadoras: Cristina, que este ano completa duas décadas como professora, recorda-se dos obstáculos superados na época do colegial, pouco antes de ingressar como aluna na UFJF. “A própria opção pela vida acadêmica foi mais complicada pelo fato de eu ser mulher. Eu sou de uma família de sete filhos e me lembro que era muito mais difícil para os meus pais entenderem que eu queria fazer universidade, seguir a carreira acadêmica, ser pesquisadora. Para eles, no mundo que tinham projetado para mim, eu teria uma formação média, iria trabalhar, cuidar da casa, casar e ter filhos.”
Hoje, pesquisadora e mãe de duas filhas, de 10 e 15 anos, Cristina mostra às meninas, por meio da própria trajetória, que lugar de mulher é todo lugar. “O que tentamos fazer em casa é mostrar às nossas filhas que elas não devem deixar de fazer alguma coisa pelo fato de serem mulheres. Cada vez que deixamos de fazer algo por sermos mulheres, aumentamos a invisibilidade e a subalternidade das mulheres. As meninas já encontram a possibilidade de demonstrar a firmeza de suas opiniões e ideias, aprendem a compartilhar todas as atividades com homens, a não se deixar subordinar. Porém, quem também educa os nossos filhos é a sociedade. Então, minhas filhas carregam muitas marcas dessa sociedade. Elas sabem que não adianta mudarem apenas a própria realidade. É uma mudança muito maior, tem que envolver muito mais pessoas. Elas são motivadas o tempo todo a trabalhar por isso, a contribuir para essas mudanças até que todas as mulheres sejam livres.”
Confira a programação comemorativa do Dia Internacional da Mulher na UFJF