“Até hoje não foi dada a dimensão necessária nas escolas e nas universidades ao que foi essa história recente”, diz a professora da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Christina Musse, sobre o golpe de 1964 que instaurou o regime militar no Brasil, implantando um período de repressão e censura. Para dar a amplitude necessária sobre o tema, Christina coordenou, durante o ano de 2016, o projeto de extensão “Memórias do golpe: o trabalho da Comissão Municipal da Verdade – Juiz de Fora disponível ao público”.
O projeto consiste na divulgação do trabalho desenvolvido pela Comissão Municipal da Verdade em Juiz de Fora (CMV-JF) em 2014 e 2015, que tinha como objetivo apurar as violações aos Direitos Humanos ocorridas, principalmente, no período da ditadura. A CMV-JF operou em conjunto com o projeto de extensão interdisciplinar “Memórias possíveis: os depoimentos da CMV”, também coordenado por Christina. Foram mais de 20 alunos bolsistas envolvidos no trabalho de suporte à comissão, além de mais de dez professores de diversas áreas de Ciências Sociais, servidores da UFJF, profissionais da área de história oral e colaboradores externos, para coletar a maior quantidade de dados, documentos, informações e depoimentos perdidos com o tempo e, ainda, prestar serviços como assessoria de imprensa e organização de eventos.
“Memórias da repressão”
A primeira fase do trabalho foi publicada no livro “Memórias da repressão – Relatório da Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora”, reunindo depoimentos de presos políticos da cidade, pessoas perseguidas e que foram ameaçadas. “É fundamental o conhecimento da memória recente do município. Ele muda a interpretação do que é o espaço urbano de Juiz de Fora e o que a cidade representa nessa história em aspectos positivos e negativos. É importante conhecer essas histórias que se passaram aqui.”
Depois da coleta de dados, foi iniciado o processo de sistematização de informações, checando e transcrevendo os mais de 30 depoimentos gravados na primeira fase e organizando fotografias e documentos, visando dar acesso ao público, por meio do projeto “Memórias do golpe: o trabalho da CMV-JF disponível ao público”, premiado na na Mostra de Ações de Extensão de 2016 na categoria Comunicação: “A partir de 2015, começamos o projeto da divulgação dos resultados. Vamos desenvolver um site com o material organizado. O maior objetivo é de conseguir, através da divulgação, dar condições de qualquer cidadão de acessar e escrever essa história de forma colaborativa”.
Lorena Martins, atualmente graduada em Comunicação Social, participou das duas fases do projeto, o que foi decisivo na sua vida acadêmica e tema do seu trabalho de conclusão de curso. A jornalista ficou marcada por algumas das histórias: “O depoimento de Cláudia Miranda, que falou sobre sua irmã Sônia Soares de Miranda, me marcou. Sônia faleceu em 1977, em circunstâncias suspeitas e até hoje não esclarecidas. Ela era militante de um dos grupos de esquerda. Cláudia disse em depoimento que não acreditava na hipótese de suicídio”.
Período ainda obscuro
A aluna Danielle Prado, bolsista atual do projeto, ressalta a importância do trabalho: “O contato com o livro publicado, os depoimentos de cada um dos entrevistados, é algo chocante, revelador e desperta dentro de nós um sentimento de querer saber mais, de poder trazer mais histórias como essas à tona, na tentativa de esclarecer o povo brasileiro sobre um período recente de nossa história que ainda permanece obscuro.” Sabrina Carter, também aluna da Comunicação e bolsista do projeto, destaca a emoção de ouvir os depoimentos: Presenciar os momentos em que os depoentes contaram suas vivências e experiências mais íntimas, diante do que sofreram com o aparelho repressivo, é muito gratificante. Pois, para muitos deles, foi a primeira vez que se abriram e contaram tudo o que viveram. Medos, angústias, tristezas e casos de tortura fizeram parte dos depoimentos”.
A professora Christina reafirma que o trabalho de pesquisa da memória é essencial para o presente. “Esse tema merece um debate mais intenso e um acesso maior da população, para que essas histórias não se repitam. Um pouco parecido com o que foi feito no Holocausto, na época da Segunda Guerra Mundial – para que as pessoas conheçam aquilo. No Brasil, temos uma produção bastante intensa de filmes e livros sobre a época, mas ela ainda não ocupou o lugar de relevância que deveria ter.”
O trabalho será disponibilizado em breve por meio de um site ligado à plataforma da UFJF e de um mini-documentário produzido a partir dos depoimentos gravados.
Outras informações: (32) 2102-3601 (Faculdade de Comunicação-UFJF)