Durante três dias na última semana, profissionais e estudantes principalmente da área de Letras tiveram contato com análises sobre a obra de uma das referências mundiais em tradução, o israelense Even-Zohar. Em seminário, realizado de quarta, 5, a sexta, 7, palestrantes, como a professora Else Vieira, da Universidade de Londres – Queen Mary, abordaram diferentes aspectos relacionados à atividade tradutora, desde a influência na identidade nacional às versões da linguagem de sinais.

A organizadora do evento, professora Carolina Magaldi explicou que a primeira edição do seminário “Traduzindo a Tradução: Even-Zohar”, nasceu da tradução de um dos textos do autor israelense. “Ao fim do trabalho, percebemos que ele não poderia parar em uma gaveta e entramos em contato com a editora em Tel Aviv, em Israel, buscando obter os direitos de tradução. Para nossa surpresa, o próprio Even-Zohar nos respondeu, cedendo os direitos deste e de outros textos.”

O volume crítico, lançado no evento, é composto por essa e outras traduções de obras do autor, além de trabalhos acadêmicos apresentados ao longo do seminário, abordando os estudos da tradução sob a perspectiva dos polissistemas, teoria proposta por Even-Zohar.

“Essa teoria foi um marco dos Estudos da Tradução, revertendo a noção de que tradução era uma tarefa mecânica e introduzindo a escola descritiva nessa atividade. As traduções não mais eram reduzidas a ‘boas’ ou ‘ruins’, mas vistas como um fenômeno cultural e histórico. Sob a ótica dos polissistemas, elas são parte de uma rede que se encontra em constante movimento e diálogo. E as estratégias empregadas pelo tradutor, seu universo cultural, conhecimento linguístico e extralinguístico impactam sobremaneira a recepção de uma obra na cultura para a qual se traduz”, explicou Carolina.

Legado do teórico israelense

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Professora Else Vieira cita ‘tradução’ da cultura estrangeira pelo Brasil e criação de arte de vanguarda (Foto: Luiz Carlos Lima/UFJF)

Pesquisando o fenômeno da tradução literária no Brasil e seus impactos sociais no período pós-ditadura, a professora Else Vieira, da Universidade de Londres, descobriu em Even-Zohar uma teoria que abarcava suas dúvidas sobre o tema. No entanto, o estudioso israelense representava para ela um misto de “fascínio e desconforto metodológico”. Mesmo empregando os conceitos desenvolvidos por ele, a professora guardou ainda alguma resistência com seus métodos.

“Em 1988, durante meu doutorado, eu estudava como o Brasil, uma cultura periférica, despontava no cenário internacional pelo vanguardismo de uma estética de tradução e como essa atividade se articulava com a literatura brasileira e com o momento em que o país vivia”, contou Else. “Nesse processo, encontrei na teoria dos polissistemas de Even-Zohar uma forma de desenvolver a relação dinâmica entre os sistemas literários, e entre estes e os sistemas não literários.”

Apesar de as articulações propostas pelo teórico, seus conceitos pareciam excessivamente binários para a professora. “Segundo ele, a tradução pode ser uma força conservadora ou inovadora, dependendo da forma como afetava a literatura e a cultura para a qual se traduz.” Décadas mais tarde, porém, Else constatou a profusão de artigos produzidos com base na teoria do israelense, o que, segundo ela, confirmou a validade dos conceitos do teórico.

Abordagem literária para pessoas surdas

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Professor Carlos Henrique explica sobre tradução de linguagem de sinais (Foto: Luiz Carlos Lima/UFJF)

O professor Carlos Henrique Rodrigues apresentou o tema de suas pesquisas como uma “campo emergente, à margem dos Estudos da Tradução”. Dedicado a estudar o processo de tradução para a comunidade surda e a própria tradução desse grupo, o professor explicou as diferenças entre as linguagens vocais e as linguagens de sinais e os impactos e desafios da tradução nessa cultura.

Conforme Rodrigues, as línguas vocais tem articuladores internos (língua, cordas vocais, diafragma) quase invisíveis, exceto pelo movimento dos lábios. Em contrapartida, a língua de sinais se articula fora do corpo, que ocupa o espaço com gestos e movimentos bastante visíveis. No que diz respeito à tradução, a principal diferença é a possibilidade de transformar fonemas e gestos em escrita.  

O trabalho literário para as comunidades surdas passa por um registro hipertextual, que combina a fixação dos sinais em vídeo e a passagem dos sinais para a escrita. Segundo o professor, editoras especializadas nessas publicações vem crescendo no Brasil, acompanhando a expressividade dos surdos na sociedade. Mesmo sendo forçados a se manifestarem como pessoas com deficiência para a negociação de direitos com o Estado, os surdos se reconhecem como uma comunidade, dotada de identidade linguística originada numa afinidade cultural.

“As vezes me perguntam, ‘mas por que não padronizar uma só linguagem de sinais em todo o mundo? Seria muito mais fácil.’ O mesmo pode ser dito das linguagens vocais. A linguagem carrega características culturais, elementos do universo vivido nas comunidades que a utilizam. Padronizar isso seria padronizar a cultura”, concluiu Rodrigues.

Nacionalismo na Península Ibérica
A palestra do professor Thomas Harrington da universidade americana Trinity College fechou o evento, na noite da sexta-feira, 7. Harrington é especialista nas línguas faladas na Península Ibérica e fez uma abordagem de como elas se conectam com os movimentos nacionalistas locais. O professor é fluente em catalão, galego, português e espanhol. Sua presença no evento foi uma indicação do próprio Even-Zohar.

Durante sua exposição, Harrington deu destaque aos estudos de Even-Zohar, que, segundo ele, é vital em suas pesquisas no continentes europeu. O professor deu ênfase ao fato de Zohar, nascido em 1935, ter acompanhado de perto a formação cultural no estado do povo hebreu, Israel, criado somente em 1948. Para destrinchar sua exposição, Harrington explicou as diferenças entre estados e nações, o que é fundamental em sua abordagem sobre a Península Ibérica, em especial na Espanha, que tem com uma série de movimentos nacionalistas em seu interior.

O professor apontou a importância que autores possuem na constituição de sistemas nacionais. Conforme a origem de um escritor suas obras podem ser mais ou menos valorizadas por determinados grupos. Na Península Ibérica, houve uma relação entre os migrantes para o continente americano, em especial para Uruguai e  Cuba, e pessoas vinculadas aos movimentos nacionalistas em seus locais de origem. Tanto é que o hino nacional galego foi executado pela primeira vez em Havana.

Em um país como a Espanha, que conta com pelo menos três movimentos nacionalistas – o catalão, o galego e o basco –  Harrington trouxe o quão fundamental se faz a identidade nacional na Espanha. No país basco, a língua falada pela população não é nem mesmo de origem latina, diferenciando-se muito das outras.

Desfecho do evento
A organizadora do evento, professora Carolina Magaldi, avaliou como positivos os três dias de seminário, que contaram com um público de 130 pessoas. “Conseguimos atingir os públicos que estávamos buscando, aqueles que estavam no bacharelado. O relato dos tradutores profissionais foram feitos para eles, para que tivessem contato com a rotina de um tradutor, os percalços dos profissionais na prática. O evento também foi elaborado para os alunos que estão querendo ingressar na tradução.”

A próxima edição do evento já está sendo planejada para o ano que vem, assim como a continuidade na abordagens que ocorreram no seminário. “O evento todo veio para popularizar a teoria de Even-Zohar por aqui. A ideia é produzir um volume crítico dessas traduções. Então incluí não só os artigos, mas também as discussões acerca da obra dele.”