O comemorado acesso à 1ª Divisão do Campeonato Mineiro não diminuiu o ritmo dos treinamentos das equipes sub-15 e sub-17 do projeto UFJF/Uberabinha. O resultado eleva o patamar do trabalho e impõe novos desafios à parceria que surpreendeu já em seu primeiro ano de competições.

A equipe UFJF/Uberabinha é resultado do projeto de extensão Futebol UFJF, desenvolvido pela Faculdade de Educação Física e Desportos (Faefid) da Universidade Federal de Juiz de Fora, em parceria com o clube Uberabinha, um dos mais tradicionais do futebol amador da cidade. O projeto reúne jovens de diversos bairros de Juiz de Fora e uma comissão técnica formada por técnicos do Uberabinha e professores e alunos da UFJF.

duas equipes

Equipes sub-17 e sub-15 reúnem jovens de diversos bairros de Juiz de Fora e uma comissão técnica com alunos da Faculdade de Educação Física e Desportos em sua composição (Foto: Twin Alvarenga)

Um dos requisitos para o jogador se manter no grupo é que ele esteja matriculado em alguma instituição de ensino. A iniciativa tem a intenção de aumentar o alcance esportivo dos atletas e de todos os envolvidos; “daí a importância das disputas, aliadas a uma boa estrutura”, explica o coordenador do projeto e professor da Faefid, Marcelo Matta. “Para alcançar esse potencial, alguns fatores devem ser trabalhados, como treino e competição, além de outros elementos, que envolvem alimentação, sono e família, por exemplo.”

Na avaliação de Matta, para os estudantes da UFJF que compõem a comissão técnica, a oportunidade é um diferencial muito importante. “Os alunos aplicam ali os conhecimentos técnicos aprendidos em sala de aula, tal qual acontece no Hospital Universitário, com médicos, enfermeiros e outros estudantes da área de Saúde, ou na Rádio Universitária, com estudantes de Comunicação. Esses meninos têm esse projeto porque é o ofício deles”.

A parceria
A parceria com um clube externo surgiu por conta da vaga que o Uberabinha possuía para disputar a 2ª

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Segundo coordenador do projeto, Marcelo Matta, iniciativa beneficia os atletas no campo e fora dele e também qualifica os alunos de Educação Física que participam do trabalho (Foto: Twin Alvarenga)

Divisão do Campeonato Mineiro. Sem apoio, o Uberabinha já havia jogado a competição em 2012 e em 2013, com muitas dificuldades e sem resultados expressivos. Com a parceria, o clube entrou com parte dos recursos financeiros, enquanto a UFJF assumiu ainda a logística (incluindo ônibus para viagens e estrutura para treinamentos), e agregou o conhecimento técnico de profissionais e alunos.

Para Sérgio Eduardo, que era treinador do Uberabinha e foi mantido no comando da equipe sub-15 do projeto, seria inviável para o clube, sem a UFJF, disputar a competição. “De zero a dez, nota 11. A equipe técnica é muito capacitada e tem uma postura extremamente profissional, mesmo sem haver remuneração. O importante foi sempre acreditar que era possível conseguir bons resultados e subir”, diz.

Além de ter disputado o Campeonato Mineiro da 2ª Divisão, o projeto tem equipes jogando a Copa Bahamas, competição local de futebol amador (considerada a maior do país no gênero), nas categorias sub-13, sub-14, sub-15, e sub-17. A coordenação busca ainda a viabilização para as equipes jogarem um torneio regional.

Novos desafios
O desafio no ano que vem será ainda maior. Na 1ª Divisão do Campeonato Mineiro, o projeto UFJF Futebol terá pela frente equipes tradicionais do estado e os grandes de Belo Horizonte – Atlético, Cruzeiro e América -, que, inclusive, já demonstraram interesse nos atletas que se destacaram jogando pelo UFJF/Uberabinha este ano.  Por outro lado, muito mais do que resultados e títulos esportivos, a meta é ampliar outras conquistas.

Na visão de Matta, a dificuldade na formação dos atletas é grande. “O processo de formação esportiva se dá ao longo do tempo. Eu não posso colocar o fato de ser campeão na frente da formação, senão eu me preocupo com o campeonato, com o título, e deixo de respeitar as capacidades dos jovens atletas. E não posso exigir além da conta”.

Ídolos na arquibancada
Em meio à euforia pela conquista do objetivo e ao recomeço da rotina diária de treinos para novas competições, duas certezas: as presenças de Jésus Ferreira e Édson de Oliveira, conhecidos por todos como “Seu Jésus” e “Kojack”. Seu Jésus é pai de Matheus Ferreira, atacante do sub-17 e apelidado de “Sheik”, enquanto Kojack é avô do lateral Arthur, do mesmo time.

Ao lado do filho Matheus, Seu Jésus acompanha a equipe em todos os jogos, inclusive fora da cidade, e leva animação e inspiração para todos (Foto: Twin Alvarenga)

Ao lado do filho Matheus, Seu Jésus acompanha a equipe em todos os jogos, inclusive fora da cidade, leva animação e inspiração para todos (Foto: Twin Alvarenga)

Seu Jésus acompanha seu filho no futebol desde quando este tinha 8 anos de idade, fazendo questão de levá-lo a todos os treinamentos e partidas. No caso do Campeonato Mineiro da 2ª Divisão, passou a incorporar também as viagens para acompanhar a equipe, tendo faltado apenas a uma na competição. Ausência justificada: “eu fui correndo à rodoviária, mas tinha que ter agendado a compra de passagens”, lamenta.

Ele sempre faz todas as viagens por conta própria, e explica: “Eu pego uma carona, pago o rapaz que me leva, e estou indo embora”. Matheus Ferreira, o Sheik, considera fundamental o apoio do pai: “o incentivo maior é meu pai na arquibancada, animando a torcida”. A alegria de Seu Jésus é tema comum na equipe, inclusive com muitos mencionando os instrumentos musicais que o torcedor leva nas viagens.

Mas o pai torcedor ressalta outras características do projeto que vão além dos gramados. “Eu quero que ele seja profissional, mas se não for, nesse tempo todo eu tiro ele da rua.” Sheik confirma a fala do pai. “Ajuda. É uma boa oportunidade que estou tendo, um dos melhores times que já joguei.”

Os elogios à estrutura e à oportunidade do projeto também são marcas da fala de Édson Oliveira, o Kojack. O senhor de 78 anos conta que acompanha seu neto no futebol há dez, desde que Arthur tinha apenas 7 anos de idade. “O que eu tenho a te dizer é parabenizar essa equipe da UFJF. São muito capacitados, excelentes treinadores, super atenciosos com aqueles que acompanham. São muito competentes mesmo”, diz.

O avô conta que a estrutura foi a melhor que encontrou, inclusive para a formação pessoal de Arthur. “Primeiro, eu disse ao meu neto: você precisa ser cidadão. Tem que se formar, ser gente e ter um estudo, pois o futebol é uma loteria. Ao profissional muitos chegam, mas poucos conseguem se manter através dele. É muito importante a educação e o estudo, e isso eu encontrei aqui. Inclusive o apoio, a preocupação com o garoto. Quando ele não está bem, eles procuram saber imediatamente o que aconteceu”, relata.

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Arthur já foi pretendido por Ponte Preta e América-MG, mas contusões adiaram o sonho (Foto: Twin Alvarenga)

Atenção especial
A atenção tanto de Kojack quanto dos profissionais da equipe com o lateral Arthur é justificada. O jovem atleta, de apenas 17 anos, já esteve prestes a ingressar em duas equipes da Série A do futebol brasileiro, Ponte Preta e América – MG, mas duas lesões atrapalharam o lateral. Na primeira, o jogador tinha 14 anos, e contundiu a costela em uma dividida com o goleiro, o que lhe impediu de ir para Campinas. A recuperação durou quatro meses.

A segunda lesão, antes de o atleta ir para Belo Horizonte, foi no fim de 2015. Arthur sentiu o púbis e teve de ficar três meses sem jogar futebol. O lateral voltou aos gramados pelo UFJF/Uberabinha no começo de 2016, oportunidade cercada de elogios. “Desde o princípio eles me apoiaram bastante, me convidaram para o projeto, falaram que teria fisioterapeuta e que haveria condições de fazer musculação e eu teria toda a estrutura necessária para a minha recuperação.” E completa: “Consegui ter o apoio dos profissionais e de todos, que conseguiram me recuperar para ter condições de jogar.”

Seleção
A equipe de sucesso foi formada com jogadores escolhidos a dedo pelos profissionais do UFJF/Uberabinha. Grande parte dos atletas, que foi motivada a jogar na equipe, conta com passagens por clubes famosos de Juiz de Fora em suas categorias de base. O projeto não faz, portanto, seletivas para aqueles que desejam entrar, as famosas peneiras, mas realiza um trabalho de “garimpagem” entre os times da região. Marcelo Matta avalia que uma grande fração dos jogadores que escolhem o time se dá justamente pela estrutura que lhes é oferecida: “Nós motivamos eles a virem para o projeto em que você tem uma infraestrutura maravilhosa, treinos de qualidade, competições de qualidade, e parcerias com clubes do Brasil, o que motiva os atletas”, explica.

Por outro lado, há uma lista extensa de clubes de todo o país que já demonstraram interesse nos atletas do projeto. “Jogador de futebol é uma peça muito valiosa. Então, quanto mais cedo você encontrar um jogador e fidelizar ele ao clube, melhor para o clube”. Segundo o coordenador, o interesse agrega valor ao projeto, além de motivar os atletas.

Novo pai, novo filho
Um dos jogadores pretendidos por grandes clubes é o zagueiro e capitão da equipe, R*, do sub-17. Ele conta com o interesse do Atlético-MG e do Tupynambás, de Juiz de Fora, que disputa a 2ª Divisão Profissional de Minas. R* é natural de Muriaé, e chegou no projeto como acautelado, a partir de uma parceria com o Centro Socioeducativo Santa Lúcia, responsável por menores de idade que tenham cometido algum delito.

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“Sheik” (na foto) acabou ganhando um irmão, quando seu pai ofereceu sua casa para que um dos garotos da equipe pudesse ficar em Juiz de Fora (Foto: Twin Alvarenga)

“Eu estava com minha vida desandada, desiludido com o futebol, entrei para o tráfico e fui acautelado. Dentro do Centro Educativo, me deram essa oportunidade de jogar, por saberem que eu havia atuado no Atlético”, conta. O zagueiro avalia como muito positiva a participação no projeto. “A comissão técnica toda pôde nos ajudar bastante. Eles conhecem nosso trabalho, sabem que podemos conseguir algo maior em nossas vidas, já que o sonho de toda criança é ser jogador de futebol”.

Foi no projeto que R* conheceu Matheus, o Sheik, e criaram uma amizade que mudaria a vida dos dois. R* teria dificuldades para se manter em Juiz de Fora após o fim de seu programa de acautelamento, problema que foi resolvido por Seu Jésus, em um gesto de solidariedade e confiança. R* hoje mora junto com Sheik e seu pai, o que rende um sentimento de eterna gratidão. “Uma oportunidade enorme, ele (Sheik) é muito gente boa, os pais dele também são. Considero ele um irmão pra mim, e o pai dele como um pai que nunca tive.”.

Além de R*, outros dois jogadores fazem parte de uma parceria firmada com o Centro Santa Lúcia, um deles inclusive também é cobiçado por equipes maiores.  

Oportunidade aos alunos
Marcelo Matta acredita que o resultado é positivo para todos. “Meus alunos que estão trabalhando no projeto de extensão estão vendo na prática como o esporte pode ajudar. Foi uma parceria que deu certo.” Exemplo disso é o aluno da Faefid/UFJF, Eduardo Kaehler, um dos voluntários no projeto. Dudu, como é conhecido, esteve sempre envolvido com o futebol, e viu no UFJF/Uberabinha uma oportunidade para desenvolver os conhecimentos adquiridos no curso. Além disso, na função de auxiliar-técnico, Dudu presencia diariamente como o esporte pode transformar algumas vidas. “O esporte ajuda na vida deles de todas as formas possíveis, seja na ressocialização, seja na forma de lidarem com as pessoas. As perspectivas deles agora são outras”, conta.

Trabalho recompensado

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Em 2017, objetivo é ficar entre os seis primeiros da 1ª Divisão, que envolve 18 times, incluindo os grandes de BH (Foto: Twin Alvarenga)

O treinador da equipe sub-17, Alex Nascif, revela que esperava um campeonato muito difícil nesta 2ª Divisão, já que outras equipes contavam com mais experiência e recursos, como alojamento para os atletas. No entanto, a qualidade do trabalho foi fundamental para o sucesso: “Pelo trabalho que realizamos, deixou de ser uma surpresa.” Para ele, a recompensa foi o convite para os treinadores do projeto apresentarem o currículo do que foi executado à Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Alex é um dos três profissionais formados que integram a equipe técnica do projeto, os outros são alunos de graduação. Mas para o treinador, todos foram vitais. “Foram muito importantes. Aqui sempre foi muito igual”. Para a disputa da 1ª Divisão no ano que vem, prevista para começar em abril, o treinador indica que, caso o projeto consiga uma boa captação de recursos, a equipe pode terminar entre os seis primeiros, em uma disputa com 18 times. A meta é difícil, levando em conta que o UFJF/Uberabinha enfrentará clubes tradicionais como Cruzeiro e Atlético-MG, mas Alex acredita que se o trabalho for bem desempenhado outra vez, isto será possível.

 

* O nome do atleta foi preservado para evitar danos pessoais e profissionais à sua carreira.