“Esse livro resultou de muitos anos de pesquisa e, mais recentemente, de um segundo pós-doutorado em Sevilha", diz Mônica Ribeiro de Oliveira

Mônica Ribeiro espera retomar suas pesquisas sobre o tema no próximo ano, dando sequência ao trabalho que a conduziu a um segundo pós-doutorado, em Sevilha (Foto: Twin Alvarenga)

A partir de anos de pesquisas e um banco de dados com mais de nove mil entradas comparadas a outras centenas de informações, a pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Mônica Ribeiro, lança o livro “A terra e seus homens: roceiros livres de cor e senhores no longo século XVIII”, nesta quinta-feira, dia 22, às 19h, no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), após a obra ter sido apresentada em congresso internacional na Espanha.

O texto acompanha o caminho dos libertos, fossem negros, pardos, mestiços ou outras nomenclaturas das fontes consultadas, reconstituindo suas vivências até chegar à questão da ocupação das terras por esses trabalhadores que integravam os estratos inferiores da sociedade colonial. A pesquisa engloba o período de 1720 a 1850, no Brasil, quando a lei de terras foi promulgada e teve início um sistema diferente para acesso a recursos naturais no território das minas.

Mônica Ribeiro espera retomar suas pesquisas sobre o tema no próximo ano, dando sequência ao trabalho que a conduziu a um segundo pós-doutorado, em Sevilha, para a tese que possibilitou sua progressão a professora titular. O livro foi lançado em julho, no âmbito de um congresso promovido pelo Conselho Europeu de Pesquisas Sociais da América Latina e do Instituto de Iberoamérica de la Universidad de Salamanca,

– Pró-reitoria de Cultura: Ao reconstruir a vivência desses trabalhadores em particular, seria possível um paralelo entre a falta de perspectivas de então, a liberdade outorgada (mas não vivenciada) e a realidade atual de seus descendentes?

– Mônica Ribeiro: Paralelos são possíveis sim, no entanto, não há só falta de perspectivas. São diferentes vivências e, ao reconstituí-las, foi possível perceber não só a persistência das relações paternalistas de subordinação, mas também experiências de liberdade associadas à solidariedade familiar e comunitária.

– Pró-reitoria de Cultura: Indo além de seu texto, você diria que esse estrato da sociedade colonial persistiu no século XX e, de alguma forma, no novo milênio, mesmo diante da oferta de educação como resgate de cidadania plena?

– Mônica Ribeiro: Esse estrato permaneceu, mas modificado pelas intensas relações inter-raciais, mas antes de tentar entender esse grupo enquanto um estrato, é importante entender o longo processo de exclusão a que foram submetidos. A imensa desigualdade que nos caracteriza enquanto nação tem suas origens nos séculos de exclusão dos negros. Cidadania plena é uma utopia, não se efetivou nem o acesso aos direitos básicos dos cidadãos. Haja vista a realidade de podermos elencar um grande número de situações de choque e conflito em que o “povo” a “massa” formada basicamente da gente de cor, não está presente; está nas margens, no mundo do trabalho, na dura rotina para ganhar o pão de cada dia. 

– Pró-reitoria de Cultura: Sob esse aspecto, a terra a que se refere no livro ainda lhes seria “negada” hoje? 

– Mônica Ribeiro: O poema “Funeral de um lavrador”, de João Cabral de Melo Neto, musicado por Chico Buarque, fala de uma cova com palmos medida, sendo essa a parte que cabia ao lavrador no latifúndio. É isso. No modelo aristocrático que até hoje se perpetua, as elites brancas têm acesso à terra, enquanto que, do outro lado, no casebre emprestado, vive a família dos trabalhadores rurais, em sua grande maioria gente de cor. Mas, mesmo expondo as origens desse processo que hoje está escancarado às nossas vistas, na pesquisa pude perceber as brechas desse sistema. Havia possibilidade de mobilidade social e quanto mais ela era verticalizada mais se distanciava da designação da cor, que remetia à escravidão (pardo, crioulo, mestiço, dentre outras). Ou seja, o processo de ascensão social era acompanhado do distanciamento do cativeiro, do distanciamento da cor, ou às vezes a não designação desta. Estratégia? Pode ser. Afastar-se da condição que os inferiorizava. Então, mesmo remota, a possibilidade de ascensão existia. Para a grande maioria, as relações familiares, cimentadas pelo parentesco ritual (através do compadrio) e as relações comunitárias no dia a dia da vida rural, é que criavam laços de pertença ao palmo da terra. O acesso ao binômio Terra e Família era a medida da autonomia que se conquistava. Por outro lado, não podemos nos esquecer que essas relações eram também mediadas por tensões e conflitos, numa sociedade que ainda o Estado não havia se firmado como intermediador das relações sociais. 

– Pró-reitoria de Cultura: Seu livro foi lançado recentemente pelo Ceisal e pelo Instituto de Iberoamérica de la Universidad de Salamanca no Congresso Internacional, em Salamanca, na Espanha. Como essa pesquisa foi acolhida?

– Mônica Ribeiro: Foi um excelente momento de intercâmbio com pesquisadores portugueses, espanhóis, latinos e muitos outros especialistas de diferentes países europeus. E há mais continuidades do que imaginamos a princípio. Muitos pesquisadores de diferentes países hispânicos, expondo pesquisas muito próximas, afinal, essa é a trajetória da América Latina. Um dos pontos mais interessantes e que nos distingue de certa forma, é a forte presença indígena na América Hispânica quando, para nós, temos que nos esforçar muito para encontrar os índios no espaço colonial brasileiro. Não que fossem poucos, mas eles sofreram um processo não só de dizimação, mas de invisibilidade. Se misturavam à gente livre e de cor, para escapar da escravidão (possível através do sistema denominado administração, por meio do qual milhares de índios eram subordinados a condições análogas à da escravidão negra).

 – Pró-reitoria de Cultura: Fechado esse ciclo de divulgação de “A terra e seus homens – Roceiros livres de cor e senhores, no longo século XVIII”, já existem planos para um novo texto? Qual seria o alvo de pesquisa?

– Mônica Ribeiro: Esse livro resultou de muitos anos de pesquisa e, mais recentemente, de um segundo pós-doutorado em Sevilha, aonde me foi possível afastar das intensas atividades docentes para parar para escrever e submetê-lo como tese para progressão a professora titular. Nesses anos, produzi um grande banco de dados com mais de nove mil entradas de dados empíricos (fontes eclesiásticas), a estes cruzei outras centenas de dados mais qualitativos, provenientes de fontes de outra natureza (cíveis e criminais); ou seja, devo continuar minhas pesquisas, explorando minhas fontes e suas potencialidades, mas com um recurso a novas metodologias, seja através da construção das redes relacionais ou mesmo com o uso do ArcGIS  no geoprocessamento. Pretendo retomar as pesquisas ano que vem, quando já terá passado um ano aqui na Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação e quando espero que os enormes problemas e desafios que estou enfrentando diminuam e daí eu consiga manter minhas pesquisas junto à função na Pró-reitoria. Afinal, sou professora e pesquisadora e estou, momentaneamente, pró-reitora.

Outras informações: (32) 3229-7651 (Mamm-UFJF)