O branqueamento em massa dos corais demonstra que nosso planeta já ultrapassou seu primeiro ponto de não-retorno climático. De acordo com Global Tipping Points 2025 elaborado por 160 cientistas de mais de 20 países, a morte dos recifes de corais devido ao aquecimento global de 1,4 °C é um dos dados que demonstram como seres humanos e meio ambiente estão em alto risco.

Motivados pela urgência por soluções, a Universidade Federal de Juiz de Fora definiu como tema do Pism 2026: Um mundo melhor é possível. A partir da reflexão, estamos trazendo para centro das discussões pesquisas e iniciativas que contribuem para um futuro sustentável.
Nesta reportagem da série “Pism 2026: Um mundo melhor é possível”, o destaque vai para iniciativas que repensam o uso dos recursos naturais buscando o consumo e a produção responsável, além da proteção e recuperação dos ecossistemas terrestres. Da criação de colméias ao uso de componentes bovinos em prol da estrutura óssea humana, a UFJF mobiliza estudantes, professores e a comunidade com práticas conscientes para alcançar um planeta mais saudável. Essas ações se relacionam diretamente aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 12 (Consumo e produção responsáveis) e 15 (Vida terrestre) da ONU, mostrando como o conhecimento científico pode produzir impacto real ao preservar a natureza, os ecossistemas e inspirar novos hábitos.

Biomaterial inédito para reparo ósseo

Pesquisadores Marízia Trevizani e Carlos Maranduba utilizam resíduo de tecidos bovinos para reconstruir ossos humanos. (Foto: Twin Alvarenga)

O que antes era visto como resíduo de abatedouro pode, em breve, ajudar a reconstruir ossos humanos, como mostra o trabalho da pesquisadora Marízia Trevizani, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/UFJF). A pesquisa desenvolveu um hidrogel inovador a partir de tecidos bovinos descartados, os quais têm potencial para serem utilizados em cirurgias ortopédicas, odontológicas e reparos ósseos, unindo sustentabilidade, biotecnologia e impacto social. “Esse projeto nasceu no meu doutorado e seguiu no pós-doutorado. Primeiro, desenvolvemos um protocolo para remover o material genético do osso bovino, tornando-o biocompatível e seguro para uso humano. Depois, criamos um hidrogel a partir desse osso descelularizado, combinando com colágeno tipo I extraído de tendão bovino. O resultado é um biomaterial capaz de integrar-se ao organismo sem causar reações imunológicas”, explica Marizia.

Dentro do estudo, o diferencial ambiental também é notável, uma vez que o projeto reaproveita tecidos animais que seriam descartados, reduzindo impactos ecológicos e agregando valor aos resíduos da indústria alimentícia. “Entre todos os tecidos estudados, aorta suína, músculo de ratos, tecido ósseo bovino, o osso sempre se destacou pelo retorno possível à sociedade. A pesquisa da Marizia é um exemplo de como a biotecnologia pode transformar o que seria descartado em algo que salva vidas”, explica o professor Carlos Maranduba, que orientou a pesquisadora durante seu doutorado.

Atualmente, o hidrogel vem sendo testado em laboratório e em experimentos com animais, apresentando ótimos resultados de reparo ósseo e compatibilidade celular. O material também tem se mostrado promissor no cultivo de células-tronco, etapa essencial para futuras aplicações clínicas em humanos. “A gente sonha com o dia em que esse material estará disponível em hospitais e clínicas, ajudando pessoas a recuperarem sua saúde e mostrando que ciência brasileira tem, sim, poder de transformação”, conclui Marizia.

Projeto éColméia combina pesquisa, consciência ambiental e o protagonismo estudantil com o objetivo de preservar a biodiversidade. (Foto: Twin Alvarenga)

ÉColméia une sustentabilidade e inovação

Na UFJF, sustentabilidade e inovação caminham lado a lado e um dos exemplos mais criativos dessa combinação é o projeto éColméia, que transforma resíduos sólidos em abrigos para abelhas nativas sem ferrão. A iniciativa combina pesquisa, consciência ambiental e o protagonismo estudantil com o objetivo de preservar a biodiversidade e reutilizar materiais que normalmente teriam o lixo como destino.

O grupo desenvolve iscas e caixas sustentáveis para abelhas, feitas a partir de embalagens Tetra Pak, garrafas PET e papelão, materiais que permitem o isolamento térmico, essencial para garantir o conforto e a sobrevivência das colméias. Essa proposta nasceu no Instituto de Artes e Design (IAD) pelo professor André Mol, e hoje conta com a colaboração da professora Letícia Torres, que auxilia na coordenação e na orientação dos alunos.

É gratificante ver o que aprendemos em sala virar algo que contribui para o meio ambiente e para a comunidade”, Larissa Melo – à esquerda. (Foto: Twin Alvarenga)

As abelhas sem ferrão são fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas e, ao mesmo tempo, sofrem com a urbanização desordenada, por isso o projeto também preza pelo viés social. “As abelhas fazem seus ninhos em qualquer pequeno buraco que encontram, em muros, telhados e outros espaços urbanos, e, muitas vezes, acabam tendo suas colmeias destruídas. Ao criar espaços adequados, ajudamos a conservar a biodiversidade, a contribuir para o reflorestamento e ainda abrimos caminho para uma renda sustentável em comunidades locais”, explica Letícia Torres.

Atualmente, os estudantes conduzem testes para verificar quais combinações de materiais são mais adequadas para abrigar as abelhas. A estudante Larissa Melo, bolsista do bacharelado em Design, participa da equipe e destaca a experiência prática como parte essencial da formação. “Meu trabalho é voltado para o desenvolvimento de iscas e caixas usando resíduos. Além do aspecto funcional, pensamos também no estético, queremos que os objetos sejam visualmente agradáveis e cumpram bem seu propósito. É gratificante ver o que aprendemos em sala virar algo que contribui para o meio ambiente e para a comunidade”, conclui.

Onde estão as nascentes em Juiz de Fora?

Miguel Felippe coordena o projeto: Olhos d’Água: onde estão as nascentes em Juiz de Fora? (Foto: Twin Alvarenga)

Enquanto o éColméia mostra como a criatividade pode auxiliar a natureza, a pesquisa “Olhos d’Água: onde estão as nascentes em Juiz de Fora?” amplia esse olhar para todo o território da cidade. A iniciativa faz parte do grupo de pesquisa e extensão Terra, sigla para Temáticas Especiais Relacionadas ao Relevo e à Água, coordenado pelos professores Miguel Felippe e Roberto Marques Neto, do Departamento de Geociências. O principal objetivo do estudo é mapear e preservar as nascentes locais, por meio da análise da formação, do funcionamento e dos impactos humanos sobre elas. “A nascente não é só água. É todo um sistema que envolve vegetação, solo, clima, seres humanos, cultura e sociedade. Não acreditamos em soluções milagrosas que sirvam para todas, cada nascente é única, é preciso entender as especificidades de cada uma para propor formas reais de conservação”, explica Felippe.

Neste estudo, o grupo desenvolve uma plataforma WebGIS, uma espécie de mapa interativo digital, que reúne e organiza informações sobre as nascentes de Juiz de Fora. O sistema integra dados da Prefeitura, do Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rios Preto e Paraibuna, de universidades e de movimentos sociais, criando um canal de divulgação científica acessível e participativo.

Equipe do projeto (Pedro à direita) reunida no Campus da UFJF onde já foi realizado o mapeamento das nascentes. (Foto: Twin Alvarenga)  

O estudante Pedro Muniz, bolsista do curso de Geografia, conta que conheceu o projeto após cursar disciplinas sobre morfologia e meio ambiente com o professor Miguel. O interesse despertado em sala o levou a se inscrever no Olhos d’Água. “Eu já tinha afinidade com a área ambiental, mas o projeto aprofundou muito o meu olhar. A gente passa a enxergar Juiz de Fora de outro jeito, começa a perceber que as nascentes estão por toda parte, às vezes escondidas no meio urbano, às vezes esquecidas. E entender isso muda a forma como a gente vê a cidade”, comenta. Ele ainda explica que os estudantes do projeto percorrem regiões da cidade em busca de nascentes, registram coordenadas, observam o relevo e fazem coletas. Depois, os dados são tratados, analisados e inseridos na plataforma. O grupo também realiza leituras, debates e oficinas, promovendo a troca de saberes entre a universidade e a comunidade.

A atuação do grupo já rendeu frutos importantes, como o caso de uma ex-aluna do Terra que desenvolveu, durante o mestrado, um protocolo de avaliação ambiental de nascentes, reconhecido nacionalmente entre as melhores dissertações de Geografia do país. O resultado simboliza o impacto de anos de pesquisa e dedicação.

Design que valoriza a cultura

Nas feiras da Zona da Mata mineira, cada banca carrega suas histórias, tradições e modos de vida e é justamente para preservar e fortalecer essas identidades locais que nasceu o Projeto Feira Visual, uma iniciativa do Programa de Extensão Feira Livre, vinculado ao Departamento de Artes (IAD/UFJF). Coordenado pelo professor André Mol, o projeto une sustentabilidade, cultura e economia criativa por meio do design, a fim de ajudar feirantes, produtores e artesãos da região a valorizar seus produtos e fortalecer a identidade visual nas feiras. “Queremos contribuir para que os feirantes sejam reconhecidos pela qualidade e pela autenticidade de seus produtos, promovendo o consumo responsável e a valorização da cultura local”, explica Mol. Além de promover o consumo consciente, o Feira Visual incentiva o uso de materiais sustentáveis nas embalagens.

André Mol com o grupo de alunos que integram o projeto o Projeto Feira Visual. (Foto: Twin Alvarenga)

O projeto integra o Programa Feira Livre, que ainda reúne as iniciativas “Estrutura Feira e Saberes do Sabor”, todas voltadas à sustentabilidade e à inclusão social. Juntas, envolvem 16 alunas, sendo quatro bolsistas de extensão, que se dividem entre a criação de materiais, o contato com os feirantes e a elaboração de cartilhas educativas. As equipes têm visitado feiras em Juiz de Fora para apresentar as ideias e identificar as principais demandas dos trabalhadores locais.

A estudante Maria Clara Golberto Marinho, do sexto período de Design, participa do Programa desde o início e conta como a experiência tem transformado sua visão sobre o papel social do design. “É muito gratificante ver que estamos construindo um mundo mais sustentável e ajudando quem realmente precisa, e o design aqui é sobre resolver problemas reais, de forma criativa e acessível”, explica Maria Clara.

Por meio de oficinas e cartilhas, o projeto ensina técnicas de exposição, conservação de alimentos e práticas sustentáveis de produção e consumo, sempre em parceria com o Departamento de Nutrição, que integra o projeto Saberes do Sabor. “O mais legal é ver como tudo se conecta”, conta a estudante Ana Luísa Macedo de Sousa, também bolsista do programa. “O Feira Visual cuida da comunicação e da identidade dos produtos; o Estrutura Feira pensa em soluções para as bancas e espaços físicos; e o Saberes do Sabor leva informação sobre alimentação saudável e aproveitamento dos alimentos. Juntos, esses projetos ajudam a manter vivas as feiras e o conhecimento popular da nossa região.”

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