Professor Vinícius Couto Firme, do departamento de Ciências Econômicas do campus Governador Valadares (Imagem: Aloizio Coelho)

“Quando uma cadeia é afetada, a gente tem um efeito cascata. E é isso que a gente buscou mostrar.” A fala do professor Vinícius Couto Firme, do Departamento de Ciências Econômicas do campus Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-GV) sintetiza o objetivo central de uma pesquisa que coloca números precisos sobre o impacto econômico causado nos municípios atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015.

Publicado na Review of Spatial Economic Analysis (RSEA), uma das principais revistas científicas da área, o estudo coordenado pelo professor Vinícius Firme estimou em R$ 297 bilhões o prejuízo econômico acumulado nos quatro anos após o rompimento da barragem de Fundão – um valor que chega a quase meio trilhão de reais quando se inclui o quinto ano. O trabalho, tema do último episódio do IdPesquisa, cumpre um importante papel na medida em que serve como base para uma reparação fundamentada e expõe os elos de uma economia regional interconectada.

Coordenador do Grupo de Análise Econômica Local (Gael), Firme viu a lama chegar a Governador Valadares em 2015. Anos depois, foi procurado pela então estudante de graduação Isabella Carraro, interessada em entender os impactos do desastre. O que começou como uma orientação de iniciação científica transformou-se em um estudo que empregou o “método de diferenças-em-diferenças espacial”, uma técnica comparável a um teste clínico.

Professor Vinícius Firme foi homenageado com moção de aplausos pela Câmara Municipal de Governador Valadares, em razão da pesquisa sobre os impactos econômicos causados pelo rompimento da barragem de Fundão (Foto: arquivo pessoal)

“O grupo controle foram os municípios de São Paulo e Rio de Janeiro. O grupo tratamento, os de Minas Gerais e Espírito Santo”, explica o economista, detalhando a metodologia. A inovação foi dividir o grupo tratamento em subgrupos conforme a distância do Rio Doce, o epicentro do desastre. Os resultados são um raio-X da contaminação econômica: os municípios mais próximos do rio sofreram as perdas mais severas, mas o prejuízo se espalhou por todo o estado, ainda que com menor intensidade. “Os impactos não ficaram restritos só nesses municípios. Eles se espalharam”.

O prejuízo mostrou crescimento exponencial: R$ 151,9 bilhões em 3 anos, R$ 297,9 bilhões em 4 anos, e uma projeção de R$ 498,2 bilhões em 5 anos pós-desastre. “Os valores vão aumentando à medida que o tempo passa, o que questiona a eficácia das medidas reparatórias implementadas até então”, afirma Firme.

O peso dessas conclusões ganhou força quando o Ministério Público Federal contratou a Fundação Getulio Vargas para estudo similar. “Eles chegaram a R$ 267 bilhões, muito próximo dos nossos R$ 297 bi”, observa o pesquisador. A diferença se explica pela abrangência: o estudo da UFJF-GV capturou os efeitos em cascata por toda a rede econômica de Minas e Espírito Santo, não apenas nas áreas diretamente atingidas.

Diante do acordo de R$ 170 bilhões fechado em 2024, Firme é categórico: “É insuficiente”. Ele explica que apenas R$ 100 bilhões serão geridos pelo BNDES para reparações, enquanto R$ 38 bilhões ficam com as empresas para reassentamentos e R$ 32 bilhões referem-se a gastos já realizados. “O acordo não cobre sequer os prejuízos econômicos diretos, muito menos os ambientais, que poderiam elevar o total a R$ 800 bilhões”.

A pesquisa, porém, vai além do diagnóstico. Ela oferece um modelo de distribuição baseado no impacto diferenciado. Municípios às margens do Rio Doce, como Governador Valadares, teriam direito a R$ 19,9 mil per capita, enquanto cidades mais distantes receberiam valores progressivamente menores. “É a ciência servindo de base para uma reparação justa”, defende Firme.

Reunião do Grupo de Análise Econômica Local (Gael) (Foto: Aloizio Coelho)

O raio-X de Valadares
Enquanto decifra a macroeconomia do desastre, Firme também coordena o Grupo de Análise Econômica Local (Gael) para diagnosticar os problemas crônicos de Governador Valadares. A motivação surgiu da percepção de que a região carecia de discussões aprofundadas baseadas em dados. “As pautas jornalísticas da região muito raramente abordavam a questão socioeconômica”, observa.

O grupo reúne dados oficiais e compara Valadares com outras 71 cidades de porte semelhante. O retrato que emerge é de uma cidade em dificuldades. “Valadares é uma cidade relativamente pobre, tem um PIB per capita inferior à média do Brasil, à média de Minas Gerais”. Os problemas estruturais são graves: a taxa de homicídios chega a ser três vezes maior que a média mineira; a mortalidade infantil é o dobro da cidade vizinha de Ipatinga; e o trânsito é bastante letal”.

“Alguns dados que a gente ainda precisa averiguar um pouco melhor”, pondera, citando o paradoxo de a cidade investir fortemente em saúde e ainda assim conviver com indicadores sanitários críticos. Durante a Covid-19, Valadares foi uma das cidades acima de 100 mil habitantes com maior mortalidade.

Para Firme, a divulgação desses dados é um instrumento de empoderamento cidadão. “Pessoas mais conscientes sobre a sua própria realidade local são mais ativas na busca do desenvolvimento”. O objetivo final é conter a “fuga de valadarenses” que, não encontrando oportunidades locais, partem para outras cidades ou até para o exterior.

Confira o episódio em formato podcast.