Homenageando o escritor memorialista juiz-forano Pedro Nava, a Pró-reitoria de Cultura abre, nessa sexta-feira, dia 16, às 19h, na Galeria Renato de Almeida do Centro Cultural Pró-Música, a exposição Transnaviana. Com curadoria do artista Thiago Berzoini e apoio da pró-reitora Valéria Faria, o evento reúne diversos artistas em releituras visuais de trechos da obra do escritor.
A mostra é a segunda edição de um projeto idealizado pelo curador, quando trabalhava no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), para homenagear os 10 anos do museu. A primeira edição foi a Transmuriliana, que consistiu na transposição de poemas de Murilo Mendes para histórias em quadrinhos e ilustrações, além da leitura dos poemas por diversos atores da cidade.
“Darante o período da exposição, tive a ideia de que o projeto deveria ter outras edições com outros autores da cidade, como Pedro Nava e Belmiro Braga. Agora, na Pró-reitoria de Cultura da UFJF, demos andamento à segunda edição, reunindo 19 artistas que foram convidados para trabalhar a linguagem dos quadrinhos e das ilustrações a partir dos textos do Pedro Nava. O desafio desta edição é diferente, porque o Murilo Mendes trabalhava mais com poemas, tinha uma abordagem mais imagética, enquanto o Pedro Nava não necessariamente”, conta Berzoini.
O curador explica que fez a leitura de três livros da obra de Nava – O Círio Perfeito, Beira-Mar e Baú de Ossos – além de poemas publicados em revistas – O Defunto, Educação Sentimental e Noite de São João. “Fui lendo e, à medida que as imagens surgiam na minha mente, eu selecionava um trecho. Isso muda de artista para artista, mas como eu estava na curadoria, segui o que achava que poderia causar impacto maior ao ser transformado para a linguagem dos quadrinhos e das ilustrações”.
A escolha da linguagem dos quadrinhos teve origem em uma pesquisa acadêmica de Berzoini, que vem trabalhando a arte sequencial desde a graduação e o mestrado. Ele investiga também a questão da transmidialidade, isto é, a narrativa que perpassa diversas plataformas. “De certo modo, a narrativa só se complementa quando se une a plataforma matriz (no caso, o texto memorialista de Nava) com essa plataforma da adaptação. Por ser uma versão com um formato predeterminado, não tem como o espectador ter a noção completa da narrativa que vinha sendo contada ali, o que só acontece quando se associa o texto original ao visto na exposição. A transmídia acontece nessa união de plataformas que complementam a narrativa”, explica.
Os artistas
Segundo Berzoini, a mostra reúne desde artistas que estão principiando agora (alunos dos períodos iniciais do Instituto de Artes e Design da UFJF) – como Gabi Lemos, Giuliano Pietro, Amanda Pomar, entre outros – a artistas que já possuem trabalhos publicados, como Rafael Senra e João Miranda. “Eu escolhia não passar de um parágrafo ou dois para facilitar o trabalho do artista, pois todos têm um espaço predeterminado de uma folha no formato A3. Depois enviava o texto ao artista. Alguns trabalham com quadrinhos, outros apenas com ilustração. A interpretação e a técnica são livres – podendo variar entre ilustração digital, nanquim, guache, aquarela e técnica mista”, esclarece.
Rafael Senra, que recebeu um trecho do livro O Círio Perfeito, acredita que o convite seja uma grande responsabilidade. “Nava era conhecido por sua memória prodigiosa, recordava-se de detalhes mínimos, histórias, nomes. Nossa tarefa é repensar seu texto em outra linguagem, efetuando transposições e releituras que possam acrescentar significado ao documento original”, comenta. O artista utilizou técnicas digitais e afirma que seu estilo de desenho é concreto. “Optei por ser bem fiel ao texto na hora de desenhar, mas explorando algumas possibilidades gráficas próprias da página de quadrinhos. Percebi que os blocos de frases poderiam ser divididos em 12 quadros, e criei quatro grupos de três quadros por toda a página. Nesses grupos, desenvolvi sempre uma ação fluida entre os quadros, como se fosse um travelling no cinema”, relata.
Aluna do terceiro período de Artes e Design pela UFJF, Amanda Pomar, que utiliza de guache e aquarela em sua obra, recebeu um trecho do livro Baú de Ossos para traduzir em desenho. “O trecho escolhido foi perfeito para o que eu gosto de trabalhar: corpos (especialmente femininos) e figuras orgânicas. Ele tem relação com isso, pois a personagem é uma cafetina que entra numa sala. Busquei ser bem literal, mas atribuí a tradução ao que eu faço”, explica.
João Miranda conta que esse é seu primeiro contato com a obra de Pedro Nava. Reproduzindo em quadrinhos um trecho do poema O Defunto – o qual o curador Thiago Berzoini dividiu entre oito artistas – ele conta que utiliza o texto em quase sua totalidade, como foi concebido, excluindo a frase “como as putas escorraçadas”, porque “não achei paralelo e nem adequado para a metáfora que eu estava criando. Fora isso, eu utilizo o tema e as palavras como link para uma realidade de um depressivo de 2016. Uma era onde as cartas de despedidas podem ser exibidas em tempo real para o mundo observar. Conecto a carta depressiva de Nava com a exposição que realizamos diariamente nas redes sociais e como essas moldaram a ideia de memória e morte”, ressalta.
Miranda também participou da Transmuriliana, na qual o texto que lhe coube falava sobre um homem em conflito com a sua salvação pessoal e a necessidade de fazer algo pela humanidade. “Era um dilema particular meu, sobre o quanto me coloca para baixo o não conseguir fazer nada por um mundo que está em uma constante espiral de dor. Em O Defunto, a desistência da vida e da humanidade está presente. As duas obras são sobre dúvidas e assuntos inacabados como ser humano. São conflitos que não se resolvem, dúvidas em percurso”, destaca.
Já Gabi Lemos faz uma transposição do poema Educação Sentimental, da fase modernista de Nava. “Por meio dos meus ilustradores de referência, vi que não é ideal que uma transposição de texto em imagem seja feita de uma forma literal. Assim como as palavras de Pedro Nava, escolhi elementos, materiais e toda a composição que necessita um olhar atencioso para os detalhes, porque são estes que dizem muito sobre o poema”, explica. Ela utilizou materiais diversos, entre eles renda, tinta acrílica, nanquim colorido e um livro velho para fazer colagens. “Esses elementos, juntos, transmitem a ideia de Espanha (citada nas entrelinhas do poema), o sentimento de ser envolvida por uma leitura, e principalmente a intensidade de expressão”.