Pesquisa mostra a importância do acompanhamento nutricional de crianças e adolescentes já na infância. (Foto: Agência Brasil)

“Pensar em nutrição vai além de estudar a alimentação. Há de se pensar no indivíduo como um todo, nos aspectos socioeconômicos, clínicos, bioquímicos e comportamentais que o circundam, nas características ambientais que o transformam e influenciam sua saúde nutricional”, diz Ana Paula Cândido. Docente no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva e líder do grupo Pipa Kids, Ana Paula investiga a influência dos hábitos alimentares dos pais na saúde nutricional de seus filhos.

A pesquisadora também lidera o Estudo EVA-JF que analisa fatores socioeconômicos, comportamentais e nutricionais com foco no consumo alimentar e no risco de obesidade de adolescentes de 15 a 18 anos. Seu longo trabalho com o tema e a importância dele levou a equipe da Imagem Institucional a convidá-la para o 18º episódio do IdPesquisa, programa de divulgação científica da UFJF.

Ana Paula Cândido é a entrevistada do 18º episódio do Id Pesquisa.  (Foto: Alexandre Dornelas)

Parentalidade alimentar na infância

O estudo liderado por ela com crianças de 3 a 6 anos teve como motivação saber qual o papel que os pais têm na alimentação e por quê. “Crianças dessa idade estão na fase que a gente chama de modelagem. Eles veem os pais como modelo de tudo que fazem. Quando os pais gostam de praticar atividade física, por exemplo, eles também fazem, porque querem seguir os pais, os cuidadores”. 

Para observar e analisar mudanças e tendências de uma mesma amostra, por um período prolongado de tempo, a pesquisadora e suas alunas investigam até que ponto vai a influência dos pais. Observam não só o que se refere ao consumo, mas também no que diz respeito a sobrepeso, alterações bioquímicas e comportamentais, frequência de atividade física, qualidade do sono, tempo frente às telas e outras questões.

Escola como ambiente promotor de saúde

Pesquisadora Melina Monteiro chama a atenção sobre a importância de o conhecimento cientifico impactar políticas públicas. (Foto: arquivo pessoal)

O contato com o público do Pipa Kids é feito via escolas parceiras, desde avaliação antropométrica e aplicação de questionários a coleta de sangue, atividades lúdicas e acompanhamento. Na primeira parte do estudo, foram avaliadas cerca de 200 crianças e 200 pais (cuidadores).

Uma das observações do grupo é que, mesmo com a orientação aos pais de que a merenda fornecida pela escola é o melhor alimento para  os filhos naquele momento, o estudo mostra que muitas crianças levam o próprio lanche. “Na maioria das vezes, o lanche que a criança leva é um chips, um biscoito recheado, o refrigerante, alimentos com baixa qualidade que se traduzem em excesso de peso, carências nutricionais e alterações bioquímicas”, lamenta a pesquisadora.

Políticas públicas

É importante salientar que a alimentação inadequada de uma criança não é algo de responsabilidade só da família. Para a cientista, vários atores devem se comprometer com a questão, principalmente, gestores públicos. “Eu não posso dizer para uma família que a criança tem que comer alimentos in natura, frutas, verduras, se hoje sabemos que os alimentos ultraprocessados estão muito mais baratos do que os in natura”, ressalta.

Melina Monteiro, doutoranda integrante do Pipa Kids, enfatiza como a pesquisa pode contribuir com autoridades e setores responsáveis na elaboração de projetos e políticas públicas voltados para esse público. “Um dos objetivos do trabalho é contribuir para reduzir doenças crônicas, obesidade e consumo de ultraprocessados na população adulta. A literatura já mostra que é na infância que os hábitos alimentares são construídos e intervir nessa fase é um grande passo para a promoção da alimentação adequada e saudável, reduzindo, assim, gastos com a saúde pública no futuro”, avalia Melina.

Adriana Melo, também doutoranda, desenvolveu sua tese para validar uma escala de avaliação da adesão às práticas alimentares baseada nas recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira com crianças de 3 a 6 anos. O Guia é um instrumento oficial com princípios e recomendações para uma alimentação adequada e saudável, portanto, primordial para ações de educação alimentar e nutricional.

“Diante desse cenário, as pesquisas voltadas para essa temática, como o Pipa Kids, permitem compreender de forma mais ampla como os diferentes fatores interferem na formação das preferências alimentares, possibilitando a criação de estratégias eficazes de promoção da saúde da população infantil”, reforça Adriana.

Adriana Melo desenvolveu sua tese para validar uma escala de avaliação da adesão às práticas alimentares em crianças de 3 a 6 anos. (Foto: Arquivo pessoal)

Predisposição genética

Mesmo com a predisposição genética de doenças, que faz com que o indivíduo seja mais ou menos predisposto a ter alguma alteração crônica, o ambiente supera as questões genéticas. “Sabemos que mesmo com predisposição, um ambiente saudável vai resultar em menos prevalência de doenças ao longo da vida. O problema é que, muitas vezes, além da predisposição genética, temos um ambiente desfavorável. Uma criança, por exemplo, que já começa a vida com sobrepeso tem alta probabilidade de se tornar um adolescente e um adulto com sobrepeso ou obesidade”, alerta Ana Paula.

E isso vale para todas as outras questões, argumenta a pesquisadora. Uma criança que tem alteração lipídica, hepática, glicêmica, de colesterol, deficiência de cálcio, vitamina C, vitamina A, entre outros, tem alta probabilidade de ser um adolescente e um adulto com essas alterações.

Ouça o Id Pesquisa pelo Spotify. Lembre-se de seguir, compartilhar e avaliar o programa.

“Excesso não é adequado”

De acordo com a pesquisadora, de um lado, há o adolescente que faz o consumo de alimentos de forma excessiva e, de outro, aquele que opta por não se alimentar. Adolescentes que têm preocupação excessiva com a estética e podem desenvolver transtornos como anorexia, bulimia e obsessão por atividade física. Por isso a importância do acompanhamento nutricional de crianças e adolescentes já na infância, como propõe o Pipa Kids. “Buscamos um pensamento multidisciplinar, interdisciplinar e variado do indivíduo desde os primeiros anos”, completa.

Colaboração internacional

Em seu pós-doutoramento na Espanha, Ana Paula colaborou com a pesquisa Mediterranean Lifestyle in Pediatric Obesity Prevention (Melipop), ou “estilo de vida mediterrâneo na prevenção da obesidade pediátrica”. Devido a seu longo trabalho no Brasil sobre obesidade com crianças e adolescentes, integrou a equipe do pesquisador Luis Alberto Moreno Aznar, da Universidad de Zaragoza, que desenvolve, desde 2019, estudo longitudinal com previsão de término em 2030.

Assista ao 18º episódio do IdPesquisa pelo YouTube ou escute no Spotify.