Completando o sétimo ano em Juiz de Fora, o festival internacional de divulgação científica “Pint of science” levou moradores de diferentes áreas do município até bares da região para dialogar com pesquisadores sobre diversos temas em foco na atualidade.
Primeiro dia: impactos das construções civis, transição energética e turismo consciente

No bar Experimental, no primeiro dia de evento, o público contou com o debate sobre “Cidades quentes, florestas ameaçadas: o desafio das mudanças climáticas” (Foto: Carolina de Paula/UFJF)
Em meio a copos de cerveja e conversas descontraídas, o público que lotou o bar Experimental no primeiro dia do Pint of Science, em Juiz de Fora, foi convidado a refletir sobre um tema urgente: os impactos das construções urbanas no meio ambiente e no conforto térmico das cidades, através do tema central “Cidades quentes, florestas ameaçadas: o desafio das mudanças climáticas”.
Uma das convidadas da noite foi a professora Júlia Castro Mendes, do Departamento de Construção Civil da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ela criticou a padronização das construções modernas e a tendência à redução de espaço, em comparação com os modelos arquitetônicos do passado.
“Antigamente, as paredes eram mais grossas, muitas vezes feitas de barro, e as casas tinham varandas, o que ajudava a manter o interior mais fresco. Hoje, vemos moradias cada vez menores e padronizadas. Estamos normalizando, por exemplo, casas sem espaço nem para uma máquina de lavar”, destacou. Para ela, o diferencial está nos detalhes. “É essencial buscar profissionais que considerem questões ecológicas, como o uso de materiais sustentáveis e soluções que favoreçam a ventilação e a redução do consumo energético”, afirmou.
A noite também contou com a participação da professora Cristina Dias da Silva, do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, que reforçou a importância da troca de experiências com outras tradições de conhecimento, especialmente as de povos indígenas. “Os indígenas, por exemplo, constroem suas casas com cuidado e reaproveitamento dos recursos naturais, pensando na circulação de ar dentro de casa, proteção ao sol… Tudo isso também é pensado de outras formas, em outros contextos. É fundamental valorizar esse saber”, pontuou.
Durante o bate-papo com o público, Júlia também respondeu sobre materiais de construção mais sustentáveis. Entre eles, citou o barro, a madeira e tipos de cimento com menor impacto ambiental. Ela explicou que esses materiais podem reduzir significativamente as emissões de CO₂ e o consumo de energia. No caso da madeira, destacou que sua durabilidade varia conforme o clima. “Nos Estados Unidos, os invernos são chuvosos e secos no verão, o que favorece a recuperação da madeira. Já no Brasil, o verão é chuvoso, o que exige mais cuidados com o uso desse material”, explicou.

No Bar do Luiz, no segundo dia, o tema central foi “Energia de verdade: o que não te contaram sobre o futuro elétrico do brasil” (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)
No Bar do Luiz, o primeiro dia teve como temática a pauta “Energia de verdade: o que não te contaram sobre o futuro elétrico do brasil”. Para abordar o tema, foram convidados Emanuel Manfred Freire Brandt, Mestre e Doutor em Engenharia Sanitária e Ambiental, e a engenheira e doutora em tecnologia, Janaína Gonçalves de Oliveira.
Janaína iniciou as apresentações, falando sobre fontes de energia e o processo de transição energética que o mundo vem passando: tentando reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa, porém, buscando uma forma de se produzir energia que será capaz de abastecer todo o mundo de forma “limpa”.
Emanuel, por outro lado, abordou um grande desafio mundial: a mudança gradual das fontes de energia baseadas em combustíveis fósseis para fontes limpas e renováveis e como o uso do biogás ou do biometano pode ser um agente determinante para o sucesso da luta a favor da preservação do meio ambiente.
Ao final das apresentações, foi aberta uma rodada de perguntas, em que os participantes da plateia puderam expor suas dúvidas e criar debates interessantes sobre os temas abordados e, principalmente, falar sobre como o Brasil está se preparando para essa nova era de produção de energia sustentável.
Na cervejaria Württemberg o papo foi com coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão TBC-Rede: Turismo de base comunitária, Sustentabilidade e Redes, Edilaine Albertino de Moraes e com o pesquisador do Departamento de Ciências Administrativas (CAD), Danilo de Oliveira Sampaio. Juntos, discutiram o tema “De viagens e destinos: nossas decisões importam ou é papo furado?”.

Na cervejaria Württemberg, o bate-papo foi sobre “De viagens e destinos: nossas decisões importam ou é papo furado?” (Foto: UFJF)
A conversa foi iniciada por Edilaine, que refletiu o turismo não apenas como gerador de riquezas, mas também como promotor de desigualdades. “O discurso sobre o turismo está muito atrelado à promoção de um desenvolvimento econômico, mas nós também precisamos considerar ele como um setor que contribui para intensificar as desigualdades sociais do nosso país”, refletiu.
Danilo, por outro lado, falou sobre a relação dessas desigualdades com o consumo e a importância de consumir produtos que afetam menos o meio ambiente. “A desigualdade influencia o comportamento das pessoas, porque no sistema capitalista, quanto mais capital, mais poder você tem”, inferiu.
O pesquisador convidou o público a repensar a maneira como vivem e as crenças em relação ao consumo de cada um. “Quantas camisas você tem no seu guarda-roupa? Quantos sapatos? Realmente preciso consumir tanto? Não precisamos parar de consumir. Pelo contrário, é saber consumir melhor”, provocou Sampaio, ao fim de sua reflexão.
Segundo dia: humanidade no controle, consumo e a preservação da espécie humana e o que é esquecido e lembrado por nós
Dando continuidade ao segundo dia de evento no Experimental Bar, com o tema “A humanidade no controle: antropoceno e formas de produzir sem poluir”, o pesquisador da Embrapa, Ricardo Guimarães, destacou a importância das pastagens, que, segundo ele, ocupam 117 milhões de m² no mundo, dos quais 60% estão em processo de degradação. No Brasil, essa área corresponde a 160 milhões de hectares, também com 60% em degradação. “O assoreamento dos rios está matando nascentes e impacta diretamente o microclima, porque a energia solar incide diretamente sobre o solo. Quando há menos cobertura vegetal, o solo aquece mais e há menos calor latente para evaporar a água. A evaporação ocorre mais rapidamente, o que também contribui para o aumento da temperatura nas cidades”, explicou.

No segundo dia de evento, no Experimental Bar, o público debateu sobre “A humanidade no controle: antropoceno e formas de produzir sem poluir” (Foto: UFJF)
No caso de Juiz de Fora, por exemplo, o aumento da temperatura, segundo o pesquisador, está associado à falta de arborização e ao crescimento do número de prédios, principalmente na região central da cidade.
A professora Camila Neves Silva, do Departamento de Geociências da UFJF, destaca que as mudanças climáticas recentes vêm sendo compreendidas no contexto do antropoceno — uma proposta de nova época geológica caracterizada pela profunda influência das atividades humanas sobre o planeta, como o aquecimento global e a perda de biodiversidade.
“O aumento da temperatura, a disseminação de espécies invasoras e a intensificação de desastres naturais são efeitos diretos dessa interferência humana. O mais preocupante é que os grupos com menor representatividade política são os mais impactados, sendo frequentemente forçados a abandonar seus territórios. Um exemplo claro disso são os povos indígenas”, afirmou.
Já no Bar do Luiz, o evento foi marcado pela discussão: “o consumo vai exterminar nossa espécie?” liderada pela professora do Departamento de Moda da UFJF, Débora Piguello Morgado e pela pesquisadora do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Sue Ellen Costa Bottrel.

No Bar do Luiz, o bate-papo no segundo dia evento foi sobre “o consumo vai exterminar nossa espécie?” (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)
O bate-papo foi iniciado por Morgado, que falou sobre lixões têxteis e a relação do consumo de moda atualmente. “Hoje, não é interessante, nem para o produtor e nem para o consumidor que os produtos sejam duráveis. Porque, muitas vezes, o interesse está em consumir, em estar em alta nas redes sociais”, refletiu a professora. “Se olharmos as roupas até a década de 1990, elas têm uma qualidade que não existe mais hoje, porque a obsolescência programada leva os produtores a trabalhar com tecidos que não tenham mais tanta durabilidade” finalizou.
Em seguida, Bottrel citou os danos ambientais causados pelo grande volume de roupas descartadas e iniciativas nacionais para descarte do lixo. “Quando chega a hora de jogar essa roupa fora, onde eu devo jogar? Qual é o descarte ideal para ela?”, questionou e, logo em seguida, respondeu que o lixo comum não é a melhor opção. “Em tese, os aterros deveriam receber somente rejeitos, que não têm mais como ser reutilizados, reciclados, tratados ou aproveitados energeticamente”, finalizou.
Dividindo o cenário com grandes máquinas fermentadoras de cerveja, os pesquisadores Marcos Olender do Departamento de História e Weden Alves da Faculdade de Comunicação levaram o tema “Desinformação e Memória: quem ganha com o esquecimento?” ao segundo dia do festival na Cervejaria Württemberg.

Na Cervejaria Württemberg, o tema foi sobre “Desinformação e Memória: quem ganha com o esquecimento?” (Foto: Marcella Victer/UFJF)
“A memória se constroi no coletivo e o mundo atual não prioriza a convivência, a experiência”, aponta Olender. O pesquisador citou a diferença entre a preservação de memória pelos povos originários em comparação com os oriundos de grandes centros urbanos. “Os povos originários guardam a memória no corpo deles. A canção que cantam é a mesma mas está em constante renovação”.
Weden Alves traz a perspectiva do esquecimento, apagamento e silenciamento utilizando as lentes da saúde. “Vocês sabiam que uma empresa vai trazer para o Brasil um plano de saúde que custa apenas 130 reais por pessoa e dá direito a internação, consultas, vacinas e ainda trabalha na vigilância sanitária?”, provoca. “Essa empresa não existe mas o plano existe e todos vocês o utilizam. Ele se chama SUS.” O pesquisador então questiona quais são os processos que fazem com que alguns discursos sejam “esquecidos”, apagados e silenciados em prol de outros.
“Vim tomar um chopp depois que saí do trabalho e fiquei muito feliz de ver esse evento acontecendo”, revela Jeane Angelica da Luz, moradora do bairro Barbosa Lage, graduada em Serviço Social pela UFJF. “É muito bom ver a universidade trazendo assuntos tão relevantes para a região”.
