Ninguém pode parar o tempo. Ele é uma das forças maiores do universo. Invencível. Entretanto, haveria formas de encapsulá-lo? A resposta poderia estar nos múltiplos objetos criados a fim de facilitar a vida da humanidade ao longo das eras. Eles desempenharam suas funções e, com o avanço das metodologias de manufatura, muitos foram aprimorados, alguns descontinuados, outros guardados ou, então, descartados.

Mostra “Antiquário” conta com 12 registros de objetos antigos, como tesoura, radioamador, relógio de bolso e microfone, entre outros (Foto: Fernando Raine/Divulgação)

Jogando luz sobre essas contemplações, o Forum da Cultura da UFJF sedia, até 16 de maio, a mostra “Antiquário”, do fotógrafo e escritor Fernando Raine. Evocando a memória coletiva, social e urbana, a exposição traz 12 fotografias inéditas, em preto e branco, com objetos que fizeram parte da história, cultura popular e, sobretudo, de manifestações tradicionais e/ou uso cotidiano em muitas residências.

A ideia do projeto surgiu a partir de uma visita do fotógrafo ao sítio de um tio. No local, observou diversos itens antigos “esquecidos” no ambiente, selecionou aqueles que mais chamaram a sua atenção, e, em um pequeno estúdio improvisado, com iluminação natural, realizou as fotografias por meio de um aparelho celular. “Quando visualizei tantos objetos antigos ali, parados, pegando poeira, pensei no quanto mereciam e deviam ser retratados. Esses objetos têm memória, têm história, então resolvi resgatar isso através da fotografia”, relata Raine.

Com ângulos diferenciados e um contraste marcante que instiga os sentidos, as fotografias em exibição trazem eternizados objetos como, por exemplo, um microfone de 1960, da marca Shure; um radioamador de 1966, da marca Yaesu; um pilão de cobre, de 1963; um telefone modelo JK, de 1950, confeccionado em homenagem ao presidente Juscelino Kubitschek, e um ferro a carvão, datado de 1920. Para Fernando, suas obras são mais do que o resultado de um toque na tela ou os megapixels de uma lente, refletem sua sensibilidade mais pungente. 

“Penso que a fotografia é algo do olhar, é a impressão do olhar do fotógrafo. Uma pessoa pode ver determinado objeto a ser fotografado com outro olhar, diferente do que eu quis retratar. O meu processo criativo nasce da alma, surge como um insight e vai de encontro com todas as técnicas que apreendi e todos os anos que passei fotografando”.

Um dos destaques da mostra é a fotografia de uma tesoura de ferro do ano de 1900. O objeto veio da Itália para o Brasil pelas mãos do bisavô da esposa de Raine. O senhor Virgílio Bisaggio era alfaiate na Itália, veio como vice-cônsul para o país e estabeleceu-se em Juiz de Fora, onde fundou a alfaiataria Oriente. A tesoura passou por todo o percurso, ganhou marcas de ferrugem e agora é alçada, fotograficamente, às paredes do centenário casarão.

Com ângulos diferenciados e um contraste marcante que instiga os sentidos, as fotografias em exibição trazem eternizados objetos do século passado (Foto: Fernando Raine/Divulgação)

Também chama a atenção a fotografia de um relógio de bolso Alfred Grimler Ancre Ligne Droite, fabricado em ouro 18 quilates, no ano de 1905. Cuidadosamente cunhado, com um sistema interno de engrenagens complexo e, ao mesmo tempo, fascinante, o exemplar é raro, por terem sido produzidas pouquíssimas unidades ao ano. Um verdadeiro privilégio, tanto para quem o possui quanto para quem, agora, pode observar sua riqueza de detalhes.

Uma visita pela Galeria de Arte e surgem diferentes cenários a se devanear. Quantas peças de roupas nasceram com os cortes das lâminas da tesoura? De onde vieram as ondas captadas pelos receptores do rádio amador? Quantas declarações de amor ou palavras de saudade foram trocadas pelo telefone? As fotografias possuem essa capacidade poética de encantar. São estáticas, mas nos levam a uma viagem através do cronos e por universos paralelos acessados pelos olhares que as contemplam. 

Raine é um dos artistas selecionados pelo Edital de Ocupação da Galeria de Arte do Forum 2025, cujo resultado foi divulgado no dia 28 de fevereiro.

As visitações são gratuitas e acontecem de segunda a sexta, das 10h às 19h.

Resistência à obsolescência
A mostra também explora a fotografia enquanto memorialística e denuncia, em certa parte, a obsolescência programada, uma estratégia de produção que torna um produto obsoleto mais rapidamente, incentivando o consumo de novos produtos.

Ao expor fotografias de objetos que resistiram ao tempo, Raine concede a elas mais uma camada protetiva, uma sobrevida a fatores corrosivos, sejam eles físicos, como a ferrugem, ou intangíveis, como o esquecimento.

Exposição trata de tempo, memória e consumismo e provoca reflexões sobre a obsolescência programada (Foto: Fernando Raine/UFJF)

O fotógrafo enxerga a obsolescência programada como um fruto dos sistemas capitalistas imperantes. “Ela é um dos fatores marcantes e presentes na nossa sociedade desde a modernidade até hoje. Os produtos já vêm de fábrica com ela. É indiscutível. Diante disso, quis provocar um dialogismo deste fato com os objetos registrados e exibidos na exposição”, provoca. “Muitas pessoas desconhecem a origem do que fotografei e estou apresentando. Então, essa exposição vai tocar justamente em temática como tempo, memória e consumismo. É uma afronta mais que necessária.”

Oficina de fotografia
Dentro do contexto da mostra, acontece a oficina “Fotografias de Antiquário no Forum”, no dia 16 de maio, das 14h às 17h. Ela será ministrada pelo próprio expositor e tem como objetivo oferecer momentos de intercâmbio de conhecimento entre o fotógrafo e os participantes, noções básicas de fotografia e uma atividade prática, que consistirá no exercício de registrar objetos antigos do casarão. Os resultados dos trabalhos realizados serão apresentados nas redes sociais do Forum da Cultura.

A oficina é gratuita e aberta ao público a partir dos 16 anos. Os interessados devem utilizar seu próprio equipamento fotográfico, como, por exemplo, câmera digital, celular, etc. As inscrições podem ser realizadas através do link https://bit.ly/OficinaFotoAnti25.

O artista
Fernando Raine é jornalista, formado pela Unipac e pós-graduado em Teoria Literária e Produção Textual pela Focus. Também é fotógrafo, escritor e editor na Provérbio Editora. Natural de Juiz de Fora (MG), destaca-se por suas obras que exploram a essência humana e os impactos do capitalismo na sociedade contemporânea. Autor de livros como “Sociedade Contemporânea: Entre o Prazer e a Angústia”; “Ponto E de Erótico”; “Poesia Todo Dia”, “Minimalismo Poético”, e “Conexão Poética (escrito com Eneida Ávila)”, Raine ainda colaborou com Marcelo Papareli em “Entre Poesia”; e já organizou mais de 20 antologias. 

Suas publicações são conhecidas por mesclar filosofia e crítica social com uma poética única. Atualmente, estuda Letras, com Bacharelado em Tradução Português-Espanhol na UFJF. Ele também fotografou mais de 200 shows desde 2012, incluindo as bandas internacionais Cristafari, Down e Megadeth; e grandes cantores nacionais, como Ney Matogrosso e Nando Reis. O fotógrafo ainda soma participações em exposições coletivas em diversas localidades, como Juiz de Fora e Muriaé, em Minas; Nova York e Chicago, nos Estados Unidos; Zurique, na Suíça e, mais recentemente, Barcelona, na Espanha. A mostra “Antiquário” é a primeira em formato individual do artista.

Outras informações
Forum da Cultura – Rua Santo Antônio, 1112 – Centro – Juiz de Fora
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