Convidado do IdPesquisa, Júlio Chebli é revisor de várias revistas científicas internacionais, colaborador de rede internacional de pesquisa sobre doenças inflamatórias intestinas e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pâncreas

Mais de cinco milhões de pessoas em todo o mundo são acometidas pelas Doenças Inflamatórias Intestinais (DII). A prevalência dessas doenças, que podem atingir todo trato intestinal, da boca ao ânus, vem aumentando no Brasil, segundo pesquisas. Um estudo bastante abrangente publicado na Revista The Lancet, mostrou que a prevalência subiu 15% ao ano entre 2012 e 2020 no país, chegando a 100 casos por 100 mil habitantes. O estudo foi feito com registros de 212 mil pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). 

As DIIs mais comuns são a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. A primeira pode atingir todas as mucosas intestinais, sendo mais frequente no intestino delgado, cólon e região perianal. Já a retocolite, acomete o intestino grosso e reto, atingindo a camada mais superficial que reveste o intestino. Podem ocorrer em qualquer faixa etária, sendo os picos de incidência entre os 20 e 30 anos e, depois, entre pessoas com 60 e 70 anos.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Coloproctologia, os sintomas mais frequentes das doenças inflamatórias intestinais são: diarreia crônica com presença sangue, muco ou pus, cólicas abdominais, urgência evacuatória, falta de apetite, cansaço e emagrecimento. Sintomas mais graves são caracterizados pela anemia, febre, desnutrição e distensão abdominal. Entre 15% e 30% dos pacientes podem desenvolver ainda manifestações extra intestinais como dor nas articulações, lesões de pele ou nos olhos.

Este assunto foi abordado no quinto episódio do programa IdPesquisa com o médico, professor e pesquisador da Faculdade de Medicina da UFJF Júlio Maria Fonseca Chebli. De acordo com o docente, as DII possuem prevalência de 0,8 a 1% na população ocidental, e realmente têm aumentado no Brasil, especialmente nas regiões Sul e Sudeste.

“Esse é um fenômeno que já ocorreu em países desenvolvidos. As doenças inflamatórias têm uma relação com um consumo de alimentos multiprocessados, com o estresse, uso excessivo de antibióticos e com a disbiose intestinal. O que ocorreu nesses países desenvolvidos é uma estabilização da prevalência e incidência da doença. Agora os países que estão em franco desenvolvimento, como o caso do Brasil e até mesmo países da Ásia, está havendo uma nítida elevação da prevalência e incidência das doenças inflamatórias.”

A doença de Crohn e a retocolite, além de se caracterizarem pelo poder inflamatório crônico, também são consideradas patologias imunomediadas ou autoimunes, o que significa que são doenças onde o próprio sistema imunológico, através das células de defesa, produzem substâncias que atacam os órgãos do corpo. Segundo o professor, apesar de não terem cura, as doenças possuem tratamento moderno e avanços terapêuticos. Para a maioria das doenças imunomediadas é possível atuar nas consequências do desbalanço imunológico.

Chebli é líder do Núcleo de Pesquisa em Gastroenterologia da instituição e  coordena o Centro de Doenças Inflamatórias do Hospital Universitário (HU-UFJF), criado há 30 anos. O local conta com mais de mil pacientes em acompanhamento, sendo o segundo maior do Brasil em número de pacientes em atendimento. 

 “Hoje o controle da doença melhorou muito. Com as várias terapias avançadas que nós temos, como os imunomoduladores e terapias biológicas que os pacientes têm acesso pelo SUS, conseguimos controlar a doença e dar uma qualidade de vida muito próxima do normal ao paciente. Isso não era possível até duas décadas atrás.”

Estilo de vida influencia na saúde de pacientes 

Como são doenças crônicas, o acompanhamento multidisciplinar dos pacientes é fundamental para evitar agravos e, nesse sentido, a alimentação e a atividade física possuem papel fundamental.  “Os estudos mostram que uma dieta baseada no mediterrâneo, que é uma dieta saudável, diminui a recidiva da doença inflamatória intestinal. Quem tem a dieta desregrada, essa chance de recidiva é maior. Além do nutricionista, é importante o acompanhamento de psicólogo, psiquiatra, assistente social e outras especialidades médicas. A gente precisa de uma grande equipe multidisciplinar e felizmente nós temos essa facilidade no Hospital Universitário”, explica o pesquisador

Atualmente, Júlio Chebli também coordena estudos de revisão sistemática da literatura científica sobre o impacto da atividade física na qualidade de vida e no sistema musculoesquelético em pacientes com Doença de Crohn. Além da pesquisa, é feita a medição qualitativa das pessoas atendidas pelo Centro de Doenças Inflamatórias do HU.

Outra frente de trabalho de metanálise é a revisão de prontuários eletrônicos que visam avaliar as características clínicas e evolutivas de Doenças Inflamatórias Intestinais em pacientes com sobrepeso ou obesidade, comparando com os pacientes não obesos. “O paciente obeso bioquimicamente é uma pessoa inflamada. Ele tem um excesso na produção de citocinas. Aquele tecido adiposo tem várias células inflamatórias que produzem essas citocinas. Nós avaliamos o desfecho a longo prazo comparando uma população não obesa com a obesa e vendo como esses pacientes evoluem a longo prazo. A gente avalia se eles têm mais recidiva, se precisam de mais imunossupressores e se precisam operar, isso porque dependendo do caso, você precisa tirar uma parte do intestino. Na doença de Crohn, por exemplo, uma das complicações mais comuns, é a obstrução do intestino.” 

Projeto conta com apoio de estudantes da graduação

As pesquisas contam com a participação ativa dos estudantes de graduação como do aluno do 11º período de Medicina da UFJF, Marcos Paulo Moraes, participante do projeto sobre o impacto da obesidade na evolução da Doença Inflamatória Intestinal. 

Para o aluno Marcos Moraes, otrabalhos de pesquisa no Centro contribuem de forma significativa para o avanço da ciência e causam impacto direto na população

Segundo o aluno, informações de mais de 440 pacientes já foram coletadas nos prontuários do HU, incluindo gênero, idade, peso, altura, índice de massa corporal (IMC), tabagismo e doenças associadas. Além disso, foram registradas as variáveis relacionadas a DII, como a duração da doença desde o diagnóstico, idade do paciente ao diagnóstico, localização e comportamento da doença com base em escores específicos, medicamentos usados ao longo do tratamento, falhas terapêuticas, necessidade de hospitalização por complicações, de intervenção cirúrgica e a presença de manifestações extra intestinais.

“Com o banco de dados finalizado, tive a oportunidade de acompanhar de perto a análise estatística e os resultados da pesquisa. Comparamos nossos achados com os dados disponíveis na literatura, e, como acadêmico, foi extremamente produtivo participar dessas discussões. Atualmente, estamos redigindo o artigo para publicação, mas os resultados da pesquisa já foram apresentados na XII Semana Brasileira do Aparelho Digestivo, evidenciando a qualidade do nosso trabalho.”

Ao ter contato com o universo da gastroenterologia, o estudante decidiu que esse seria o caminho a ser seguido após a formatura. A intenção do discente é se especializar nas residências de clínica médica, gastroenterologia e endoscopia, e, um dia, poder retornar para exercer o ofício no HU-UFJF ao lado dos meus mentores.

“Sinto muito orgulho de fazer parte de um movimento científico que faz a diferença. Os trabalhos contribuem de forma significativa para o avanço da ciência e causam impacto direto na população. Fazer parte de um grupo científico nos obriga a estudar e a nos desenvolver mais. Hoje, sou um profissional muito mais qualificado por ter feito parte disso.”

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Mais informações:

Hospital Universitário da UFJF