Estudo coordenado pelo professor Alexandre Cury, da Faculdade de Engenharia, é tema da segunda edição do programa IdPesquisa (Foto: Vitor Ramos/UFJF)

Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) tem se afirmado como uma aliada em diversas áreas, especialmente na Engenharia Civil. A aplicação da IA no monitoramento de vibrações estruturais tem se mostrado particularmente eficaz, permitindo a automação de processos, a redução de riscos e a melhoria na precisão da detecção de problemas em pontes, viadutos e outras grandes obras. No Brasil, pesquisadores têm desenvolvido soluções inovadoras para garantir a segurança dessas estruturas. Entre essas medidas, estão projetos liderados pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em parceria com empresas e outras instituições acadêmicas.

O tema é aprofundado no segundo episódio do programa IdPesquisa – disponível em vídeo e podcast. Entre os assuntos abordados estão o monitoramento da integridade estrutural, a análise de vibrações, a detecção de danos, a análise estatística avançada e a confiabilidade estrutural. A pesquisa é coordenada pelo professor Alexandre Cury, do Departamento de Mecânica Aplicada e Computacional da Faculdade de Engenharia da UFJF, e um dos líderes do Grupo de Pesquisa em Ciência de Dados Aplicada à Engenharia (Cideng).

O estudo consiste na aplicação da IA no monitoramento de vibrações em pontes, viadutos e estruturas ferroviárias. A pesquisa é realizada em parceria com o professor Flávio Barbosa, também do Departamento de Mecânica Aplicada e Computacional, além da Universidade de Brasília (UnB). A realização do estudo também conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O monitoramento é realizado por meio de sensores chamados “acelerômetros”, dispositivos que medem a vibração ou a aceleração do movimento de uma estrutura. Esses sensores, instalados nas estruturas, capturam vibrações e geram um volume massivo de dados. ‘Um único dia de coleta de dados de uma ponte pode gerar gigabytes de informações, tornando a análise humana inviável, daí a necessidade de automação precisa’, explica.”

A IA entra nesse ponto, analisando os dados de forma automática e identificando padrões que indicam anomalias. “Estamos falando de prever e evitar acidentes antes que eles aconteçam, algo fundamental em infraestruturas críticas”, reforça Cury.

O interesse do pesquisador pelo tema começou ao final de seu doutorado, realizado em 2010, na École des Ponts et Chaussées, na França. Na época, o uso de IA na Engenharia Civil ainda era incipiente. “Hoje, a IA é amplamente utilizada, mas, quando comecei, essa tecnologia ainda estava longe da popularidade que alcançou. Nos últimos dez anos, houve um grande avanço no desenvolvimento dessas técnicas, impulsionado pela maior capacidade de processamento dos computadores”, destaca.

Segundo Cury, o uso de IA na Engenharia Civil enfrentou, em seus primórdios, desafios relacionados à capacidade de processamento e à análise de grandes volumes de dados. “A evolução tecnológica foi crucial para que a IA passasse a desempenhar um papel central na automação de processos que antes dependiam exclusivamente de inspeções visuais feitas por engenheiros no local”, comenta. 

O professor também destaca que toda estrutura está sujeita a vibrações, mas nem sempre esses fenômenos são perceptíveis. “Nosso trabalho é identificar quando essas vibrações podem comprometer a estrutura. Isso nem sempre é fácil de detectar”, explica. 

“Essa tecnologia pode se tornar uma ferramenta crucial para gestores públicos e empresas de infraestrutura na hora de tomar decisões sobre reparos e manutenções”, complementa Cury. 

“Toda estrutura vibra”

Ponte Vermelha, do Bairro Santa Terezinha, em Juiz de Fora, é exemplo de estrutura que apresenta vibrações (Foto: divulgação)

“Na verdade, toda estrutura vibra. Às vezes percebemos, outras vezes não”, explica o professor. Um exemplo dessa vibração está na Ponte Domingos Alves Pereira, conhecida como Ponte Vermelha, localizada no bairro Santa Terezinha, em Juiz de Fora. “As pessoas que passam por ela, seja a pé ou de carro, sentem a ponte tremer, o que gera preocupações”.

Outro exemplo emblemático no país é a Ponte Rio-Niterói. Até 2004, sempre que os ventos atingiam cerca de 55 km/h, o vão central da ponte começava a oscilar, chegando a picos de 60 cm para cima e para baixo, o que causava desconforto aos motoristas e passageiros. Apesar do movimento, não havia risco à segurança, já que a estrutura foi projetada para suportar essa intensidade de ventos. “A Ponte Rio-Niterói vibrava de tal forma que, em várias ocasiões, o trânsito era interrompido por questões de segurança, não tanto em relação à estrutura, mas para garantir a proteção das pessoas que cruzavam a ponte”, explica Cury.

Ocorrência de ventos de mais 100 km/h podem gerar interdições preventivas na Ponte Rio-Niterói (Foto: divulgação)

Para resolver o desconforto, a administração da ponte adotou um sistema de Atenuadores Dinâmicos Sincronizados (ADS). Essa técnica consiste em um conjunto de caixas de aço, presas por molas a uma estrutura metálica. Quando a ponte começa a oscilar devido à ação do vento, o ADS entra em ação, gerando forças que contrabalançam o movimento da estrutura.

Antes, a operação da ponte era interrompida pelo menos duas vezes por ano, devido aos ventos sudoestes que atingiam a Baía de Guanabara. Hoje, ventos entre 60 e 100 km/h não causam mais transtornos, mas, em caso de ventos acima de 100 km/h, ainda podem ser necessárias interdições preventivas.

Monitoramento de danos em ferrovias 

Com o avanço da IA e o aumento da capacidade de processamento, o monitoramento de vibrações em grandes infraestruturas está se tornando cada vez mais acessível e eficaz. As ferramentas desenvolvidas pelo grupo Cideng, da UFJF, contribuem para transformar a maneira como a saúde estrutural de pontes e viadutos é avaliada.

Atualmente, um dos focos principais do grupo é o monitoramento de estruturas ferroviárias. A equipe da UFJF, em parceria com empresas do setor ferroviário e com apoio de órgãos como o CNPq e a UnB, está desenvolvendo um projeto para avaliar o nível de vibração em pontes e viadutos ferroviários. O objetivo é, a partir de técnicas baseadas em IA, coletar dados dessas infraestruturas e usar algoritmos avançados para identificar padrões de comportamento anormal que possam indicar falhas ou desgaste. Como ressalta o pesquisador, “muitos dos problemas são imperceptíveis a olho nu, e a análise manual levaria anos”.

O próximo desafio é aprimorar ainda mais a IA para monitorar, em tempo real, a saúde estrutural de grandes construções. O objetivo é desenvolver um software capaz de monitorar as estruturas remotamente, permitindo que empresas e órgãos públicos acompanhem a integridade de seus viadutos e pontes sem a necessidade de inspeções frequentes e onerosas.

Além disso, outra inovação está em fase de testes: sensores instalados diretamente em veículos ferroviários, como trens, que monitoram as vibrações enquanto cruzam pontes e viadutos. Essa tecnologia permite expandir o monitoramento sem depender de muitos sensores fixos, aumentando a eficiência e o alcance da supervisão das estruturas.

Incremento da formação de estudantes

Estudantes podem ter iniciação à ciência por meio do projeto; caso de Mariana Alvarenga (esquerda) e Marcos Rezende Neto (direita) (Foto: arquivo pessoal)

O grupo de pesquisa Cideng conta, ainda, com a colaboração de alunos de graduação, mestrado e doutorado, o que proporciona experiências valiosas para o desenvolvimento acadêmico e profissional desses estudantes. Dois deles, Mariana Alvarenga e Marcos Rezende Neto, alunos de Engenharia Civil, estão envolvidos no projeto desde 2023, por meio de bolsa de divulgação científica. Ambos desenvolvem algoritmos que detectam e quantificam anomalias em estruturas e conduzem experimentos com modelos tridimensionais em laboratório.

“A iniciação científica tem sido fundamental para aprofundar meus conhecimentos em programação e análise de dados. Além disso, me proporcionou a oportunidade de escrever artigos científicos e trabalhar em equipe, o que é uma experiência valiosa,” comenta Rezende Neto.

Já o doutorando Luiz Tadeu Dias Júnior foca sua pesquisa no uso de autocodificadores variacionais para detectar danos em edificações. De acordo com o estudante, a intenção é que o sistema identifique os problemas, localize as áreas afetadas e indique a intensidade da avaria.

“O trabalho que estou realizando tem sido essencial para minha formação como pesquisador”, afirma o doutorando Luiz Tadeu Dias Júnior (Foto: arquivo pessoal)

“Meu interesse por inovação foi o que me motivou a seguir o doutorado. Esse é um momento crucial para gerar pesquisas que avancem a fronteira do conhecimento. O trabalho que estou realizando no campo de Monitoramento da Saúde Estrutural tem sido essencial para minha formação como pesquisador, e o uso intensivo de programação me permitiu aprimorar significativamente minhas habilidades, otimizando processos e facilitando atividades cotidianas”, reflete Dias Júnior. 

Programa IdPesquisa

O IdPesquisa é uma iniciativa da Diretoria de Imagem Institucional da UFJF em que pesquisadores da Universidade são convidados a discutir suas descobertas e projetos de inovação. O objetivo é promover uma compreensão mais ampla sobre a produção científica realizada no âmbito da instituição. O programa está disponível em formato audiovisual e podcast. 

Confira o segundo episódio do IdPesquisa:

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Outras informações: Página do Grupo de Pesquisa em Ciência de Dados Aplicada à Engenharia (Cideng) no Instagram