A Lei 14.925, de 17 de julho de 2024 ampliou o período de licença parental para estudantes de graduação e pós-graduação, aumentando o afastamento para 180 dias em casos de nascimento ou adoção de filhos. Essa mudança visa oferecer suporte mais abrangente durante o crucial início da vida do bebê ou da criança recentemente adotada, substituindo a antiga legislação de 2017, que previa apenas 120 dias. 

UFJF se adapta à nova normativa, beneficiando especialmente alunos de mestrado e doutorado (Foto: Pixabay)

A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) se adapta à nova normativa, beneficiando especialmente alunos de mestrado e doutorado. A pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa, Priscila de Faria, destaca a importância de um período adequado para os cuidados iniciais. “Com quatro meses, o bebê ainda não consegue sentar e a amamentação deve continuar. Dizer a uma mãe que ela deve voltar ao trabalho nesse período é inadequado, tanto para mães quanto para pais adotivos que precisam ajustar sua nova rotina.”

Desde 2023, a UFJF já oferecia essa extensão de licença para alunos com bolsas de pós-graduação. A decisão de ampliar o prazo para 180 dias foi resultado de discussões com conselheiros durante a elaboração do novo regulamento interno.

O que muda com a nova regulamentação?
A principal mudança introduzida pela nova legislação é a ampliação do prazo mínimo de licença para 180 dias, aplicável a mães e pais para a conclusão de disciplinas, entregas de trabalhos finais e defesas de dissertações e teses. A prorrogação também abrange situações anteriores ao parto, como gravidez de risco e pesquisas que possam representar risco para a gestante ou o feto.

Adicionalmente, a nova lei prevê um afastamento de 12 meses para pais de crianças ou adolescentes com deficiência. Em casos de internação hospitalar do filho menor de idade, o projeto garante uma prorrogação adicional de 30 dias. Importante destacar que a ampliação não impacta a avaliação dos cursos de graduação, mestrado e doutorado, nem altera o número de vagas disponíveis.

Priscila esclarece que, se ambos os pais estiverem matriculados na graduação ou pós-graduação, a licença é concedida apenas a um dos pais.

A doutoranda em Ciências Sociais na UFJF, Flávia Lopes, ressalta ser crucial desenvolver políticas que minimizem a perda de mulheres na ciência e aumentem a diversidade no ambiente acadêmico (Foto: Arquivo Pessoal)

Maior impacto sobre as mulheres
Embora a nova legislação beneficie tanto mães quanto pais estudantes, seu impacto é desproporcionalmente maior sobre as mulheres. Dados da Plataforma Sucupira, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), mostram que a maioria dos estudantes de pós-graduação são mulheres (54,54%). Na UFJF, esse percentual é ainda maior, com 57,2% de mulheres entre os 2.199 ‘pós-graduandos (mestrado e doutorado). No entanto, os homens ainda predominam entre os docentes (57,46%), indicando uma disparidade na ascensão na carreira acadêmica e na obtenção de cargos como docentes e pesquisadores.

Flávia Lopes, jornalista e doutoranda em Ciências Sociais, destaca que sua pesquisa investiga os fatores que perpetuam essa diferença de gênero. “Na academia, a inserção e a progressão de carreira das mulheres enfrentam barreiras historicamente invisibilizadas. É crucial questionar as desigualdades de gênero neste ambiente e analisar as estruturas de poder, práticas institucionais e microviolências que dificultam o avanço das mulheres,” afirma. Ela ressalta que, apesar de as mulheres serem maioria na graduação desde os anos 90 e ocuparem a maior parte das vagas na pós-graduação, a maternidade ainda impacta significativamente suas carreiras.

Pesquisas indicam que a maternidade é um fator crucial para a desigualdade nas posições estáveis na carreira científica. Mulheres com filhos têm 38% menos chance de alcançar posições estáveis em todas as áreas do conhecimento. Além disso, um levantamento do Parent in Science revela que até 45% das publicações de pesquisadoras são afetadas nos primeiros anos de vida de seus filhos.

“Precisamos de políticas que minimizem a perda de mulheres na ciência e aumentem a diversidade na academia, como creches, contraturno escolar, garantia de acesso a alimentação de dependentes, moradia estudantil adequada para dependentes, espaços com acolhimento infantil em eventos acadêmicos, flexibilização de prazos e abono de faltas para acompanhamento de consultas, entre outras iniciativas,” ressalta Flávia.

Para Rosiléa Archanjo, doutoranda em Ciência da Religião na UFJF e bolsista da Capes, a expansão da licença para 180 dias é crucial, já que a chegada de um novo bebê transforma completamente a rotina (Foto: Arquivo Pessoal)

Desafio da maternidade
Esse é o caso de Rosiléa Archanjo, doutoranda em Ciência da Religião e bolsista da Capes, que se beneficiou da recente ampliação do prazo da licença maternidade. Em 9 de maio, ela deu à luz a Abraão, seu primeiro filho. Inicialmente, o afastamento das atividades acadêmicas era de 120 dias, mas com a nova legislação, a doutoranda solicitou a ampliação do período.

Formada em jornalismo e atualmente cursando sua segunda graduação também em Ciência da Religião (onde é doutoranda), Rosiléa compartilha que sua gravidez foi marcada por intensa produtividade e exaustão. Ela optou por concluir rapidamente o curso antes do nascimento do bebê. “Consegui entregar meu Trabalho de Conclusão de Curso uma semana antes do parto. Foi um prazo apertado; então continuei trabalhando na tese e no TCC enquanto estava grávida. Agora, preciso concluir a tese dentro do novo prazo,” conta.

A adaptação à rotina intensa de cuidados com o bebê, que inclui amamentação a cada três horas e os desafios associados, tem sido um esforço necessário para equilibrar com as exigências acadêmicas e domésticas. Ela destaca que a falta de tempo e o cansaço constante são desafios diários. Para Rosiléa, a expansão da licença para 180 dias é crucial, já que a chegada de um novo bebê transforma completamente a rotina. “Minha rotina anterior era bem organizada, com horários definidos. Agora, tudo mudou. Preciso me adaptar aos horários do meu filho. Além disso, a mulher não é apenas a mãe. Ela é mãe, dona de casa e pesquisadora, desempenhando múltiplas funções ao longo das 24 horas do dia.”

Para a pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa, Priscila de Faria, cada conquista é um passo importante para construir um sistema mais justo (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

“Construir um sistema mais justo”
Recentemente, foi concedido um período de seis meses para afastamento de estudantes, o que foi comemorado como uma importante vitória. No entanto, Priscila destaca que ainda existem desafios, especialmente para os professores orientadores.

Atualmente, quando uma orientadora entra em licença maternidade, é necessário que outro professor assuma seu papel para garantir que o estudante possa defender seu trabalho no prazo. “Por exemplo, um estudante de doutorado que recebeu orientação por três anos pode enfrentar dificuldades se a orientadora estiver ausente no último ano devido à licença maternidade. Isso prejudica tanto o estudante quanto a orientadora. O sistema precisa evoluir para equilibrar melhor as necessidades de ambos”, explica a pró-reitora.

A falta de suporte para orientadores, que são predominantemente mulheres, e o impacto da responsabilidade parental na produção científica são questões que precisam de mais reconhecimento. “Estamos avançando, mas o progresso é um trabalho contínuo. Cada conquista é um passo importante para construir um sistema mais justo.”