O Ministério da Saúde já registrou em 2024, mais de 4,5 milhões de casos prováveis de dengue, entre leves, moderados e graves. Só em Minas Gerais, um total de 1,3 milhão de notificações foram realizadas. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) diversas frentes de trabalho atuam no enfrentamento da epidemia – desde a realização de testes moleculares para detecção do vírus nas análises laboratoriais a pesquisas sobre o comportamento do mosquito Aedes aegypti e da doença. Publicado em março, um desses estudos relacionou a média de temperatura no estado com a incidência de dengue.
Foram analisadas as médias de temperatura de 38 microrregiões de Minas Gerais e a relação desses números com a quantidade de notificações de dengue registradas entre os anos de 2010 e 2019. O trabalho foi publicado pela revista Cadernos de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e está disponível na íntegra na Biblioteca Científica Eletrônica On-line (Scielo, na sigla em inglês) após cerca de um ano de estudo por oito pesquisadores.
Os pesquisadores chegaram à conclusão de que a temperatura do ar é um dos fatores que afetam a incidência da dengue. Temperaturas baixas, frias e extremas causam efeito protetivo, enquanto as moderadas a quentes aumentam o risco do desenvolvimento do vetor de transmissão. Além da temperatura do ar, outras variáveis podem ser consideradas nas estratégias de combate à doença, como índices de seca, de poluição, de precipitação e seus padrões. No entanto, segundo o artigo, a temperatura aparece “como um dos fatores mais importantes, ao influenciar em todas as fases da vida do vetor e do ciclo do vírus, limitando, permitindo e controlando cada um de seus aspectos”.
Os autores destacam, ainda, o efeito das mudanças climáticas, com temperaturas do ar cada vez mais extremas, o que pode afetar “a transmissão e as epidemias de dengue, modificando o padrão da doença e dificultando estratégias de intervenção no contexto de saúde coletiva”.
O artigo produzido a partir da pesquisa é de autoria dos professores Letícia Ferreira e Mário Círio Nogueira, da Faculdade de Medicina (Famed), Cássia de Castro Martins Ferreira, do Instituto de Ciências Humanas (ICH), e Aripuanã Watanabe, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). Também assinam o trabalho os alunos Lucas Jardim, Pedro Augusto Valadares, Igor Ribas e João Pedro Medeiros, todos discentes do curso de Medicina.
Temperatura em meio termo é ambiente ideal para propagação da doença
Segundo a professora Letícia Ferreira, a situação ideal para as larvas do mosquito Aedes aegypti se propagarem é o meio termo da temperatura, já que tanto em ambientes mais frios quanto em muito quentes elas não conseguem evoluir. Em consonância, o professor Mário Círio Nogueira acrescenta que “muitas doenças têm relação direta com a oscilação climática e, na maioria dos casos, isso não é levado em consideração. Vimos que a dengue é um exemplo disso”.
De acordo com o estudo, Ituiutaba, Januária e Governador Valadares são as cidades que possuem a temperatura mínima mais elevada (20,4ºC, 20,2ºC e 19,7ºC, respectivamente), ou seja, são lugares com risco elevado em relação ao vírus. Já Itajubá, Barbacena e Conselheiro Lafaiete (15ºC), que têm as médias de temperaturas mínimas mais baixas (13,6ºC, 14,8ºC e 15ºC, respectivamente) são microrregiões mais protegidas em relação à dengue.
“O artigo tem sua importância porque a gente trouxe para o Brasil, de uma forma geral, informações do exterior, aplicadas aqui. Ao meu ver, essa pode ser uma ferramenta na qual o sistema de saúde brasileiro pode passar a se basear”, explica o professor Aripuanã Watanabe.
Alívio no próximo ano
Historicamente as epidemias de dengue no Brasil são cíclicas e, por isso, é provável que haja um retorno no próximo ano, aos parâmetros esperados em relação ao número de casos. Além disso, como há maior circulação dos tipos 1 e 2 da dengue no país, boa parte da população ficará imunizada em relação a essas variantes da doença, explica Mário Círio Nogueira. Nesse sentido, a vacina disponível na rede pública a partir deste ano também pode ajudar no futuro, controlando o aumento dos casos e, principalmente, a gravidade da doença, ainda que as altas médias de temperaturas tragam novos desafios.